Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Arquitectura ou Público

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Para lá da relevância do levantamento que Gadanho se propõe fazer no seu Arquitectura em Público: 15 anos de expansão mediática nas páginas de um jornal português (Colecção Equações de Arquitectura, Dafne, Porto, 2010; a partir da sua própria Tese de Doutoramento) - que, de forma sistemática e rigorosa, percorre o processo de generalização da arquitectura levado a cabo pelo Público entre 1991 e 2005 - o case-study torna evidente o paralelismo entre a discussão da arquitectura para lá daquilo que é a sua habitual zona de conforto e a crescente presença desta na sociedade portuguesa; mesmo quando o discurso não coincide exactamente com as pretensões ou preposições que são próprias à disciplina.

Gadanho diz isso mesmo, quando refere que "a hipótese de este acesso (aos media) garantir a construção de uma nova representatividade – e legitimidade – social da produção arquitectónica no âmbito do quotidiano", apontando-lhe no entanto o reverso da medalha: "o enfoque passa aqui a ser o acesso da arquitectura à construção da esfera pública e o modo como esse acesso gera uma sujeição ao escrutínio que, eventualmente, perturba a autonomia da arquitectura".

Dessa forma, como aliás em qualquer outra situação de mediatização, os eventuais ganhos resultantes da exposição pública resultam numa espécie de obrigação de manutenção de uma imagem consistente e coerente com aquela que foi sendo construída por essa via; resultando evidentemente todo esse processo numa aparente redução da complexidade própria do fenómeno arquitectónico. Gadanho di-lo de outra forma: "mesmo que a sociedade conte ainda com o reduto da opinião do especialista, a opinião em termos mais gerais foi, de facto, reconstruída como o adversário público e social do discurso especializado; quer isto dizer; houve um aparente fenómeno em que os media especializados foram sendo substituidos pelos media generalista".

Não sendo exactamente assim - até porque essa redução será, por princípio, apenas aparente; jogando o próprio jogo mediático, numa estratégia de sobrevivência nesse outro mundo já tão distante da cultura própria dos arquitectos -, certo é que esse fenómeno irá trazer mudanças evidentes na forma com que a disciplina se comunica e, por tal (que o digam os semiologistas), alterações na própria forma de a pensar, à arquitectura. Para o exemplificar, bastaria olhar para o fenómeno Bjarke Ingels, não apenas do ponto de vista do autor - preocupado em montar uma estratégioa de marketing -, mas também do ponto de vista dos clientes - que passam a entender um discurso construido à sua medida - e, mais surpreendente ainda, a própria cultura disciplinar - que sofre evidentes alterações, reduzindo-se às normativas do discurso criado.


Arquitectura em Público fica-se pelo território nacional, inclusivamente num tempo anterior ao aparecimento dos BIG; embora o próprio autor desenvolva algumas considerações sobre esse processo, referindo Johnson, Le Corbusier, Koolhaas (que faz a capa do Arquitectura em Público) ou Foster; este último com outro tipo de protagonismo, dada a sua própria presença em Lisboa no decurso dessa década e meia pela qual o livro vai passando.

No entanto, a tese de que a generalização do discurso arquitectónico implica a sua própria simplificação é de certo modo paradoxal; até porque, vendo bem as coisas, o desenvolvimento da visibilidade generica da arquitectura em Portugal coincide a com o próprio desenvolvimento da especialização; ou não fosse o caso do número de publicações especializadas ter aumentado significativamente nos últimos anos.

Poder-se-ia, é certo, afirmar sem grande constrangimento que a quantidade de títulos de e sobre arquitectura não representa no entanto um aprofundamento do discurso. E no entanto, se olharmos com atenção para a maioria dos exemplos de mediatização generalista que nos são dados por Pedro Gadanho, constactamos que a maior parte deles não se refere de facto à arquitectura per se, mas antes a questões de somenos importância, pelo menos no que se lhe refere.
Assim, os assuntos polémicos e as discussões públicas são em grande parte ligadas à espuma dos dias: ou é a altura (quase sempre em demasia) de determinado edifício, ou é a sua volumetria (quase sempre demasiado balofa), ou é o traçado ou a traça, ou é ainda o desajuste ao contexto (bastando recordar a recente polémica do Edifício do Rato, de Mateus e Valssassina); sendo evidente que os assuntos, mesmo que prosaicos, que a arquitectura corporiza pouco ou nada transparecem nesse processo de mediatização generalista - isto para utilizar os termos do autor -, e quando assim não é, o discurso tende a ser inconsistente, e desinformado.

Dessa forma, embora seja um facto que a arquitectura (e a cidade) passa a integrar o discurso quotidiano, a forma de o fazer não deixa no entanto de ser desadequada, ingénua, muitas das vezes; e isso - essa simplificação - mais cedo ou mais tarde repercurtir-se-á nas esferas em que a cultura disciplinar deveria ter presença – nomeadamente em termos de opções políticas e estratégicas para o país.

Então, mais do que um instrumentos capaz de colaborar no desenvolvimento ou na resolução de questões, a arquitectura confirma-se apenas como uma posssibilidade de lhes dar forma, em que a suposta qualidade que oferece se sobrepurá a partir de então ao debate ou à reflexão. Uma espécie de vestimenta portanto, como se estivessemos todos dispostos a falar de mini-saias ou de meias até ao joelho.
Este fenómeno ganha ainda maior presença pela tipificação a que os arquitectos se sujeitam - gente cool e bem vestida, cujas certezas são sempre maiores que as dúvidas, e cuja iconolatria ganha contornos messiânicos -, agravando-se através de posições corporativas completamente desajustadas. Basta relembrar aqui o triste episódio do manifesto por Paulo Mendes da Rocha, em que um conjunto significante e preponderante de arquitectos se propunham legitimar um processo sem qualquer tipo de sustentabilidade ética e democrática; assumindo um corporativismo atávico que, para além de escamotear o problema, aceitava a condição de menoridade, delegando a responsabilidade de tão importante obra a um messianico (lá está) Pritker.

