El resultado, en nuestro caso, es una importante colección de edificios a los que les falta el alma. Son un reflejo del zeitgeist en el que brilla una estética de la indiferencia atroz y una ignorancia recíproca entre los artistas que aterrizan y los posibles usuarios que, una vez terminadas esas arquitecturas, se quejan amargamente por la colección de incongruencias, inconvenientes y despilfarros que albergan esas construcciones megalómanas.
Frederico García Barba, in Islas e Território, 2007. O Blog passa a estar disponível na coluna lateral.
Quem diz isto é Frederico García Barba, arquitecto, habitante da Gran Canária, acerca do (crescente) fenómeno de investimento público na arquitectura da visibilidade (chamemos-lhe assim, por ora) que se observa no arquipélago espanhol.
Os exemplos são conhecidos. Desde os vários projectos da dupla Herzog & DeMeuron ao Auditório de Tenerife (Calatrava, 2003), as Canárias terão, de algum modo, traçado um objectivo que passa pela aposta em obras de arquitectura que tragam, ao arquipélago, o desejado reconhecimento cultural de um território conhecido sobretudo pelo turismo de massas.
Não é que estratégia política que se encontra na origem deste fenómeno seja despropositada (a esse propósito consulte-se Templos des Arte y el ocio e, porque não, Escenarios criminales, ambos publicados no Babélia de 11-07-09; um e outro sobre as réplicas do fenómeno Guggenheim).
De certa forma ela cumpre o desígnio de marcar determinada cidade. Quer-se simbolizar a sua singularidade; mostrando, através dela, a sua ambição em ser competitiva, atractiva, enfim, moderna.
E é evidente: a arquitectura responde, como poucas, a essa ambição. Se for um Museu, tanto melhor.
Não há político que não saiba o suficiente de semiótica - está-lhes no sangue, a semiótica - para, no mínimo, desconfiar que as cidades sempre se usaram da carga simbólica dos edifícios para se fazerem representar.
E lembram-se, esses políticos da semiótica: a London Bridge, claro, nem que seja por causa da música infantil: A Torre Eiffel, sem dúvida. Ou a Ópera de Sidney. Mais? Em Berlim: as Portas de Brandenburgo. Em Deli: O Tah Mahal, que é em Agra, mas pouco importa: o rigor não é para aqui chamado. Toda a gente imagina, fascinada, o Rio de janeiro quando vê o Cristo Rei. Ou Nova Iorque, quanto se fala do Chrysler. E de Barcelona? Fácil. Até sabem como pronunciar o nome de Gaudi. E o de Gehry em Bilbao também.
Africa.cont; D. Adjaye, Estudo Prévio (2009)
Seja qual for o significado desta forma de olhar cidade, dela todos nós partilhamos um pouco: imaginamos Viipuri à medida da biblioteca. Sabemos de cor (e salteado) Chandigardh (apenas) pelos desenhos das portas esmaltadas do Capitólio. Ou conhecemos, todos, Vals, só por causa de um edifício onde se tomam banhos.
É tudo, portanto, uma questão de gestão de conhecimento: quanto mais sabemos de arquitectura, mais elitistas se tornam os nossos reconhecimentos simbólicos de uma determinada cidade.
Olhamos, por isso, de lado, com esgar, quando alguém nos diz que vai ver Gaudi a Barcelona: logo respondendo, como que atenciosamente, que mais vale ir visitar o Pavilhão do Mies. E, se por puro acaso, esse alguém desafia violentamente o nosso conhecimento apurado, desarmando-nos - só por momentos, entenda-se -, ao afirmar, despudoradamente, que já o conhece, ao Pavilhão de Barcelona; então, só então, puxamos realmente dos galões, para explicarmos que afinal o edifício não é o do Mies, mas antes uma réplica, barata, feita nos anos oitenta pela mão de Solá-Morales. E, claro, nesse momento temos já preparada a estocada final, caso o nosso interlocutor não se mostre minimamente surpreendido com a lição que acabamos de lhe dar: mandamos-lhe ir ver Pallafols.
Divagações à parte, aquilo que importa é exactamente referir esse aparente desejo de visibilidade internacional que só a arquitectura parece ser capaz de trazer às cidades.
É esse mesmo fenómeno que, como nunca, se observa em Lisboa.
Depois de anúncios, falhados, de projectos de Jean Nouvel, de Foster e de Gerhy; vemos a insistência: Paulo Mendes da Rocha, com o (polémico) Museu dos Coches, Charles Correia, com a Fundação Champalimaud, e David Adjaye, com o Africa.Cont.
Sublinhe-se: é uma estratégia consciente; venha ela donde vier.
E é fácil de comprovar, não fosse uma pequena e inócua fuga de informação confirmar(-me) negociações, falhadas, com o gabinete de Herzog & DeMeuron para o projecto de um (outro?) Museu em Lisboa.
Na verdade aquilo que (nos) importa não é tanto a relação entre a política e a semiótica, mas os seus resultados. Arquitectónicos.
Aceitar projectos de arquitectos “de fora” parece ser matéria ausente de qualquer polémica. E no entanto assumir que esses projectos se expliquem simplesmente pela visibilidade que os seus autores possam trazer às nossas cidades é, no mínimo, um erro.
Vem tudo isto a propósito do esboço para o Africa.Cont, apresentado por David Adjaye no final de Junho.
Imagem Publicitária da Casa Africana; algures no Séc. XX [via Rua dos Dias que Voam]
Tínhamos já aqui falado de Adjaye e do Africa.Cont, achando ser a escolha do arquitecto inglês nascido na Tanzânia totalmente demagógica, primária até.
