Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

| Subscrever via RSS

Setembro

| 2 comentários |

Agosto contraria a métrica.

A lógica temporal deixa simplesmente de ser intuída, passando a gerar meras coincidências.
Agosto nunca existe: é demasiado volátil para merecer nome de mês. Para além disso centra-se em temas recorrentes, repetitivos, quase anónimos, como se a iteração fosse sinónimo da procura da ausência da singularidade.
Mas é exactamente o contrário. É a anatomia vagarosa a mandar no tempo de Agosto. Quase sempre descalça, nua; incapaz de uma tomada de decisão definitiva sobre elementos simples, outrora precisos.
Agosto é coisa evidentemente inútil, nem que seja por convidar a nada.
Por isso: Setembro.

Nota

| 1 comentários |

A realidade faz-se sempre notar.

Pnin

| 2 comentários |





















Uma coisa é dizerem-nos que The Original of Laura é o pior livro de Nabokov. Pode ser que sim. Afinal o homem morreu antes de o começar, ao livro.
Outra coisa, completamente diferente, é afirmarem que a obra tem pouca substância.
Não tem. Claro que não tem. Não pode ter pouca substância.

Não é que tenha lido o livro. Aparentemente ainda (quase) ninguém o leu.
Trata-se simplesmente de uma extrapolação. Tendo por base a pura estatística.

Quem sabe

| 8 comentários |

Depois de publicar críticos de arquitectura resta, quem sabe, a Luís Santiago Baptista começar a publicar crítica de arquitectura.

À Arq/A, a esta Arq/A, voltaremos concerteza.

Antípodas

| 0 comentários |

De certa forma o processo é empírico. Mas na verdade a comparação entre isto e aquilo não nos permite confirmar a ideia que a arquitectura feita na Austrália está propriamente nos antípodas da sua congénere portuguesa.
Pelo que nos é dado a ver, será do mesmo modo licito poder afirmar que a arquitectura feita na Austrália é, de vez em quando, menos bem conseguida que a arquitectura feita em Portugal.

Yes it is indeed

| 2 comentários |
















Robin Hood Gardens, Alison and Peter Smithson, 1972.

Is London's Robin Hood Gardens an architectural masterpiece?

Merecer. Ter.

| 0 comentários |

Não fosse um céptico e talvez acreditasse na capacidade das pessoas de organizarem em nome de um bem comum.
Não é que não creia no potencial de uma sociedade civicamente organizada. Apenas acho que isso não se enquadra naquilo que são as nossas preocupações; não fossemos nós individualistas inveterados, sempre à espera que algo nos destaque do resto das gentes.

Desconfio por isso de ajuntamentos: encontro-lhes sempre um móbil, onde uns poucos ganham com a agitação de outros muitos. Ou de assembleias, em que dois ou três delas se usurpam das suas realizações para proveito (im)próprio. As associações de estudantes por exemplo: um bando de miúdos acéfalos, normalmente avessos ao estudo, que vão gastando o dinheiro em pizzarias de bairro, aspirando a uma vida ainda mais desanuviada num outro lugar, ao mesmo tempo que lá se vão dispensando de fazer os trabalhos de casa, ou um ou outro exame mais exigente.

Não sei bem porquê (talvez sejam réstias de memórias comuns,) mas sempre que vislumbro ajustamentos, associo-lhes algo de brutal, mesmo que não haja neles qualquer tipo de violência aparente.
Um grupo de pessoas cujo tamanho em demasia inviabilize o uso de um mesa de jantar, daquelas grandes, implica desde logo alguma boçalidade, logo a seguir confirmada pela pujança verbal implícita a discussões discutíveis.

Evidentemente que admiro as excepções. Mas vejo, nessas excepções, uma prerrogativa individual. Uma espécie de empenhamento ético que, por definição, é avesso à conjugação. E nesse sentido interpreto cada um desses, poucos, felizes, actos comuns como o somatório de actos individualistas, cuja existência não mais é do que fruto de nobre coincidência.

Nesse sentido serei, claro, pouco dado a assinalar o produto do empenhamento comum: não fosse essa nobre coincidência, ele não chegaria a existir enquanto facto positivo.
Ainda assim, seja por nobre coincidência, por desconfiar da razoabilidade dos meus próprios argumentos, ou por estar a umas escassas horas do Verão, pareceu-me importante destacar esta coisa:
[...] gostava de vos convidar a juntarem-se a nós, no próximo dia 31 de Outubro, num projecto cívico a que chamamos Projecto Limpar Portugal. Vivemos num país repleto de belas paisagens mas, infelizmente, todos os dias as vemos invadidas por lixo que aí é ilegalmente depositado. Nas cidades, nas praias, nos montes, em todo o lado, é frequente vermos as desagradáveis lixeiras.
Partindo do relato do projecto desenvolvido na Estónia em 2008, disponível no YouTube (http://www.youtube.com/watch?v=T7GzfMD6LHs ), onde um grupo de pessoas se juntou para limpar o país em apenas um dia.
Neste momento já muitas pessoas acreditam que é possível. O objectivo é juntar o maior número de pessoas por concelho ou por zona geográfica, para que todos juntos possamos, durante um dia das nossas vidas, fazer algo de útil por nós, pelo planeta, e pelo futuro dos nossos filhos.
Certos de que muito ainda há a fazer, toda a ajuda é bem vinda! Quem quiser ajudar, basta juntar-se ao projecto no endereço http://limparportugal.ning.com, e integrar o grupo da região onde reside, ou da região que gosta mais. É nesta rede social e na página oficial do evento http://www.limparportugal.org, que se vai dando conta dos desenvolvimentos do projecto. No dia 31 de Outubro, por um dia, vamos fazer parte da solução deixando de ser parte do problema.
Desconfio que não haja aqui qualquer tipo de metáfora que torne a coisa minimamente estimulante. Ainda assim.

Ter. Merecer.

| 0 comentários |

















imagem: China, Michael Roulier, 2009

Não retirando vírgula que seja ao Comentário de Gadanho sobre o que aqui foi escrito, parece no entanto que a origem da previsível falência do Pavilhão Português em Shanghai estará a montante do seu comissário.

Sabemos, claro, do ambicioso lema da Parque Expo (Re:inventar o Território). Também não esquecemos esse auspicioso protocolo firmado em Maio passado entre a direcção da dita Empresa e a Ordem dos Arquitectos, visando exactamente a promoção dos processos de concursos de concepção de projectos de arquitectura.
Tudo isso faria adivinhar uma mudança estratégica da Parque Expo, o que não deixava de ser uma boa notícia.

Convém não esquecer que a Parque Expo é uma empresa financiado com dinheiros públicos. No entanto o seu campo de acção tem-se sobreposto vezes de mais à capacidade privada existente, concorrendo directamente com ela, usando-se do seu estatuto para angariar enormes quantidades de trabalho: os programas Polis, ou a Sociedade Frente Tejo são os seus mais recentes encargos.
Poder-se-ia afirmar que a Parque Expo fará concorrência desleal ao mercado privado: seja ele dos promotores, dos urbanistas ou dos projectistas; o que de certa forma é um facto.
E o entanto a explicação para a existência de uma Parque Expo poderia ser simples: assegurar uma qualidade exemplar no planeamento e na gestão urbana, ainda escassa no sector privado em Portugal.

