Numa entrada anterior d'As Catedrais, Pedro Jordão refere um tema particularmente caro a muitos arquitectos. Um tema, aliás, que tem motivado alguns dos textos que por aqui se vão escrevendo: os concursos de arquitectura.
Ou antes, o problema que representa a sua actual escassez.
Diz Jordão:
um pormenor que quase sempre falta quando se fala nos atropelamentos constantes dos concursos, muitas vezes com a cumplicidade da nossa Ordem: é que a indecência não está apenas nos projectos atribuídos sem concurso, mas na desproporção gritante entre concursos abertos a todos e concursos por convite (e esses não faltam, só não são publicitados)Na verdade as palavras de Jordão assentam num ponto de vista erróneo, que representa uma inversão das razões que tornam um concurso num elemento importante para a arquitectura.
A ver: um concurso de arquitectura é geralmente o processo mais sensato na escolha da (melhor) solução para determinado problema.
A existência de múltiplas propostas a responder em simultâneo a um mesmo objectivo permite, desde logo, a análise alargada das questões que lhe deram origem. Isto, claro, amplia em muito a probabilidade de se obter uma leitura crítica dos pressupostos do programa de intervenção.
Por outras palavras: um ponto de vista, uma ideia ou uma solução, uma metodologia de intervenção patentes em cada proposta apresentada a concurso constitui, em primeiro lugar, mais uma possibilidade de leitura crítica das condições originalmente expressas. Desse modo serve-as, valida-as ou, em limite, contribui para a sua própria revisão.
Cada projecto apresentado a concurso é em primeiro lugar um teste, que avalia os requisitos que o originam. Confrontando-os com outro tipo de informação. Implicando-os a uma determinada condição formal que até então era não passava de mera suposição. Determinando-lhes correlações físicas e funcionais que antes só existiam num hipotético organograma. Dando-lhes, enfim, uma possibilidade real.
É através da comparação entre as várias propostas e aquilo que lhes dá origem (uma vontade, um determinado programa ou função, etc.) que se pode confirmar as potencialidades dessa vontade, ou desse programa; ultrapassando-se porventura as naturais limitações do conceito inicial.
La Maya desnuda, Goya, 1800
Depois, claro, os concursos oferecem-nos esse evidente benefício: poder olhar para várias propostas equivale a poder seleccionar aquela que mais adequa determinada hipótese às finalidades próprias do problema original.
Partindo-se do pressuposto que cada proposta a concurso implica o conteúdo programático a que procura responder, aquilo que nos é oferecido através da leitura das várias hipóteses em presença é, sobretudo, a demonstração, ampla e necessariamente heterodoxa, da aplicação desse mesmo conteúdo programático, construída a partir de diferentes objectivos; esses sim, externos à vontade original, e que lhe irão conferir maior ou menor valor.
Cada proposta em concurso é, em todo o caso, uma equação: entre a leitura das finalidades a que responde – cujo teor é potencialmente diverso de autor para autor – e uma hipótese de as reorganizar em função de uma vontade ou de uma ideia – estas sim, necessariamente diversas entre os autores em presença.
Logo se conclui: a possibilidade de um júri de concurso compreender as potencialidades de um determinado processo está directamente ligado ao número de experiência a que esse processo foi sujeito. Testá-las, confrontá-las e discuti-las, às experiências é, então, empiricamente, o processo que garante o melhor domínio da matéria; através do qual a obtenção de um resultado satisfatório é, aparentemente, mas facilitado.
Partindo do principio que o responsável pela análise do conteúdo de cada uma dessas propostas tem condições efectivas de compreender o que tem pela frente – o que, infelizmente, não é ainda caso corrente -, e que as conclusões a que chega são fruto da comparação de cada propostas com os pressupostos que as originam – e não, como é hoje normal, por posicionamentos ideológicos que acreditam ter -, será razoável afirmar que a sua escolha validará a melhor solução em presença.
Até aqui, julgo, Pedro Jordão e eu próprio estaremos de acordo: quanto mais propostas a concurso houver, mas garantias teremos que a solução escolhida será aquela que melhores garantias de resposta dá a determinado problema.
Venus del Espejo, D. Vélasquez, 1651
Não entanto isso não é totalmente verdade. De facto, pela força dos tempos, começa a observar-se um curioso fenómeno – que, aliás, levou a que na Alemanha, cada arquitecto tenha uma cota máxima de concursos públicos a que pode responder –: concursos onde o número de entradas ultrapassa, em muito, a possibilidade do júri garantir uma análise cuidada de cada uma delas.
