Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Mundo perfeito

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Mundo Perfeito: exposição de fotografias de Arquitectura por Fernando Guerra; FAUP, 2008


Nos resquícios do Equivoco dos Imaginários (e também d'A Beleza e Consolação) lembrei-me do texto de Pedro Bandeira [Fotografia de Arquitectura: Defeito e Feitio] que terá passado despercebido.

Embora o lado dandy, provocatório, de Bandeira o faça encontrar razões mais do que suficiente para que os poucos arquitectos ainda comprometidos com um sentido de «arquitectura de autor» abdiquem dos serviços do «autor» Fernando Guerra, o texto levanta questões mais que relevantes, tanto na relação entre arquitectura e representação, como também (mais importante ainda) no reenquadramento da produção arquitectónica portuguesa através do obturador de Guerra.
Repare-se que a hegemonia de Fernando Guerra enquanto fotógrafo da maior parte das obras recentes de arquitectura portuguesa implica de certa forma que o registo da história da produção arquitectónica contemporânea possa de algum modo vir a ser influenciada pelo ponto de vista do fotógrafo.

Na verdade constatam-se vários sinais que confirmam os receios de Bandeira: desde a tendência de monopolização, por parte de Guerra, do mercado interno das publicações - que recorrem sistematicamente ao trabalho de Guerra, garantindo assim material para lhes encher as páginas mensais, dispensando dessa forma o esforço de encontrar alternativas-, à própria forma como Guerra vai gerindo os convites feitos a autores portugueses por revistas internacionais, para aí publicarem os seus projectos.

Há alguns meses, inclusivamente, Ana Tostões, na qualidade de historiadora de arquitectura, edita um livro intitulado Arquitectura Portuguesa Contemporânea. O problema que Arquitectura Portuguesa Contemporânea levanta não se prende com os critérios de Ana Tostões, mas mais com a selecção das obras que constam no livro: todas elas fotografadas por Fernando Guerra.
Quer isto dizer: Ana Tostões aceitou condicionar o seu trabalho ao registo de um fotógrafo, deixando de fora obras que eventualmente considerasse relevantes, apenas por elas não terem sido objecto da (re)visão de Guerra.

Repare-se: a questão aqui não está em saber o que é que Guerra faz com a arquitectura portuguesa - até porque tudo o que ele faça é legítimo, e útil até, para a promoção da produção nacional -; mas exactamente em saber o que é que a arquitectura portuguesa é capaz de fazer com o trabalho de Guerra.

3 comentários:

AM disse...

confesso que estou a ficar um bocado saturado com tanta conversa à volta das fotos do(s) guerra
o(s) guerra tiram fotos, o bandeira escreve
cada um faz o que quer... qual é que é afinal e "exactamente" o problema!? (eu sei, estou só a provocar...)
o olhar nunca é "neutro" (aliás, nada é "neutro"), mas isso penso que também já toda a gente sabe
a mesma coisa, ou coisas muito parecidas, pod(er)iam escrever-se (e o MGD, salvo erro, até já abordou isso) sobre a "ideologia" das fotos do "inquérito" (do inquérito "original") ou, e por exemplo, sobre as fotos do mário novais (que o bandeira não menciona no seu artigo...)
grave é o "desaparecimento" das fotos (de caca...) do IAPXX (o bandeira já escreveu sobre isso!?...)
a arquitectura sempre viveu (e sempre viverá) "relações" equívocas com toda a espécie de imagens...
quem pensa que conhece as obras fotografas pelo(s) guerra, pelas fotos do(s) guerra é... totó (e não está a ler isto) :)

Carlos M Guimaraes disse...

nao existe mundo perfeito (todos sabemos isso) embora exista quem lute por ele...

De forma abstracta, diria que:

- se nao é a arte (e a fotografia nunca deixou de ser uma arte...) que luta por esta utopia, quem vai lutar?

- nao é "proibido" - desde que as catedrais deixaram de ser todas brancas - usar a capacidade técnica, digital (ou outra) para desenvolver um negócio, uma actividade, um lucro com essa mesma arte.

De forma mais concreta acho que:

- a escola do Porto, que sempre se escondeu detrás de uma rectidao moral quase papal (e logo nós que somos “laicos”) parece mostrar agora maior pluralidade e abertura (por muita contestaçao que isso possa causar, considero-o inevitável e bastante desejável). Gostava que a de Coimbra tivesse dado o salto que lhe foi "exigido"…

- A expressao “mundo perfeito” é puro marketing dentro do que já é uma estratégia de marketing. Nao é mais nada.

- Eu sirvo-me da fotografía (a dos profissionais) como forma de conhecer obras de arquitectura que se calhar de outra forma nao conheceria... Para isso eles me servem e para isso me sirvo deles (puro aproveitamento...)

- E nao tenho dúvidas, tal como o Bandeira (o ateador), que só vale a pena olhar para imagens que exprimam e traduzam aquela “luta” (vulgo: trabalho e implicaçao) entre o possivel e o impossivel.
Nao se trata de resignaçao, trata-se de entender que há coisas que nunca serao como queremos, e a isso chamaria de lucidez...

tiago borges disse...

Schulman morreu hoje.
Ele é que merecia um post...
aliás muito mais do que um post!

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