Quando digo que a assinatura de um protocolo entre a Parque Expo e a OA constituiria um sinal positivo; falava exactamente naquilo que poderiam ser as mudanças que a tornariam, à Parque Expo, uma verdadeira instituição de utilidade pública: a redução de fenómenos como aqueles que a Sociedade Frente Tejo vem promovendo, ou a extinção do concentracionismo promovido pelas Polis um pouco por toda o país.

Não sei de facto se isso será algum dia uma realidade. Se a Parque Expo (como aliás a Epul ou a Invesfer) decidirá aproveitar da melhor forma os recursos públicos à sua disposição para fazer melhor pelo nosso património urbano.

No entanto repito: no caso dessa gota no Oceano da Parque Expo que é o Pavilhão Português, parece que a origem do problema estará a montante da instituição, e do respectivo comissário.
Senão repare-se: em Fevereiro de 2009 (exactamente um ano depois do concurso para o Pavilhão Dinamarquês) não era ainda conhecido oficialmente o nome do responsável máximo da representação oficial portuguesa a Shanghai. Admitamos: ao contrário do que nos é garantido por Quartin Santos, o embaixador português na China- quando diz haver todo o empenho em garantir uma participação nacional condigna -, iniciar um processo como este com tão curta antecedência ao evento inviabiliza qualquer ambição, por mínima que seja, da participação portuguesa.
O fenómeno é amplo e generalizado: as urgências que supostamente vão dando cobertura a decisões pouco civilizadas não são mais do que a confirmação do diletante laxismo com que a política vai lidando com a realidade.

O problema é-nos de certa forma grave, se pensarmos que numa democracia essa política diletante e laxista vai sendo feita por nós, ou com o nosso consentimento.

Ao que se conclui: cada um tem o Pavilhão que merece.
Ter melhor equivale a merecer melhor.

An elevation problem

| 2 comentários |











Aline Barnsdall House [Alçado] , Beverly Hills, California, F. L. Wright, 1923 [fonte: Library of Congress : exposição Designs for an American Landscape 1922-1932]


Certamente a propósito da frase que falava em esperançosas [arquitecturas] apoiadas [...] numa fachada de facto extraordinária - sobre as Grutas da Torre, que por sua vez se referia a um texto de Pedro Baía publicado no JA 234 - Pedro F. Jorge decide, num gesto franco, algo impulsivo, dizer ser "no mínimo superficial acreditar que uma fachada deixe expectativas a nível de uma composição arquitectónica complexa"; para logo a seguir perguntar: "Um 'tricot' em pedra é sinónimo de esperança?"

Independentemente do valor que possamos atribuir à referida obra, dir-se-ia que sim: que o tricot de pedra pode, aqui, ser sinónimo de esperança. Esperança que a arquitectura sirva de facto para alguma coisa. Para mais alguma coisa que não o constante desperdício de oportunidades que nos é dado a ver quotidianamente.
Pedro Jorge cai, aliás, na sua própria armadilha, precipitando-se, ao achar que a fachada da Gruta das Torres implica uma extravagante "ausência de implantação" do projecto de Miguel Vieira e Inês Vieira da Silva; para depois lhe criticar a sua "planta minimal", certamente baseada no imoral "culto do objecto" como "um falso ídolo".
Dir-se-ia estarmos aqui na presença de um verdadeiro iconoclasta, ainda por cima "mauzinho [mas, vá lá, com intenção de ouro:] combater o verdadeiro inimigo: estética versus ética".

Não tendo certezas algumas sobre a obra dos Sami para além do seu aparente conservadorismo, uma coisa me é certa: não tenho certezas nenhumas sobre a obra dos Sami para além do seu aparente conservadorismo. E isso parece-me suficiente para conter eventuais impulsos redutores sobre as arquitecturas que vão fazendo.

Repare-se: não é que não deixe de apreciar iconoclastas. São, enfim, o último reduto niilista. Mas olhe, meu caro Pedro Jorge: para se (querer) ser iconoclasta é necessário ter consciência que não existe tal coisa (ups!: um lugar comum) de separar estética da ética.
Aliás, Pedro Jorge terá experiência suficiente para saber que o exercício da arquitectura é bastante mais complexo do que separar (ou juntar) duas palavras.

Conclui-se ser [no mínimo] superficial acreditar ser no mínimo superficial que uma fachada possa deixar expectativas a nível de uma composição arquitectónica complexa.

Da tendência para a reclinação e do seu desejo

| 1 comentários |















vb.rivolli. 005.nt, da série Rivolli Sisters, Castello Di Rivolli Museu D'Art Contemporanea, Vanessa Beecroft, 2003

[...] é intenção da autarquia [lisboeta] "apostar muito" no lançamento de concursos de arquitectura de modo a "tirar partido do potencial dos arquitectos portugueses para a qualidade da cidade" e [Manuel Salgado] adiantou que, ainda antes do fim do mandato, pretende lançar vários concursos para projectar zonas nobres da cidade.
Manuel Salgado, Vereador de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, JN 21-07-09
Em qualquer texto que leia aprecio sobretudo, quase sempre, os excertos entre aspas. Como de metáforas se tratassem.

Fim de Julho

| 7 comentários |




















Merce Cunningham, NYMag, Abril 2009 [Imagem: Mark Seliger]

Ainda sobre a hesitação de Hans-Jürgen Commerell

| 1 comentários |


















Depois do périplo pela última década de representações nacionais de arquitectura fora de Portugal (Parte I/II), publica-se Um périplo pela última década de representações nacionais de arquitectura fora de Portugal (Parte II/II). No sítio do costume.

Da tendência para a reclinação e do seu desejo

| 0 comentários |

















vb.rivolli. 006.nt, da série Rivolli Sisters, Castello Di Rivolli Museu D'Art Contemporanea, Vanessa Beecroft, 2003


Teresa Veiga Macedo a afirmar:

A iniciativa do actual Presidente da Câmara António Costa e do Arquitecto convidado Bruno Soares, pode vir a sugerir uma correspondência entre a paisagem urbana de Lisboa e a paisagem corporal de uma mulher sécia. A recuperação do corpo edificado e o arranjo do espaço público é, com certeza, pertinente. Mas não se compreende o desenho do pavimento proposto para a praça, nem tão pouco a acentuação de desníveis num espaço público.
Para depois confirmar:
Também não se percebe a ausência de um concurso, ou de uma discussão pública prévia a propósito da requalificação de um lugar com este peso simbólico.
Sem, no fim, se esquecer de firmar:
a arquitectura suporta o desprezo.
Teresa Veiga Macedo no Plano Imprevisto, que passa a figurar na coluna do meio.

Scotch (Blended)

| 3 comentários |





















Hi-Density Housing, 1977; James Stirling [entretanto demolida]
[imagem bdonline]

I can only imagine this must be some kind of drunken joke, afirma Glancey, sobre a lista de nomeações para o Stirling deste ano.
O que Glancey parece não perceber é que isso, da arquitectura britânica, sempre foi assim. Até porque muitas das coisas más que de lá vieram se devem exactamente a um outro Escocês.