E nem sequer estou a referir aqueles concursos de ideias (tipo Tyssen e afins), cujo tipo de respostas, necessariamente curtas e baseadas em meia dúzia de pontos-chave, os transforma numa espécie de passatempo para estudantes e recém-licenciados com ganas (ganas: são palavras como esta que me fazem gostar dos espanhóis) de fazer arquitectura a todo o custo.
Na verdade os concursos públicos são, actualmente, muito mais frequentados por arquitectos do que há uma década atrás.
Seja por existirem, claro, muito mais arquitectos (o que, mesmo que corresponda àquilo que os economistas chamam de excesso de capacidade instalada, é, a meu ver, positivo), seja pelo número de concursos ser reduzido (e, estranhamente, bastante menor do que a quantidade de obra pública); o facto é que, hoje, poucos concursos conheço em que o júri se dá realmente ao trabalho de analisar condignamente as propostas de todos aqueles que entenderam querer dar o seu contributo a determinado problema.
A título de exemplo, recordo aquilo que ouvi da boca de um júri do concurso para o projecto da AMI: pela simples leitura do conteúdo dos painéis, o referido júri terá escolhido meia dúzia de projectos, que depois foi analisar mais cuidadosamente. Relembre-se aqui que, ao contrário daqueles concursos internacionais onde é pedido a cada concorrente para colocar o mesmo tipo de informação em cada painel - incluído fotomontagens do mesmo ponto de vista -, o conteúdo dos painéis do concurso da AMI ficou ao livre arbítrio de cada concorrente, impossibilitando, em principio, a comparação das propostas através da informação aí disponibilizada.
Poder-se-ia, claro, afirmar que o caso do concurso da AMI (a que já agora, para não haver confusões, não entrei) se deve sobretudo à falta de responsabilidade e de ética do respectivo júri. Em tese sou levado a concordar. Até porque o número de propostas entregues não terá sido em número tão grande que obrigasse o júri a desprezar (milhares de) horas de (dezenas de) empenhados arquitectos.
É no entanto inegável que a crescente quantidade de entradas em concursos de arquitectura que se tem vindo a observar irá, mais cedo ou mais tarde, impossibilitar, mesmo para um júri dotado e empenhado, a criteriosa análise de todas as propostas; pondo dessa forma em causa as garantias do processo tal como referido anteriormente.
Vénus Dormindo, Giorgione, 1510
Evidentemente que, neste ponto, Jordão poderá argumentar que o problema não reside necessariamente no elevado número de entradas; mas antes no modelo de apresentação das propostas que é hoje, cada vez mais, paradoxal.
Terá razão Jordão: se o modelo português de apresentação de concurso – normalmente composto por um projecto totalmente resolvido, com plantas, cortes e alçados dobrados em A4 (anexado a uma memória descritiva com 50 páginas cheias de explicações acerca de esgotos e águas e coisas semelhantes, uma Critica ao Programa Preliminar, uma estimativa de custos de manutenção do edifício, varias folhas impressas com quadros de áreas, rácios, descrição de metodologias e curricula de engenheiros de RCCTE, e o projecto de acessibilidades, e de arquitectura paisagista também), vários painéis com fotomontagens ao gosto do autor, fotografias de maqueta, mais um texto curto – for substituído por um outro que não parta do pressuposto que os proponentes são incapazes de fazer projectos a não ser que o provem no imediato; talvez então seja de facto possível a um júri analisar 100 propostas. O que, diga-se, não é o mesmo que analisar 100 projectos.
Estamos, claro, a falar daquilo que lá pelo atelier apelidamos de “Concurso à Espanhola” (que, em abono da verdade, não é sequer o modelo geralmente usado em Espanha). Um concurso cujo modelo assente em duas fases: a primeira, simplificada, baseada em dois ou três painéis que apresentam uma proposta de intenções, ainda esquemática; explicada através de visualizações comparáveis (isto é: imagens retiradas sempre dos mesmos pontos de vista) e de uma maqueta (materialmente semelhante para todos os concorrentes) que possibilite ao júri integrá-la num modelo de maiores dimensões.