Na verdade o problema dos problemas associados à mediatização tem origem nos próprios arquitectos – sendo o resto (a escrita que se faz no Público ou noutros meios de comunicação) apenas e só a sua consequencia.
Assim, quando por exemplo Gadanho relembra as múltiplas referências à arquitectura dita Portoguesa (sic), está sobretudo a referir-se à exasperante ingenuidade com que os media os fazem, não só pelos jornalistas serem na maior parte desinformados; mas também por essas respostas directas e simplistas q.b. terem origem na própria comunidade arquitectónica.

E isso leva-nos ao cerne da questão, referida aliás por Gadanho: a mediatização generalista da arquitectura implicou em certo sentido a uniformização de conteúdos. Para os media só existe uma arquitectura portuguesa, o que quer dizer que, mais cedo ou mais tarde, essa arquitectura portoguesa não irá deixar que nada mais cresça à sua volta.

De algum modo isto foi possivel por várias razões: a ingenuidade de quem escreve – e, não sei porque, mas estou sempre a recordar-me de Alexandra Prado Coelho, injustamente esquecendo outros tantos jornalistas especializados que enchem as páginas dos jornais de referência -, a confirmação da existência de uma arquitectura portoguesa por parte dos especialistas que vão colaborando nesses meios – e que exercem a sua função sem qualquer tipo de distanciamento ético perante os objectos que se propõem analizar, sendo muitas vezes parte interessada dos acontecimentos e/ou fenómenos que descrevem.

Há, em todo esse processo, um evidentemente deficit democrático. Só que o maior contributo para esse deficit democrático seria exactamente dado pelos cronistas de arquitectura – defensores de tendência, eles próprios pouco diversificados, e que alimentavam um circuito que por sua vez os garantiria legitimização no próprio inner circle da arquitectura -, e não tanto pela incultura do jornalismo especializado, incapaz de tirar conclusões sobre aquilo que se lhe deparava.
Se quisermos ir até um pouco mais longe, percebemos que as recentes investidas de autores-cronistas contra as opiniões muito mais heterodoxas e diversificadas dos blogues não mais são do que uma tentativa de manutenção dessa identidade nacional que tem vindo a ser construída nas páginas dos jornais, e que a partir de agora passa a ser facilmente (visivelmente, queria eu dizer) posta em causa.

Aquilo que podemos concluir da obra de Gadanho é que todo este processo de publicitação da arquitectura é de algum modo um paradoxo. E, em limite, um logro. Porque se é verdade que a arquitectura se tornou mediática, oferecendo-se ao debate público; os sistemas de mediatização da arquitectura testabeleciam os seus próprios critérios, substituindo-se por tal àquilo que seria o objectivo máximo do jornalismo: informar, para que os leitores possam depois construir as suas próprias reflexões.

Pedro Gadanho fala em três fases deste processo de mediatização da arquitectura em Portugal: a primeira ligado a cronistas como Manuel Graça Dias, a João Vieira Caldas ou a Paulo Varela Gomes, onde ao discurso generalista do primeiro se interpunha uma crítica (relativamente) heterodoxa, ligada ainda a um discurso de especialista; a segunda ligada já ao advento de Siza e da sua Escola; sendo o Terceiro ligado a esse mesmo sentido de uniformização do discurso em torno de um modelo, e da sua ascensão enquanto fenómeno típico dos sistemas de moda (o autor do livro usa o termo wallpaper várias vezes), confirmando e sustentanto nomes como os de Siza, Souto de Moura, Carrilho da Graça, Byrne ou Aires Mateus.

Curiosamente Gadanho admite desconher o futuro, ou aquilo que apelida ser a próxima fase de mediatização. Pode ser que sim, que Gadanho tenha razão. E no entanto diria que esta próxima fase poderia muito bem ser ilustrada pela sofisticação e subtileza com que os agentes imobiliários e os políticos lá vão confrontando os opinion makers, fazendo-os tomar o mesmo caminho que os arquitectos um dia decidiram calcorrear, esquecendo-se porventura da sua própria cultura crítica.

E depois, penso mesmo que Gadanho saberá exactamente qual a próxima fase da mediatização.
Diria mesmo que a mediatização é ela própria o principal território de trabalho da arquitectura do próprio autor, cuja carreira assente exactamente na criação de conteúdos arquitectónicos cuja validade per se já não é o ponto flucrar, mas antes a sua intersão numa dinâmica de media que ultrapassa o próprio objecto, espalhando-o e espelhando-o por um conjunto de suportes (escrita, media, arte, etc.) e autores; que transformam, aliás, cada projecto de Gadanho uma peça concreta e rigorosa na construção da sua própria agenda enquanto autor, e da qual fazem parte o seu blogs e as suas revistas, os seus projectos curatoriais e, evidentemente, este livro de que agora se fala.

1 comentários:

João disse...

A mediatização enquanto principal território de trabalho da arquitectura não é novidade e tem até os dias contados. O momento, de relativismo absoluto, onde tudo é posto em causa e, portanto, tudo é permitido, demonstra o total desalento do "star system" (de resto, exposto aqui recentemente aquando o post dos H&dM).O próprio Ingels já se cansou dele mesmo.A arquitectura, enquanto definição,definha, sem rumo e sem razão de ser. Um regresso às origens seria encarado como uma derrota. There's no turning back.A próxima fase será o seu fim, tal como a conhecemos. Se é que não morreu já...

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