Scotch

| 2 comentários |





















Glasgow School of Art, 1897, Charles Rennie Mackintosh (via Riba)

I can only imagine this must be some kind of drunken joke, afirma Glancey, sobre a lista de nomeações para o Stirling deste ano.
O que Glancey parece não perceber é que isso, da arquitectura britânica, sempre foi assim. Até porque as últimas coisas boas que de lá vieram se devem exactamente a um Escocês.

Out of Africa.cont

| 0 comentários |

Quer isto dizer o quê?
Que o objecto da minha única, verdadeira e honesta tentativa em fazer um texto crítico de arquitectura não mais vai existir?

[com um agradecimento especial a TMS, por defraudar as minhas expectativas mais pessimistas em David Adjaye]

Ups!, ou uma Praça para o Mundo

| 2 comentários |

Sei bem que não faz grande sentido. Talvez tenha tido sorte na vida. Nenhum grande problema. Mesmo os pequenos problemas são poucos, e normalmente efabulados por mim próprio, para não me aborrecer em demasia.
O meu carro por exemplo: nunca avaria. Não faço nada por ele. Nem revisões. Nem mudo o óleo, Nem vejo a pressão dos pneus. E mesmo assim a coisa contínua a andar como se nada fosse.
Às vezes vou na rua e dou pontapés em coisas: a última foi uma máquina fotográfica, digital e tudo. Pequenina, que era mesmo o que estava a precisar.
Quando me apetece ir à praia está sempre sol. A não ser que prefira nevoeiro. Quando prefiro nevoeiro, a praia responde-me, atentamente, com neblina, acompanhada de uma brisa salgada, que me permite vestir a camisola e ir para a esplanada beber qualquer coisa mais quente.
Comprar sapatos é-me fácil: há sempre o meu número. E quando não há, é porque a fôrma do sapato é diferente do habitual, e é o número acima que me serve; coincidentemente o único que há na loja.
As pessoas são-me generalizadamente simpáticas. Nunca ninguém se zanga comigo, a não ser quanto me apetece ver as pessoas zangadas.
Eu próprio nunca me zango.

Isto tudo para dizer que não há nada que me faça ser menos que um optimista. Daqueles optimistas que acham que as coisas nunca foram melhores do que aquilo que são. Os poucos que ainda por cima acreditam que as coisas só podem melhorar.

Pode ser, ainda assim, que não faça grande sentido ser optimista. Até porque a condição de optimista não implica - momento ali, momento aqui -, a inexistência pontual de qualquer fenómeno menos confortável: o isqueiro não funcionar, por exemplo; ou não encontrar tradução alguma, em inglês difícil que seja, de Logis in einem Landhaus.
E no entanto tem havido sempre alguém simpático, disposto a emprestar-me lume.
E mesmo que o alemão não me permita ler a última obra do Sebald, sempre me resta a hipótese de abrir, ao calhas, o Austerlitz pela segunda vez, o que já não é nada mau.

E no entanto, de um dia para o outro, percebemos que o nosso optimismo nos leva a cometer verdadeiras barbáries. Erros imensos, baseados na crença que as coisas vão ficando melhores, e que há, em cada uma delas, um propósito maior que lhes vai dando sentido.
São adversidades; falhas que se escrevem assim:

Lacunas incómodas, portanto. Que nos fazem tomar consciência que o mundo dos optimistas é, afinal, o mundo dos ingénuos.

Poderíamos, claro, perguntar-nos: mas então para que serve um Pavilhão feito assim? Desta maneira?
Estaríamos no entanto a incorrer no risco de nos tornarmos profundamente optimistas. Mais: ingénuos também. Optimistas por acreditarmos que um Pavilhão em Shanghai poderia ser uma bela oportunidade para Portugal, e para a arquitectura também. E ingénuos por não querermos acreditar que o investimento no Pavilhão Português servirá para tudo menos para fazer um bom Pavilhão Português.

[com um agradecimento especial a TMS, por defraudar as minhas expectativas mais optimistas em Rolando Borges Martins]

Adenda ao voto útil

| 0 comentários |













Maria de Medeiros, em Henry and June; Philip Kaufman, 1990

Na verdade poder-se-ia dizer que estávamos perante a acção mais revolucionária desde o PREC, não fosse o pequeno, quase subtil pormenor de já não morarmos em 1990, e da futura deputada se chamar Inês, ao invés de Maria.

Voto útil

| 0 comentários |

















Inês de Medeiros; Ricardo Quaresma, para a Máxima


Ao longo destes anos não é tanto a forma da política que tem vindo a mudar, mas antes a própria política da forma.

O triplo da classe

| 0 comentários |

Não é por nada de especial. Talvez seja apenas o resultado da relação entre instinto e fatalidade. Ou então, simplesmente, devido ao facto de não acreditar em grandes coincidências.
Mas que começo a desconfiar que isto e aquilo vêm do mesmo sítio, ái isso é que começo.

Ensaio sobre as enciclopédias

| 1 comentários |

Lembro-me, em criança, de ter ido passar uns dias de férias a casa de alguém que tinha uma enciclopédia. Daquelas enciclopédias enormes, que não havia na minha casa, nem na casa dos meus amigos. Daquelas: que ocupam um sem fim de prateleiras, cheias de pó por falta de uso.

O sítio dessas férias era vagamente aborrecido: não havia praia. nem cidade. Nem mesmo aquele ar de Verão que nos faz querer sair de casa no Verão. Não é que não fizesse calor: era Verão. Mas o calor, por si só, não me diz nada. Sobretudo se estivermos a falar do calor do campo, que mais cedo ou mais tarde se torna um calor aborrecido. Um calor com pó, como o das enciclopédias.
Nessa casa havia, como disse, a tal enciclopédia. Daquelas enciclopédias ilustradas, dividida em muitos volumes, invariavelmente falados em brasileiro; que tinham mapas de países chamados Ceilão. Ou Rodésia.

De resto, nesse Verão, as distracções resumiam-se a um órgão electrónico, daqueles cujo toque nas teclas fazia soar uns sons tubulares, vagamente parecidos com o órgão que anos depois iria ouvir nos discos dos Doors; e a televisão a preto e branco, que apanhava, com chuva, a TVE.

Dessa forma, depois de passar as tardes a tentar tocar, sem grande sucesso, When the Saints Go Marching In (que era a única pauta que por lá andava), ou a ver aquele filme do Tarzan com uma gruta secreta que é afinal um cemitério onde os elefantes vão todos morrer, já um pouco desiludido com o Johnny Weissmuller a falar castelhano, lá abria ao calhas a tal enciclopédia, e passava os olhos pelo passado colonial da Nigéria, ou pela diferença entre um Clipper e um Lugre.