Entretanto Adjaye viria a ganhar o concurso para o Smithsonian’s National Museum of African American History and Culture, em Washington; tornando-se de certa forma o Africa.Cont secundário para o autor; ao mesmo tempo que se confirmava Portugal único no modo displicente com que vai adjudicando projectos de edifícios relevantes sem recurso a concursos.
Dizia-se, aquando do convite a Adjaye que o autor conhecia bem África, mas ainda mais Portugal, ou não tivesse a sua experiência profissional passado pelo gabinete de Souto de Moura.
Aparentemente o conteúdo desse saber resume-se, por ora, a análise, no mínimo académica, do contexto da futura obra, cujo projecto, certamente difícil, não expressa qualquer vontade simbólica que a arquitectura da visibilidade costuma ter.
Adjaye não tinha de o fazer, ao Museu, disparatadamente visível. Ainda bem que o não faz.
Na verdade o projecto vai exactamente no sentido oposto; o que não é garante de vantagem alguma.
Os desenhos de Adjaye revelam um autor ausente, incapaz de gerir eficazmente aquilo que aparenta ser a principal aposta do projecto - a ligação, pública, entre a Rua das janelas Verdes e a Av. 24 de Julho.
O projecto parece ele próprio inseguro dessa opção, obrigando-se à duplicação de programa, às cotas inferior e superior; sem que nunca consiga tornar eficaz essa ligação urbana, nem mesmo dela tirar qualquer proveito a nível expositivo.
Africa.cont: Organigrama Funcional; D. Adjaye, Estudo Prévio (2009)
Na verdade Adjaye limita-se a gerir os edifícios que encontra no local, ocupando-os, moldando o organograma programático às suas confrangedoras limitações, revelando-se (surpreendentemente) incapaz de os transformar num conjunto uno, funcionalmente ajustado ao programa museológico.
Aqui, ao invés das Salas de Exposição se organizarem segundo um percurso (ascendente ou descendente) objectivo, ligando os patamares inferior (a 24 de Junho) e superior (as Janelas Verdes); o projecto obriga os visitantes a sucessivos turning backs de cada vez que acedem a uma Sala de Exposições.
Africa.cont: Alçado Av. 24 de Julho; D. Adjaye, Estudo Prévio (2009)
A entrada principal do Museu faz-se pela Avenida 24 de Julho. Aparentemente Adjaye interpreta a Avenida como Boulevard público (que não é), abrindo um auditório exterior naquele que se revela ser o pior local para um espaço dessa natureza.
Adjaye foi concerteza buscar a sua inspiração (para o auditório) na escadaria que se desenvolve logo ao lado, entre a Praça do Museu de Arte Antiga e a Avenida - que é um dos momentos singulares da frente urbana da 24 de Julho -, esquecendo-se, Adjaye, evidentemente, de lhe dar seguimento consonante com a escala que ambiciona para o projecto.
Escadaria do Museu de Arte Antiga, Lisboa; aqui com intervenção de Ricardo Gouveia (Rigo) intitulada Europa Latina (2007) [via ArteCapital]
Dir-se-ia que a existência desse auditório (só) se explica pela tentativa (falhada) de dotar com alguma elegância o novo volume que corresponde ao pavilhão a nascente, qualificando-o como imagem de marca de todo o complexo; até por ser a parte do edifício onde Adjaye investe mais a nível formal.
No entanto a maneira como o faz, deselegante, pesada, desajeitada, impõe uma espécie de desajuste que se revela incoerente na gestão da escala do conjunto.
Africa.cont: Vista de Conjunto a partir da Av. 24 de Julho; D. Adjaye, Estudo Prévio (2009)
É exactamente aqui, na escala de conjunto, que o projecto falha redondamente. Ao desenhar um embasamento comum ao complexo, Adjaye não faz mais do que cortar horizontalmente as fachadas dos edifícios preexistentes que se encontram em segundo plano, destruindo-lhes a relação com os seus próprios embasamentos, que passam dessa forma a figurar, caricatamente, como planos de fundo do Foyer.
Depois há tudo o resto. Tudo aquilo que fica para próximas fases do projecto, que se esperam distintas da retórica facilitista com que Adjaye lá vai integrando a obra no contexto local, usando-se mais do estereótipo do que propriamente do discernimento que se lhe reconhece noutros trabalhos.
Africa.cont: Perspectiva [Cafetaria]; D. Adjaye, Estudo Prévio (2009)
Dir-se-ia que o mais interessante do Africa.Cont é o que lhe é externo: a multiplicação de perspectivas diferentes sobre o Tejo. Mas isso, como a calçada à portuguesa, é Lisboa inteira.
Citando de cor o Desassossego: O pensamento pode ter elevação sem elegância e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a acção sobre os outros. A força sem a destreza é uma simples massa.
Um desassossego portanto, este projecto de Adjaye. Mas não creio que seja desassossego suficiente desassossegado para que cumpra a ambição dessas nossas consciências semióticas.
Nota: o Booklet completo do projecto está disponível, em versão PDF, aqui.
Africa.cont
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4 comentários:
estou certo que vai ficar "bem" (da mesma maneira que o museu do oriente está "bem") cheio de pormenores de "bom gosto", e estou certo que vai ser mais uma obra completamente irrelevante
um "elefante preto"
o orgulho de um qualquer político semiótico :)
um elefante preto nunca é irrelevante :)))
talvez de falhanço em falhanço os politicos semioticos aprendam alguma coisa e percam o entusiasmo :)))
recomendo (literatura infantil) o elefante elmer :)))
Vê isto:
http://www.bdonline.co.uk/story.asp?storycode=3145530&origin=BDbreakingnews
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