A partir daí, por simples mas real comparação de termos, o júri seleccionará uma mão-cheia de propostas, que deverão ser desenvolvidas mais profundamente pelos respectivos autores.
Entenda-se que as consequências de um modelo como este implicam, numa primeira fase, que o júri esteja sobretudo a comparar ideias, e aquilo que elas potenciam, assente em estratégias de intervenção, mais até do que em soluções morfológicas e tipológicas definitivas. O que, claro, implica uma cultura de risco muito dispare daquela que é hoje regra em Portugal; onde os júris preferem habitualmente escolher modelos formais e linguagens específicas. E onde os Donos de Obra preferem pagar certezas, e não comprar dúvidas.
Um outro risco – este, quanto a mim, mais sério – será o da imposição de um determinado modelo de apresentação que, concordemos, poderá pôr em causa o próprio conteúdo de uma determinada proposta; pela simples razão de existir a possibilidade desse conteúdo se tornar ilegível através de um tipo de comunicação formatado.
Nesse caso estaríamos perante uma espécie de coibição do próprio sentido de autoria; dado que, como sabemos, o modo como comunicamos determinada tese é devedor do seu próprio conteúdo; sendo que esta obrigatoriedade poderia incorrer numa espécie de Lost in Translation.
Vênus de Urbino, Ticiano, 1538
Ainda outro risco: o da inversão da lógica do pensar arquitectura. Porque a normalização que este modelo de comunicação implica poderia, a curto prazo, traduzir-se numa acção objectivamente pensada, apenas, para responder eficazmente às questões de apresentação, e não tanto às questões de projecto.
E no entanto estou genericamente de acordo com Jordão se essa for a tese de Jordão: a necessidade de um modelo de concurso que ofereça garantias de que o trabalho de cada arquitecto seja de facto criteriosamente avaliado; mesmo que estejamos em presença de um número massivo de entradas.
Chegámos até aqui sem referir no entanto o argumento de Jordão, e aquilo que motiva a nossa aparente discordância: a existência de Concursos Limitados (ou aquilo que Jordão apelida de Concursos por Convite). Jordão acha-os indecentes. Eu, pelo contrário, acho-os uma possibilidade. E porquê?
Primeiro, porque não acredito que o (tal) modelo de concurso “em aberto” (ou à Espanhola) possa vir a ser uma realidade em Portugal, pelo menos num futuro próximo. Pela simples razão que são ainda poucos os interessados em que um concurso seja uma oportunidade de reflectir real e alargadamente sobre uma determinada matéria.
Na verdade a maior parte dos concursos públicos existe pela simples razão de ser uma obrigação legal.
Poucos são os Donos de Obra realmente desejosos em ver os seus problemas (a maior parte deles acha até que não existem problemas) analisados e discutidos, julgando que o trabalho e o tempo ocupados pelo processo são (passe a expressão) uma pura perda de tempo, e de dinheiro também.
Veja-se, a título de exemplo, os recentes casos do Museu dos Coches (adjudicado sem concurso a Paulo Mendes da Rocha), do Africa.Cont adjudicado sem concurso a David Adjaye), da Praça do Comércio (adjudicado sem concurso a Bruno Soares), ou a Sede da Fundação Champalimaud
(adjudicado sem concurso a Charles Correia); apenas para referir casos recentes a que dedicamos algumas linhas.
Olympia, Édouard Manet, 1836
Depois porque poucos são os arquitectos verdadeiramente interessados em fazer concursos; sobretudo aqueles cujo garante de trabalho passa exactamente pela sua inexistência: Siza (exemplo recente: Biblioteca de Viana), Souto de Moura (exemplo recente: Museu em Quarteira), Carrilho da Graça (exemplo recente: Museu Ibérico de Arqueologia de Abrantes), só para citar alguns dos autores a quem são habitualmente adjudicados projectos públicos sem que o processo passe pelo crivo de qualquer tipo. Ainda assim não é sem curioso espanto que assisto ao rejubilo, por parte de jovens e menos jovens arquitectos, perante tais adjudicações directas aos seus (e alguns meus também, admito) mestres; sem que percebam que uma dos factos que explica não terem trabalho é exactamente a simples inexistência de justiça social.
Outra razão da discordância da posição de Jordão: achar que é um completo desperdício de energia entrar em concursos que à partida têm soluções mais ou menos definidas, ou definitivas. E nem sequer me estou a referir a situações viciadas ou corrompidas; mas àquelas em que a existência de um júri “determinista” implica desde logo uma escolha apriorística, e onde se observam casos gritantes de favoritismo.