Depois disso nunca mais quis saber de órgãos para nada. Cansei-me, definitivamente, do Tarzan. E no entanto, desses dias estafados de Verão, ficou-me o gosto pelas enciclopédias dos outros. Sobretudo das enciclopédias que têm vários volumes, e estão sempre desactualizadas. E isso faz-me, sempre, ir subtil mas directamente às estantes das pessoas, quando lhes entro em casa, a pretexto de pousar a caneta ou as chaves de casa, à espera de encontrar uma prateleira cheia de mapas da Rodésia ou do Ceilão.

Deve ser por isso que aprecio, com gosto, o trabalho de Francisco do Vale. É uma espécie de enciclopédia, a escrita informada de Vale. Mas é um trabalho quase anacrónico, sem aparente organização, que se torna ainda mais útil, dispensando-nos de abrir ao calhas a Arquitectura Hoje para que nos venha cair às mãos informação desconexa, desligada.
Não há, em Vale, claro, nenhum tipo de subjectivismo, nem intencionalidade para lá da intenção de informar. Tudo é escorreito, e correcto. Sabemos-lhes as fontes e os Links. E gostamos das suas escolhas.
Não há, também, em Francisco do Vale, a vontade de nos embrulhar nas suas idiossincrasias, nem mesmo a tendência, mínima que seja, em nos provocar.

Quer dizer: não havia; até hoje. Até ao momento em que Vale, despudoradamente (gosto da palavra despudor: tem qualquer coisa de amoral), a propósito disto, diz assim :

Bem sei que o interesse de uma enciclopédia é proporcional à sua capacidade de revelar a sua própria desactualização. E no entanto nem a própria desactualização se lembraria de afirmar, tão despudoradamente (lá está) que a qualidade da arquitectura se revela através da sua capacidade em nos oferecer a possibilidade de se beber um café ou de se ler um livro.

Repito, por isso, o que já tinha dito sobre o Pavilhão de Verão da Serpentine: Não deve ser mais do que simples felicidade. Ou uma coincidência. Daquelas coisas que só acontecem uma vez na vida. Um golpe de sorte talvez. Ou então é da língua. Ou do chá. Mas há qualquer coisa que deve explicar o porquê de ter sido preciso esperar tantos anos por um japonês (neste caso são até dois) para fazer melhor que outro japonês.

ps: estava para aqui a tentar lembrar-me se o Tarzan de facto falava, ou se limitava apenas a berrar. É que os berros não se traduzem para castelhano, pois não?

Ik zal handhaven

| 0 comentários |































de Bijenkorf, 1926, Den Haag; Pieter Kramer [via flickr]


Durante uns tempos achei que todos os lugares para ir às compras eram assim. Quer dizer: bastava sair de casa e atravessar o canal para o lado de lá. Caminhar rua abaixo, pelo jardim das embaixadas, e dar com o Bijenkorf, logo ali.
Ao domingo o Bijenkorf estava fechado. Preferíamos então sentar-nos naquela mesa grande, ao centro do Greve, a ler os jornais estrangeiros ou a ouvir as palavras dos outros. Neste caso o exercício tornava-se algo exótico, dado não percebermos nada de neerlandês; mas ainda assim o hábito não se perdia, até porque potenciava, em muito, a efabulação.

Bem sei que isto soa a saudosismo. Afinal não deixa de o ser.
Em estrita defesa cabe-me apenas ressalvar a crença na capacidade da memória selectiva.

Adenda à Entrada Anterior

| 2 comentários |































De Dageraad, Amsterdam, 1923; Pieter Kramer, Michel de Klerk

Digamos antes assim: se por acaso tivéssemos crescido num sítio assim, talvez, quem sabe, pudéssemos ter sido melhores arquitectos.

De Dageraad

| 1 comentários |

Poder-se-ia afirmar, claro, que a arquitectura tem vindo a tornar-se mais e mais interessante com o passar dos tempos.
Corre-se, claro, o risco da afirmação se pautar por algum diletantismo.

Adenda à Entrada anterior

| 4 comentários |





















Case Study House #21, Los Angeles, California,
Pierre Koenig, 1958; fotografia por J. Shulman

Shulman. Que para além de autor de fotografias de arquitectura foi capaz de revelar, despudoradamente, a estreita ligação entre modernismo e erotismo.

Julgavam o quê? Que o sideboard que os vossos pais têm lá por casa serviu apenas para guardar pratos?

Debaixo de terra

| 1 comentários |





















Casa Arango, Acapulco, John Lautner; fotografado por Julius Shulman

Um dos maiores problemas da arquitectura não é visível. Está debaixo da terra, enterrado bem fundo no subsolo: todos esses mortos com que temos de lidar quotidianamente.
É um problema exponencial, que cresce com o tempo. O que o torna, ao problema, ainda mais pesado, entenda-se.
A questão não é de somenos importância. Até porque o esquecimento seria, aqui, uma espécie de lobotomia, apenas. E nada mais.

288 days to go

| 2 comentários |

De Shanghai (Xangai, em sei) chegam-nos também promissoras notícias para a arquitectura nacional: Portugal has confirmed that it will rent a 2,000-square-meter pavilion at the 2010 World Expo for its exhibition.
Uma boa notícia para a arquitectura de interiores, queria eu dizer.

O falso Körmeling

| 0 comentários |

Walter van Weelden, o comissário holandês para a Expo de Shanghai (eu sei que se devia escrever Xangai, mas parece estranho escrever assim: Xangai), deve ser um homem ambicioso. Só pode ser um homem ambicioso. Não fosse van Weelden um homem ambicioso, provavelmente não diria o que disse: We want the (netherland's) pavilion to be one of the top best pavilions in the Expo site.













Expo'2010 - Shanghay: Pavilhão da Holanda, também chamado de Happy Street; John Kormeling


Não é que a arquitectura holandesa não esteja em baixa (afinal é por isso que se lhes chamam Países Baixos), numa espécie de fim de estação. Mas isto já soa a exagero.

O problema aqui é no entanto pessoal: considero isto, do pavilhão Holandês, em mais nem menos do que uma punhalada no coração. Uma coisa à Dexter. Violenta. Sanguinária.
Uma traição na confiança que depositei, com todo o empenho, em John Körmeling.
Uma armadilha que me foi montada, depois de passar mais de uma década a apreciar, sozinho, a obra de Körmeling. De segredar, a poucos ouvidos, da sua existência. De passar o seu livro, subrepticiamente, a alvos por mim escolhidos com toda a precisão.





















Hot Spring: vertical plan that can be climbed. Twenty five meters hight. Parking place included; Körmeling, 2002; Matsunoyama


Durante muitos anos John Körmeling foi para mim uma espécie de ídolo secreto. Um herói privado. Daqueles tipos que se têm pendurados, em cartazes A3, ao alto, vincados a meio, nas paredes do quarto, ou a forrar os cadernos de esquissos, presos com fita cola; isto se me deixassem forrar as paredes do quarto com cartazes A3 (nunca deixaram) ou se tivesse, algures, cadernos de esquissos.





