Recentemente a (confusa) legislação que regula os concursos obrigou a que os nomes dos elementos de um júri não fossem conhecidos até ao anúncio público da hierarquização das propostas. A intenção por detrás dessa decisão (que, diga-se, não tem sido aplicada em todos os concursos) seria, provavelmente, generosa: a de garantir a inexistência de pressões sobre os jurados. No entanto, acho, o secretismo que envolve a denominação do júri só irá contribuir para a falta de transparência do processo; dificultando, claro, a detecção atempada de relações entre jurados e concorrentes; e anulando qualquer hipótese dos concorrentes saberem à priori quem irá avaliar os seus trabalhos.
Por fim, uma última razão para não concordar com Jordão: achar perfeitamente lícito que um determinado Dono de Obra escolha o perfil dos autores a quem pede contributos; isto, evidentemente, com excepção dos casos em que a obra é pública.
Pela simples razão de que prefiro fazer projectos para concursos em que sei, à partida, do genuíno interesse e empenhamento desse cliente no trabalho que desenvolvo; oferecendo-me, dessa forma, mais e melhores garantias que a avaliação que me será feita é rigorosa, interessada e empenhada.
Sei bem que a posição que defendo assenta em pressupostos bastante pragmáticos. Também eu gostaria que a realidade fosse mais generosa, e que os concursos fossem todos eles exemplos do mais puro interesse naquilo que os arquitectos têm para oferecer. Mas assim não é , infelizmente.
A esse propósito tive recentemente oportunidade de ouvir Carlos Pedro Sant'Ana defender que aqueles que estão a ser realmente avaliados nos Concursos são os elementos do Júri, e não os proponentes. A ideia de Sant'Ana é generosa, e advém provavelmente do seu sentido ético. O problema é que os Júris, na sua maioria, ainda não se aperceberam disso: da sua responsabilidade social e profissional. Ou, pior: se se aperceberam, estão-se completamente nas tintas.
Danae, Allegri da Corregio, 1531
Em relação à tese de Jordão, ainda uma última explicação da razão porque a acho invertida. É porque, ao contrário do ponto de vista de Pedro Jordão, não creio que os Concursos (públicos, limitados, por convite, à espanhola ou o que seja) existam para servir os arquitectos. Ou para lhes dar trabalho.
É exactamente o contrário: os arquitectos é que existem para fazer concursos.
14 comentários:
subscrevo... e acrescento;
sobre ajustes directo sem concurso:
. aeroporto de alcochete - joão leal + hok international limited, arup, bmm arquitectos e aviation solutions
. cerca de 400 escolas - vários (gonçalo byrne, bak gordon, ideias do futuro, vitor mestre, serralvarez, bernardo & bernardo, implenitus, pitágoras, carlos santos, mário martins, proengel, arquivisão, ribeiro torres, sérgio sousa, etc etc etc)
. piscinas da amareleja - souto moura
. edifícios da sanidade da APDL - adalberto dias
. estação coimbra-b - joan busquets
. centro de artes e espectáculos - filipe oliveira dias
. biblioteca municipal de guimarães - arqt.of
. centro de emprego e formação profissional - miguel saraiva
. cine-teatro de chaves - andré campos/joana mendes
. biblioteca municipal de vila nova de famalicão - joão eduardo marta
ficam estes a título de exemplo... mas posso-vos adiantar que deste 16.10.2008 contabilizei cerca de 70 deste tipo de processos, + as 400 escolas... impressionante não é ?
e para além destes temos outros, aqueles que até cumprem o requisito de se encontrarem abaixo do 25000€ do ccp; mas que os reprovo e considero eticamente inadmissíveis porque 24000,00€, 24500,00€, 24900,00€, 24915,00€, 24950,00€, 24960,00€, 24986,50€, 24990,00€, 24995,00€, 24998,00€, 24999,00€, etc etc, representam na práctica o mesmo valor que 25000,00€... e o alcino soutinho, a cpu, a proap, o frederico valssassina, o souza oliveira, o gonçalo byrne, o miguel saraiva, o fernando monteiro, a bernardo&bernardo, etc etc etc estão conscirnte disso. em ajuste destes, provincianos e (muito pouco) ingénuos já lá vão cerca de 100 desde 16.09.2008.
e a ordem nada diz, ou comenta... verdadeiros diplomatas diria... será que é porque alguns destes personagens tb eles são membros eleitos do cdn, srs ou srn ? onde já anda o vício... vergonha, profunda vergonha sinto.
o concurso à espanhola, como dizes, por fases, seria a solução ideal para uma "jovem" classe com as características da nossa
tudo o resto é apenas a "situação" que o atento observatório descreve
e é da "situação" que a "situação" (como os canibais) se alimenta
pedir aos canibais uma ementa vegetariana é capaz, não sei, digo eu, de não ser a melhor maneira de mudar de paladar...
caro observatório
e esse blogue, arranca ou não!?
fazem falta mais comentários (e postas) assim
Já conheço o método de "pré-selecção" a partir dos painéis (é só para isso que eles servem e para fazer flores na posterior exposição)nos concursos públicos, há alguns anos.
Foi-me explicado do seguinte modo por um digno representante da Ordem, num dos tais concursos:
"encostamos os painéis todos às paredes, damos uma ou duas voltas e vamos virando ao contrário os piorzitos até ficarem "pr'aí" uns 15..." depois analizamos os que ficam de frente. (Vale a pena, por isso, investir na "pastelaria"
Quanto aos concursos por convite, e mais concretamente aos "notáveis" nem vou aqui explicar o "processo" ou ainda me cai algum em cima...
O que ainda me admira é que haja arquitectos convencidos que a Ordem confere algum tipo de credibilidade aos ditos. O meu conselho para quem se tenha que meter nessas alhadas é o de excluir em primeiro lugar aqueles que têm o "carimbo" da O-A e tentar os mais discretos, pelas redondezas...
Li o teu texto até ao fim, embora continue a achar que podias ser um bocadinho mais "económico"... Abraço
Eu já cá venho, que o texto é grande.
Tentando ser o mais sintético possível: concordo (se é que a expressão sequer se aplica) com tudo o que no teu texto é descrição do processo de concurso e nomeação dos seus objectivos, incluindo a parte em que muito correctamente nos lembras, para o caso de termos esquecido, que não é dever dos concursos servir os arquitectos, mas que é dever dos arquitectos prestar um serviço com a sua participação nos concursos. Até aqui, o meu assentimento é total, o que deve surpreender, já que o meu suposto grande erro seria precisamente inverter perversamente o propósito fundamental dos concursos de arquitectura. Acontece que isso foi apenas uma interpretação possível das minhas palavras, aliás demasiado breves para tão exactas conclusões (tive até direito a ter razão com argumentos que nem sequer me ocorrem, pelo menos não nos termos relatados).
Antes de ir mais longe, esclareço o que me parecia óbvio: referi-me apenas a concursos públicos. Jamais me ocorreria (a quem é que ocorre?) limitar a liberdade de escolha na encomenda privada. Mas adiante. A minha postura não é incompatível com o tal objectivo nobre por detrás dos concursos. Pelo contrário, vai ao encontro de uma maior legitimação na procura da melhor proposta, em detrimento das apostas mais ou menos cegas que se fazem nos concursos limitados (ou por convite, como escrevi com minúsculas) a uma amostra de arquitectos cuja selecção é, também ela, discutível. Entendo perfeitamente o velho argumento sobre as questões operativas à volta de um concurso. Em alguns casos, admito mesmo que se procure centrar o concurso em arquitectos com um percurso particularmente sólido. Mas, em qualquer caso, admito os concursos limitados como a excepção, e não a regra.
Simplesmente não partilho dessa forma perniciosa de pragmatismo em que se escolhe viciar o jogo por ser um mal menor. Concordo com a revisão do modelo dos concursos, de modo a garantir uma avaliação de qualidade mesmo partindo de um número elevado de propostas e, não só acredito que é possível, como defendo que essa postura de exigência deve partir dos arquitectos. Claro que a mudança se torna quase impossível perante um cenário generalizado de comodismo e desistência, por um lado, e de conveniências, por outro. Porque do mesmo modo que nomeaste vários arquitectos a quem não interessa a realização de concursos mas sim um sistema de adjudicação directa, também posso lembrar que a muitos arquitectos interessa um sistema baseado em concursos limitados mas não verdadeiramente públicos – basicamente a realidade para uma boa parte dos arquitectos com algum reconhecimento público.