Starting House: Boat racing track, Körmeling, 1992; Harkstede

Achava Körmeling um demiurgo. Um espécie de Miguel Palma holandês, mas ao contrário.
O último dos construtivistas. Ainda por cima vivo.
Um arquitecto inútil, que é a melhor espécie de arquitectos que se conhecem. Mais: o supremo arquitecto da inutilidade.
Um cínico humorado, o que é, evidentemente, um paradoxo. Um funcionalista desfuncional.
Um daqueles arquitectos que começa os projectos onde os outros normalmente acabam. Um ser humano dotado da clara compreensão das coisas urbanas, que sabia não agir até tudo se encontrar em perfeita linearidade.
Até hoje.




















Museumplein: The shortest and Widest motorway in The Netherlands: a relief for cars; Körmeling, 1998; Amesterdão


Tenho ainda esperança que haja um engano qualquer.

Talvez, quem sabe, o pavilhão seja uma falsificação.
É isso: um Körmeling falso.
Ainda por cima falsificado por ele próprio. Isso é, nem mais nem menos, a confirmação do génio de Körmeling.

O evangelho segundo jesus cristo

| 0 comentários |














Igreja do Cristo Obrero, Atlantida [Uruguai], Eládio Dieste, 1958.

Por Tiago Borges descobrimos que Saramago se interessa por arquitectura.
Depois de uma breve, ainda assim destemida, incursão pela decisiva importância da matéria e da luz na arquitectura, o nobelizado diz assim:

Não conheço na arquitectura moderna uma expressão plástica em que o primórdio da parede seja tão importante como na obra de Siza Vieira.
Confirmo: Saramago não conhece na arquitectura moderna uma expressão plástica em que o primórdio da parede seja tão importante como na obra de Siza Vieira.

Mundo perfeito

| 3 comentários |
















Mundo Perfeito: exposição de fotografias de Arquitectura por Fernando Guerra; FAUP, 2008


Nos resquícios do Equivoco dos Imaginários (e também d'A Beleza e Consolação) lembrei-me do texto de Pedro Bandeira [Fotografia de Arquitectura: Defeito e Feitio] que terá passado despercebido.

Embora o lado dandy, provocatório, de Bandeira o faça encontrar razões mais do que suficiente para que os poucos arquitectos ainda comprometidos com um sentido de «arquitectura de autor» abdiquem dos serviços do «autor» Fernando Guerra, o texto levanta questões mais que relevantes, tanto na relação entre arquitectura e representação, como também (mais importante ainda) no reenquadramento da produção arquitectónica portuguesa através do obturador de Guerra.
Repare-se que a hegemonia de Fernando Guerra enquanto fotógrafo da maior parte das obras recentes de arquitectura portuguesa implica de certa forma que o registo da história da produção arquitectónica contemporânea possa de algum modo vir a ser influenciada pelo ponto de vista do fotógrafo.

Na verdade constatam-se vários sinais que confirmam os receios de Bandeira: desde a tendência de monopolização, por parte de Guerra, do mercado interno das publicações - que recorrem sistematicamente ao trabalho de Guerra, garantindo assim material para lhes encher as páginas mensais, dispensando dessa forma o esforço de encontrar alternativas-, à própria forma como Guerra vai gerindo os convites feitos a autores portugueses por revistas internacionais, para aí publicarem os seus projectos.

Há alguns meses, inclusivamente, Ana Tostões, na qualidade de historiadora de arquitectura, edita um livro intitulado Arquitectura Portuguesa Contemporânea. O problema que Arquitectura Portuguesa Contemporânea levanta não se prende com os critérios de Ana Tostões, mas mais com a selecção das obras que constam no livro: todas elas fotografadas por Fernando Guerra.
Quer isto dizer: Ana Tostões aceitou condicionar o seu trabalho ao registo de um fotógrafo, deixando de fora obras que eventualmente considerasse relevantes, apenas por elas não terem sido objecto da (re)visão de Guerra.

Repare-se: a questão aqui não está em saber o que é que Guerra faz com a arquitectura portuguesa - até porque tudo o que ele faça é legítimo, e útil até, para a promoção da produção nacional -; mas exactamente em saber o que é que a arquitectura portuguesa é capaz de fazer com o trabalho de Guerra.

O equivoco dos imaginários

| 2 comentários |





















[via The Inquisitr]

É no mínimo curiosa a polémica criada à volta de Ruins of the Second Gilded Age.
Aparentemente o New York Times discorda da manipulação fotográfica, como se a fotografia alguma vez tivesse sido outra coisa que não manipulação.

Mais confusa ainda parece ser a reacção de Edgar Martins, quando afirma, no Público, que a manipulação não tinha objectivos estéticos; quando é exactamente aí que reside o interesse da sua obra.

A este propósito cite-se Madelena Lello, exactamente num post sobre a obra de Martins: voltemos ao início, ao princípio de Heisenberg, e nas fotografias de Edgar Martins o que se vê não existe, Martins testa os limites da incerteza, pois um bom observador encontra sempre algo de estranho, excêntrico nas coisas mais banais.

Africa.cont

| 4 comentários |

El resultado, en nuestro caso, es una importante colección de edificios a los que les falta el alma. Son un reflejo del zeitgeist en el que brilla una estética de la indiferencia atroz y una ignorancia recíproca entre los artistas que aterrizan y los posibles usuarios que, una vez terminadas esas arquitecturas, se quejan amargamente por la colección de incongruencias, inconvenientes y despilfarros que albergan esas construcciones megalómanas.

Frederico García Barba, in Islas e Território, 2007. O Blog passa a estar disponível na coluna lateral.


Quem diz isto é Frederico García Barba, arquitecto, habitante da Gran Canária, acerca do (crescente) fenómeno de investimento público na arquitectura da visibilidade (chamemos-lhe assim, por ora) que se observa no arquipélago espanhol.
Os exemplos são conhecidos. Desde os vários projectos da dupla Herzog & DeMeuron ao Auditório de Tenerife (Calatrava, 2003), as Canárias terão, de algum modo, traçado um objectivo que passa pela aposta em obras de arquitectura que tragam, ao arquipélago, o desejado reconhecimento cultural de um território conhecido sobretudo pelo turismo de massas.

Não é que estratégia política que se encontra na origem deste fenómeno seja despropositada (a esse propósito consulte-se Templos des Arte y el ocio e, porque não, Escenarios criminales, ambos publicados no Babélia de 11-07-09; um e outro sobre as réplicas do fenómeno Guggenheim).
De certa forma ela cumpre o desígnio de marcar determinada cidade. Quer-se simbolizar a sua singularidade; mostrando, através dela, a sua ambição em ser competitiva, atractiva, enfim, moderna.
E é evidente: a arquitectura responde, como poucas, a essa ambição. Se for um Museu, tanto melhor.

Não há político que não saiba o suficiente de semiótica - está-lhes no sangue, a semiótica - para, no mínimo, desconfiar que as cidades sempre se usaram da carga simbólica dos edifícios para se fazerem representar.
E lembram-se, esses políticos da semiótica: a London Bridge, claro, nem que seja por causa da música infantil: A Torre Eiffel, sem dúvida. Ou a Ópera de Sidney. Mais? Em Berlim: as Portas de Brandenburgo. Em Deli: O Tah Mahal, que é em Agra, mas pouco importa: o rigor não é para aqui chamado. Toda a gente imagina, fascinada, o Rio de janeiro quando vê o Cristo Rei. Ou Nova Iorque, quanto se fala do Chrysler. E de Barcelona? Fácil. Até sabem como pronunciar o nome de Gaudi. E o de Gehry em Bilbao também.

