Claro que, mesmo não aceitando essa conclusão de que eu procurava inverter o propósito fundamental dos concursos, não vou fingir que não se colocam questões internas à classe profissional, nomeadamente num acesso minimamente democrático às oportunidades, o que me parece perfeitamente legítimo. De resto, é também disso que se trata quando referes os tais arquitectos a quem interessa a inexistência de concursos. Ou a preocupação é mesmo só e sempre a procura do melhor projecto? Há aqui uma questão também corporativa, evidentemente. No que me diz respeito, não vejo qualquer problema em assumir que, mesmo menor, essa questão é pertinente. Porque se os concursos se colocam aos arquitectos, é inaceitável que para efeitos de concurso o universo de escolha se limite sempre às mesmas três dúzias. Até porque não há questões processuais que justifiquem a bizarria do fenómeno.
Se a preocupação é realmente a qualidade dos projectos pagos com o dinheiro dos contribuintes, então defenda-se aberta e exigentemente uma revisão dos processos de concurso e não um princípio de qualidade provável assegurado por uma ínfima minoria de arquitectos, enquanto se convida todos os restantes a esquecerem esta história dos concursos, que aquilo já está entregue e até é uma trabalheira, nem vale a pena.
É evidente, Jordão, que falamos das mesmas coisas, e achamos as mesmas coisas. Como é também evidente - pelo menos é isso que espero - que o meu recurso a termos como "grande erro do Jordão", ou o (ab)uso dessas "interpretações passiveis" ou desses "teus" argumentos que não chegaste a escrever, se explique, simplesmente, pela necessidade de arranjar um pretexto (neste caso as tuas palavras iniciais) que me fizesse assentar ideias sobre o tema que aqui nos traz. Espero, por isso, não ter sido (muito) abusivo; até porque considero útil discutir este assunto.
Das tuas palavras iniciais soube sempre, claro, que estavas a falar de Concursos Públicos. Na verdade foi só no momento final de rever o meu texto, que escrevi sobre a obrigatoriedade de concursos abertos no caso de contratações públicas. E a única razão porque escrevi tal coisa, com toda a certeza, ultrapassa em muito as questões arquitectónicas: é que, acho, o estado não pode simplesmente escolher, ou preterir, algo ou alguém com base em simples subjectivismos.
Mas na verdade, agora que falas disso, nem sequer desse desígnio tenho certezas absolutas: na verdade a base política de um estado democrático assenta exactamente na possibilidade do subjectivo, como antídoto à tecnocracia (mas isso já são outras discussões, que pouco sentido fazem nesta coluna de comentários).
Para finalizar: retenho a tua ideia: urge rever o modelo de organização dos concursos.
Podemos sempre fazer-lo.
Não acredito é que isso altere o problema: a falta de responsabilidade e de consciência cívica de muitos dos interlocutores responsáveis pelo bem público.
Em relação à observação do Gonçalo Afonso Dias: é verdade: a extensão do texto, e a eventual falta de clareza, não convidam à leitura. É o que dá a gente escrever como quem está a pensar.
Será melhor para a próxima, espero.
obrigado pelos contributos.
É de facto muito evidente que em nenhum momento foste abusivo e que esta é uma discussão saudável e pertinente. Quanto a isso, nunca houve problemas. De resto, não tendo para a ingenuidade e partilho da tua descrença na resolução breve do problema. Apenas resisto a aceitar o mal menor apenas por ser mais exequível. Prefiro a insistência. Quanto à "possibilidade do subjectivo", tens toda a razão e até me parece uma questão lógica nesta discussão. Mas, de certo modo, essa noção está sempre presente. E ainda bem.
deixo-vos, a título de exemplo, a notícia de um dos últimos ajustes directos.
com a criação do museu da língua (no espaço do extinto museu de arte popular) e a dotação de 9.000.000€ para tudo o que com a sua implementação esteja relacionado (resolução do conselho de ministros 42/2009), achou-se a frente tejo s.a. no direito de escolher (quiçá mais uma vez por confiança pessoal do seu ilustre presidente, joão biancard, tb ele arquitecto), quem ficaria com o projecto; a saber-se, consórcio produções fictícias-ydreams-arx portugal.