Africa.cont; D. Adjaye, Estudo Prévio (2009)

Seja qual for o significado desta forma de olhar cidade, dela todos nós partilhamos um pouco: imaginamos Viipuri à medida da biblioteca. Sabemos de cor (e salteado) Chandigardh (apenas) pelos desenhos das portas esmaltadas do Capitólio. Ou conhecemos, todos, Vals, só por causa de um edifício onde se tomam banhos.
É tudo, portanto, uma questão de gestão de conhecimento: quanto mais sabemos de arquitectura, mais elitistas se tornam os nossos reconhecimentos simbólicos de uma determinada cidade.
Olhamos, por isso, de lado, com esgar, quando alguém nos diz que vai ver Gaudi a Barcelona: logo respondendo, como que atenciosamente, que mais vale ir visitar o Pavilhão do Mies. E, se por puro acaso, esse alguém desafia violentamente o nosso conhecimento apurado, desarmando-nos - só por momentos, entenda-se -, ao afirmar, despudoradamente, que já o conhece, ao Pavilhão de Barcelona; então, só então, puxamos realmente dos galões, para explicarmos que afinal o edifício não é o do Mies, mas antes uma réplica, barata, feita nos anos oitenta pela mão de Solá-Morales. E, claro, nesse momento temos já preparada a estocada final, caso o nosso interlocutor não se mostre minimamente surpreendido com a lição que acabamos de lhe dar: mandamos-lhe ir ver Pallafols.

Divagações à parte, aquilo que importa é exactamente referir esse aparente desejo de visibilidade internacional que só a arquitectura parece ser capaz de trazer às cidades.
É esse mesmo fenómeno que, como nunca, se observa em Lisboa.
Depois de anúncios, falhados, de projectos de Jean Nouvel, de Foster e de Gerhy; vemos a insistência: Paulo Mendes da Rocha, com o (polémico) Museu dos Coches, Charles Correia, com a Fundação Champalimaud, e David Adjaye, com o Africa.Cont.
Sublinhe-se: é uma estratégia consciente; venha ela donde vier.
E é fácil de comprovar, não fosse uma pequena e inócua fuga de informação confirmar(-me) negociações, falhadas, com o gabinete de Herzog & DeMeuron para o projecto de um (outro?) Museu em Lisboa.

Na verdade aquilo que (nos) importa não é tanto a relação entre a política e a semiótica, mas os seus resultados. Arquitectónicos.
Aceitar projectos de arquitectos “de fora” parece ser matéria ausente de qualquer polémica. E no entanto assumir que esses projectos se expliquem simplesmente pela visibilidade que os seus autores possam trazer às nossas cidades é, no mínimo, um erro.

Vem tudo isto a propósito do esboço para o Africa.Cont, apresentado por David Adjaye no final de Junho.


















Imagem Publicitária da Casa Africana; algures no Séc. XX [via Rua dos Dias que Voam]

Tínhamos já aqui falado de Adjaye e do Africa.Cont, achando ser a escolha do arquitecto inglês nascido na Tanzânia totalmente demagógica, primária até.
Entretanto Adjaye viria a ganhar o concurso para o Smithsonian’s National Museum of African American History and Culture, em Washington; tornando-se de certa forma o Africa.Cont secundário para o autor; ao mesmo tempo que se confirmava Portugal único no modo displicente com que vai adjudicando projectos de edifícios relevantes sem recurso a concursos.

Dizia-se, aquando do convite a Adjaye que o autor conhecia bem África, mas ainda mais Portugal, ou não tivesse a sua experiência profissional passado pelo gabinete de Souto de Moura.
Aparentemente o conteúdo desse saber resume-se, por ora, a análise, no mínimo académica, do contexto da futura obra, cujo projecto, certamente difícil, não expressa qualquer vontade simbólica que a arquitectura da visibilidade costuma ter.
Adjaye não tinha de o fazer, ao Museu, disparatadamente visível. Ainda bem que o não faz.

Na verdade o projecto vai exactamente no sentido oposto; o que não é garante de vantagem alguma.
Os desenhos de Adjaye revelam um autor ausente, incapaz de gerir eficazmente aquilo que aparenta ser a principal aposta do projecto - a ligação, pública, entre a Rua das janelas Verdes e a Av. 24 de Julho.
O projecto parece ele próprio inseguro dessa opção, obrigando-se à duplicação de programa, às cotas inferior e superior; sem que nunca consiga tornar eficaz essa ligação urbana, nem mesmo dela tirar qualquer proveito a nível expositivo.


























Africa.cont: Organigrama Funcional; D. Adjaye, Estudo Prévio (2009)

Na verdade Adjaye limita-se a gerir os edifícios que encontra no local, ocupando-os, moldando o organograma programático às suas confrangedoras limitações, revelando-se (surpreendentemente) incapaz de os transformar num conjunto uno, funcionalmente ajustado ao programa museológico.
Aqui, ao invés das Salas de Exposição se organizarem segundo um percurso (ascendente ou descendente) objectivo, ligando os patamares inferior (a 24 de Junho) e superior (as Janelas Verdes); o projecto obriga os visitantes a sucessivos turning backs de cada vez que acedem a uma Sala de Exposições.










Africa.cont: Alçado Av. 24 de Julho; D. Adjaye, Estudo Prévio (2009)

A entrada principal do Museu faz-se pela Avenida 24 de Julho. Aparentemente Adjaye interpreta a Avenida como Boulevard público (que não é), abrindo um auditório exterior naquele que se revela ser o pior local para um espaço dessa natureza.
Adjaye foi concerteza buscar a sua inspiração (para o auditório) na escadaria que se desenvolve logo ao lado, entre a Praça do Museu de Arte Antiga e a Avenida - que é um dos momentos singulares da frente urbana da 24 de Julho -, esquecendo-se, Adjaye, evidentemente, de lhe dar seguimento consonante com a escala que ambiciona para o projecto.













Escadaria do Museu de Arte Antiga, Lisboa; aqui com intervenção de Ricardo Gouveia (Rigo) intitulada Europa Latina (2007) [via ArteCapital]

Dir-se-ia que a existência desse auditório (só) se explica pela tentativa (falhada) de dotar com alguma elegância o novo volume que corresponde ao pavilhão a nascente, qualificando-o como imagem de marca de todo o complexo; até por ser a parte do edifício onde Adjaye investe mais a nível formal.
No entanto a maneira como o faz, deselegante, pesada, desajeitada, impõe uma espécie de desajuste que se revela incoerente na gestão da escala do conjunto.














Africa.cont: Vista de Conjunto a partir da Av. 24 de Julho; D. Adjaye, Estudo Prévio (2009)

É exactamente aqui, na escala de conjunto, que o projecto falha redondamente. Ao desenhar um embasamento comum ao complexo, Adjaye não faz mais do que cortar horizontalmente as fachadas dos edifícios preexistentes que se encontram em segundo plano, destruindo-lhes a relação com os seus próprios embasamentos, que passam dessa forma a figurar, caricatamente, como planos de fundo do Foyer.
Depois há tudo o resto. Tudo aquilo que fica para próximas fases do projecto, que se esperam distintas da retórica facilitista com que Adjaye lá vai integrando a obra no contexto local, usando-se mais do estereótipo do que propriamente do discernimento que se lhe reconhece noutros trabalhos.













Africa.cont: Perspectiva [Cafetaria]; D. Adjaye, Estudo Prévio (2009)

Dir-se-ia que o mais interessante do Africa.Cont é o que lhe é externo: a multiplicação de perspectivas diferentes sobre o Tejo. Mas isso, como a calçada à portuguesa, é Lisboa inteira.

Citando de cor o Desassossego: O pensamento pode ter elevação sem elegância e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a acção sobre os outros. A força sem a destreza é uma simples massa.
Um desassossego portanto, este projecto de Adjaye. Mas não creio que seja desassossego suficiente desassossegado para que cumpra a ambição dessas nossas consciências semióticas.

Nota: o Booklet completo do projecto está disponível, em versão PDF, aqui.

Adenda à ùltima entrada

| 0 comentários |



























Mais imagens do Serpentine Summer's Pavillion'09, desta vez pelo fotógrafo Iwan Baan.

Da importância de se ser japonês

| 5 comentários |




























Serpentine Summer's Pavillion, Sanaa, 2009 [via The Guardian]

Não deve ser mais do que simples felicidade. Ou uma coincidência. Daquelas coisas que só acontecem uma vez na vida. Um golpe de sorte talvez. Ou então é da língua. Ou do chá. Mas há qualquer coisa que deve explicar o porquê de ter sido preciso esperar tantos anos por um japonês (neste caso são até dois) para fazer melhor que outro japonês.

Conclui-se: neste caso, comparado com os Japoneses, Siza é um simples génio.

O Americano amigo

| 2 comentários |





















Brad Pitt, determined to put his dual passion for architeture and for environmentally, invited architects from aroud the globe to New Orleans, in Architectural Digest, Capa; Janeiro 2009

Não sei bem a que propósito se lembraram de chamar a esta coisa Make it Right, quando tudo parece afinal tão wrong (que banalidade escrever assim, com estrangeirismos enfiados a meio ou nos fim das frases com violência, mas enfim).

Pode ser que a minha opinião seja toldada pelo preconceito que me diz que alguém que faz uma coisa bem feita (partindo, claro, do pressuposto que são bons os papeis que Brad Pitt faz nos filmes de Fincher, o que pode bem ser o início de longa discussão) não devia tentar fazer outra coisa qualquer; porque essa outra coisa qualquer tem tudo para correr mal.

O Boris Vian por exemplo, que não sendo grande escritor também não escrevia mal, mas tocava pessimamente. Ou o Woody Allen, que nunca conseguirá ser um músico que se vai ver (ouvir) pela música que toca. O William Burroughs, o melhor drug tester (lá estou eu) de sempre mas, talvez por isso mesmo, um escritor menor. O José Rodrigues dos Santos, que é aquele apresentador de telejornais da RTP que um dia julgou poder escrever romances. As teses de Luc Ferry, que eram brilhantes até o homem julgar que queria ser Ministro. O Siza. O próprio Siza, quando se acha escultor. O Hemingway: ao que consta, um excelente caçador. O Michael Jordan, que quis ser jogador de baseball depois de ter deixado a NBA.
A única excepção à regra, que se lembre, é o Duchamp: óptimo jogador de xadrez e brilhante charlatão. Mas, claro, isso era feito em simultâneo, pelo que não conta.

















Make It Right, da autoria de Graft, 2009

No entanto Brad Pitt ajuda-nos a confirmar aquilo que não parecia ainda ser assim tão óbvio: a ausência de relação directa entre a (qualidade da) arquitectura e a sua utilidade social.

Mais: contraria a tese de que o futuro da arquitectura passará pela sua aplicação em territórios operativos que na verdade nunca lhe foram propensos.
Porque se é verdade que a atenção disciplinar se quis desviar das suas fontes, procurando exercer o seu activismo na América do Sul, nas décadas de 70 e 8, transferindo, depois, a sua melhor atenção para África; certo é que os resultados obtidos, bons ou maus, continuam a ser objecto de discussão apenas pelas gentes que frequentam cátedras nas universidades ocidentais.

De Make It Right resta-nos o consolo que o erro, desta vez, se deve à ingenuidade apenas.

Da Alegoria do Triunfo (de uma geração)

| 5 comentários |





















A Alegoria do Triunfo de Vênus, 1545, Agnolo Bronzino.

Em relação ao (profícuo) diálogo entre Guimarães e As Catedrais (aqui, depois ali, seguido de resposta aqui, e contra-resposta além) registe-se:

1. Sobre a Beleza e Consolação creio ser clara a propensão comum para a primeira; sendo, claro, a Consolação, o purgatório da maioria. Mas já que nos destinamos, todos, à consolação, mais vale dela tirar bom partido . Afinal o purgatório não deve ser um lugar assim tão mau.

2. Quanto aos trejeitos intelectuais superiores, bem sei que o seu uso é (moralmente) indevido. E no entanto esse é, vá lá, o maior paradoxo: querem, os arquitectos, ser percebidos. Anseiam pela clareza. Desejam a compreensão e a aceitação. E no entanto aquilo que, nos arquitectos, pode ser útil a essa sociedade reside exactamente no que dominam, e no modo como o fazem. Pode chamar-lhe, ao domínio disciplinar, de trejeito intelectual superior ou, se quiser, simplesmente, e sem preconceito, conhecimento e responsabilidade no seu uso.
Mas não queira, nunca, fazer coincidir a obra prima do mestre com a prima do mestre de obras. Podem ser ambas belas, é certo. Mas, creio, diversas.

3. Do Programa Inov-Art faço contas rápidas, e concluo, pelos números que Guimarães refere, que a generosidade política é, finalmente, um facto: a cada um dos formandos nacionais caberá o uso, directo ou indirecto de 24.000,00 €.
Discordando embora do aparente desvio operativo do fundo - que serviria mais para pagar o ganho de experiência e know-how de autores nacionais em instituições culturais e artísticas de referencia (leio: museus, fundações, teatros, instituições, residências artistas, etc.) e menos para sustentar estágios profissionais em empresas a operar no mercado, por parte de arquitectos que tentam, desesperadamente, escapar à falta de oportunidades oferecidas neste pequeno país - devo no entanto sublinhar os seus aspectos positivos: a crença na formação e na educação, e a confiança que isso trará, mais cedo ou mais tarde, retorno.
Caberá, aparentemente, a Guimarães, por vontade própria, a responsabilidade de demonstrar que a (minha) geração tira o melhor partido dessa aposta.
Já o dissemos, e voltamos a afirmar: cá estaremos para apoiar o projecto; embora pareça que a reduzida adesão venha a ser um farto demasiado pesado, ou não fosse a temida ausência de participação observável à priori, na caixa de comentários d'Os Lugar[es] da Mente.