9.000.000 € do erário público gastos ao sabor da confiança pessoal de quem deveria zelar pelo interesse público e não outro.
realmente torna-se difícil à ordem dos arquitectos se pronunciar, como seria sua obrigação reguladora e moralmente insuspeita, sobre este tipo de ajustes; ou não fizesse parte da equipa projectista um atelier de arquitectura cujo sócio é membro eleito da secção regional sul em cargo de elevado destaque hierárquico… onde já vai o vício!!!
Para o obsrvatorioarquitectura:
raramente comento o trabalho dos outros arquitectos porque a minha arquitectura ocupa-me imenso tempo.
Venho às catedrais porque gosto dos Vélasquez do Pedro e porque gosto de respirar.
Também gosto de levar os presidentes às putas (por causa das adjudicações directas),fumo charros em espaços públicos, não tenho pago as cotas da OA, uso softwere pirata, o nosso atelier sobre o Tejo está num regime de sub-aluguer clandestino, não se pagou o IRC e até a carripana ainda não foi inspecionada.
Venha observar-nos. Traga um fato à pide. Temos muita matéria para o seu novo projecto.
Atentamente,
rp
obrigado pelos comentários.
Em relação às palavras de Rui Pinto, várias coisas me ocorrem:
A primeira: agora que falas nisso: esta ideia, um tanto ou quanto absurda, de comentar o trabalho dos outros, preterindo da nosso próprio tempo para a nossa própria arquitectura até faria sentido. Na verdade a falta do tempo perdido a falar do trabalho dos outros pesa sempre na consciência de quem tem consciência que o nosso trabalho é sempre mais importante que o trabalho dos outros.
Como disse: essa ideia até faria sentido. Só que essa ideia é contraditória a uma outra, que diz que o trabalho dos outros – quer dizer: a arquitectura dos outros – é mais importante que a nossa arquitectura. Isto porque não fazemos aquilo que gostamos, mas aquilo que conseguimos, ou que podemos.
Mais ainda: é que, se vires bem, a arquitectura, depois de feita, deixa, em certo sentido, de ser de alguém em especial. Digamos: passa, pelo menos, a ser minha. Ou nossa. Espero.
Deixo, é claro, em aberto a possbilidade de se discutir esse limite. O limite que define o momento em que a arquitectura fica feita. O limite em que deixa de ser de alguém em particular, para passar em ser de alguém no plural.
A segunda: olha que com essa ideia, peregrina – já se vê - , de não pagar as cotas da ordem ainda te arriscas a receber uma carta igual à que tinha, ontem na caixa do correio: um simpático mas alertado convite para repor a legalidade, convenientemente auxiliado pelo aviso de possibilidade de penhora ou mesmo de processo disciplinar.
Tudo isso, claro, em nome dos melhores serviços com que essa simpática ordem nos brinda quotidianamente.
A terceira: aprecio a ironia. Como diz o H. Helder: a ironia não salva, mas ressalva.
A quarta: uma ressalva: a utilidade que vejo no trabalho do observatório prende-se, sobretudo, com a possibilidade da aceitação da excepção, que é quase sempre coisa mais interessante do que a regra. Ora, para aceitar a excepção preciso, primeiro, de a conhecer. Simples. Não é?
A quinta: Velásquez? Eu também. Deve ser por causa da questão levantada pelo Jordão: a possibilidade do subjectivo. à qual, evidentemente, importa dar a máxima atenção.
observatorioarquitectura
com a "piada" extra de até as bordadeiras já conhecerem o projecto (ou algumas coisas sobre o projecto) dos arx
Pedro
o comentário do Rui Pedro é asqueroso
am e pedro
realmente tb achei o comentário abjecto... e confesso que fiquei incomodado pela sensação de ressaibo que expressa.
rui pinto
não vou aqui invocar nenhuma ideologia pidesca, ou sequer começar uma caça às bruxas... reitero que existem matérias eticamente deploráveis que merecem discussão, e continuarei a fazê-lo sempre que considerar que os limites deontológicos ou legais daquilo que fazemos forem esquecidos.
não peço que leia ou concorde com o teor das minhas considerações, dispenso a rudeza do comentário e seguramente que aquilo que escrevo não merece que se distancie por muito tempo da sua arquitectura... afinal de contas ela ocupa-o durante imenso tempo. talvez tanto que ainda não se terá apercebido que existe mundo e arquitectura para além da sua.
tanta falta de informação e tantas postas de pescada....assombroso
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