4. De FreshLatino, bem sei que é um projecto pessoal de Ariadna. De longa data.
Individual? Talvez. Solitário? Nem tanto. Consequente? Veremos.
A questão é saber se alguma coisa, por cá, mesmo que individual ou solitária, possa ser tão consequente como o é o trabalho de Ariadna Cantis.

5. Por fim regressemos ao início: o desejo, natural, de nos confrontarmos com o trabalho de toda uma geração, até aqui, aparentemente, distraída. Veremos, Guimarães, veremos.

Da beleza e da consolação

| 2 comentários |

A propósito do que aqui foi escrito, Carlos Guimarães, reage assim:

[...] há que perceber que muitas destas coisas [as críticas, os pensamentos, as analogias, as ironias] são fogo de vista "gritante", são actividade intelectual abrupta, desmedida, esquizofrénica [...]
Depois, não se querendo dirigir a ninguém em especial, lá vai defendendo que tudo ficaria melhor se não nos esquecêssemos dessa coisa a que Guimarães apelida de Beleza das Coisas Simples.

Pode ser que sim. Que Guimarães tenha razão: o exercício da crítica, do pensamento, da analogia ou da ironia serão, em certa medida, exemplos de esquizofrenia. Não sendo, claro, a esquizofrenia um problema menor, sobretudo se pensarmos nela como um elemento que nos classifica; parece, ainda assim, ser essa esquizofrenia um fenómeno mais auspicioso do que aqueloutro por qual Guimarães tanto anseia: a Beleza das Coisas Simples.

Diria, em tom de quem quer passar ao lado desse outro exemplo de esquizofrenia aplicada a que vulgarmente apelidamos de estética, que, para a arquitectura (vamos cingir-nos a ela) se torna absolutamente necessário distinguir entre a possibilidade e a efectividade das coisas, pelo simples facto que essa separação corresponde, aparentemente, à única oportunidade que se nos oferece em construir uma determinada ideia a partir daquilo que se nos é apresentado, seja através de uma obra ou de um projecto, um desenho ou de uma ideia.
Entenda-se: não é a simples aparência das coisas que nos interessa tanto; porque isso corresponderia a assumirmos uma vocação eminentemente erótica à arquitectura.

Não nego evidentemente esta possibilidade, até porque se há alguma coisa de fundamental no (aparente) fim das visões morais que torna os nossos tempos tão interessantes é exactamente isso mesmo: a recusa dos argumentos de autoridade, que nos possibilita pensar na compatibilidade da vontade com a liberdade de consciência e da autonomia.
De certa forma há hoje um lado erótico na arquitectura, e isso não se resume simplesmente à redução pelas imagens que extensamente se publicam um pouco por todo o lado.














Keira Knightley, Scarlett Johansson; manipulação fotográfica a partir de original de Annie Leibovitz [Via E Deus criou a mulher]


Quer dizer: aceito perfeitamente a possibilidade de validar o erotismo aparente (ou, por outra, o aparente erotismo) nas obras de Sofia, como em qualquer outra obra de arquitectura que consideremos relevante. Julgo, aliás, ter referido isso mesmo, quando distingo (comparo) a intransponível intimidade da Casa, confrontada com a disponibilidade, apenas aparente, de Sofia revelada pela presença do seu corpo nu; tendo em conta, sobretudo, que esse corpo pertence à autora da obra, e não a um qualquer modelo anónimo.

E no entanto parece-me que aquilo que permite estabelecer o valor da Casa de Sofia - que, vale aqui como simples exemplo, entenda-se - reside exactamente na nossa capacidade de distinguir entre a efectividade da obra e as possibilidades que ela nos proporciona; ou antes: a capacidade de distinção entre a nossa própria intuição, digamos, sensível para um determinado objecto e o entendimento que se lhe corresponde.

Assim, o aparente envolvimento de Guimarães com a Beleza Simples da (Casa de) Sofia não passa de uma propensão sua por determinados aspectos, digamos, eróticos, da obra. Podendo de facto essa dimensão contribuir para a construção identitária da obra parece, ainda assim, que isso não bastará para concluirmos do seu valor.

Das duas uma: ou a Beleza das Coisas Simples corresponde, para Guimarães, a uma construção entre as coisas e as suas possibilidades de representação relativamente a conceitos próprios – sendo isso, evidentemente, já em belo exemplar de esquizofrenia compulsiva; ainda que pessoal e íntima, por Guimarães nada ter registado (publicamente) sobre o facto –; ou, pelo contrário, a assunção dela equivale a uma intuição, facto esse que, em limite, anula quaisquer possibilidades de representação do próprio objecto, transferidas que estão para o efectivo.

Nesse último caso, simplesmente, aquilo que Guimarães propõe será, não um retrocesso, mas um regresso à origem das coisas: uma Casa de Adão no Paraíso que, como ambos sabemos, é uma impossibilidade. Ainda que denote uma tentativa de exorcizar o nosso legado moderno (Duchamp incluído), esse desejo não mais é do que pura demonstração de uma doçura maternal, mais própria de romantistas anacrónicos do que propriamente de alguém que cita, tão bem, Cedric Prize: Dialogue might be the only excuse for architecture…

O que quero dizer a Guimarães é que sim, que há, claro, sempre, o desejo implícito da beleza. O problema é que essa beleza depende somente de nós próprios, o que, em limite, não nos deixa grande espaço de manobra. E o pouco espaço que há torna-se, dessa forma, uma singularidade.
Explicá-la, a essa singularidade, implica obrigarmos determinado objecto ao nosso ponto de vista; até porque a beleza - da Casa de Sofia ou da Casa de Lavra - não subsiste por si só.

Não lamente por isso. Para o bem e para o mal, é em nome dessa exigência de autonomia que a todos nós tem caracterizado, que o nosso universo amoral, laico, liberto de constrangimentos normativos, tende a recusar todas as referência àquilo que nos é exterior. E, nesta condição, não será de admirar que a própria arquitectura se tenha rendido ao imperativo de responder àquilo que são, afinal, as nossas naturais limitações.














Ford's Foudation, Keira Knightley, Scarlett Johansson, Tom Ford; Capa da Vanity Fair, Março 2006; sobre foto de Annie Leibovitz.


E no entanto repare: ainda assim tudo isto se tem vindo a tornar mais e mais entusiasmante. Como se a consolação pudesse de algum modo ultrapassar, em grau de interesse, a beleza substantiva das coisas.

Espero por isso ter conseguido contradizer a afirmação, de Guimarães, acerca da arquitectura que mostro (bela, nas palavras de Guimarães): ela não difere assim tanto da arquitectura que falo (que escrevo).

[ps. Em tudo o mais que Guimarães refere - desde a tese da incompreensão dos arquitectos por parte de quem os rodeia ao lançamento de uma proposta aberta cujo teor receio não ter compreendido na sua total amplitude -, resta-me dizer que cá estaremos para o que der e vier.
Quanto a essa outra esquizofrenia que é escrever com maior periodicidade do que aquela que se adequa ao tipo de leituras, mais esporádica, de um blog; aceito a observação. Para depois do Verão espera-se poder diminuir o número de post semanais]

Tags