Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Haute Cuisine

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Fundação El Bulli (projecto); Enric Ruiz Geli, Cloud 9; 2011.

Mais cedo ou mais tarde esta ideia de tomar um cozinheiro por homem de cultura tornar-se-ia insustentável.

Adenda à entrada anterior: H&M

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Foi pelos inícios de 90, acho, que vi pela primeira vez o Herzog, num ciclo de conferências que se organizava lá para os lados das Belas Artes do Porto, que nesses tempos acolhia ainda as gentes da FAUP. Pérolas a porcos, já se vê; ou não fossemos todos demasiado imberbes para perceber que a presença do Herzog, e do Chipperfield, e do Zumthor, e do Moneo, e do Grassi, e do Secchi, e do Frampton, e do Stirling lá pelo auditório do Távoranão só não era a coisa mais normal do mundo, mas, sobretudo, que a oportunidade que nos era dada em ver e ouvir falar toda esta gente ultrapassava em muito o horizonte com que mais cedo ou mais tarde todos nós nos iriamos confrontar.

Do pouco que recordo da fala pausada desse Herzog de há 20 anos, feita daquele tom coloquial que ainda assim imprime alguma intimidade às frases que vão sendo ditas - que nos explicava a razão do mármore nas paredes de uma igreja (ainda ninguém sabia do Bunshaft), o modo como a luz descia pelos lanternins do Estúdio de Fotografia, ou as plantas, simples, daquelas casinhas em madeira, em contraplacado ou em pedra) - já nada resta.

Na verdade, nesses largos vinte anos que passaram desde essa primeira conferência, muita coisa mudou. Nem Herzog é mais o mestre artesão com queda para as fenomenologias tão caras às gentes do Porto, nem nenhum dos então presentes partilha mais da inocência desses dias, onde tudo era novo.
Desses dias, em que ainda não havia nenhuma das El Croquis que tornaria Herzog no arquitecto mais importante do mundo nada resta: nem a curiosidade, nem a intensidade, nem a generosidade; a nossa, e a deles.

Não se trata aqui, evidentemente, de mitificar os bons velhos tempos da dupla (esses mesmos anos que Souto de Moura fez questão de frisar aquando da apresentação da conferência) - até porque, para lá de uma ou duas (ou, vá lá, três) peças absolutamente soberbas, o trabalho da dupla nunca me foi particularmente revelador (a insensatez da Jussieu do koolhaas sempre me foi muito mais inquietante do que a languidez da Jussieu de H&dM, por exemplo) -, mas no entanto parece que, sobretudo a partir dos dias da Tate Modern (cuja obra é evidentemente sobrevalorizada, sobretudo de tivermos em conta, mais uma vez, a proposta do OMA para o mesmo concurso), tudo seria diferente: as oportunidades, as possibilidades, e as ambições também.

Deve dizer-se no entanto que esses são os anos mais estimulantes da carreira de Herzog e de deMeuron: desde o esterotipo da casinha - que só não se tornou numa caricatura pela extrema elegância com que é desenhado - ao já referido Estádio de Beijing, mas também à aparente simplicidade do Centro de Reabilitação de Basel ou daquele edifício de escritórios com as janelas tortas; tudo isso nos foi (nos é) absolutamente tentador. E a razão é simples: há, nessas obras, uma ambição desmedida em fazer arquitectura.
E há inteligencia (porque não dize-lo: génio), sensibilidade e know-how suficientes para tornar Herzog naquilo em que ele se tornou de facto: num dos autores decisivos da história da arquitectura.

E no entanto há um outro lado: o do absoluto desastre.
Poder-se-ia, concordo, alegar que o absoluto desastre está intimamente ligado à matéria que permite produzir obras-primas; não fossem ambos os fenómenos comungar desse elemento que toda a arquitectura digna desse nome detém: o risco.
E no entanto não me parece que o Fórum de Barcelona, tal como esses outros edifícios que a dupla suiça anda a espalhar pelo mundo (Paris, Allschwil, S. Paulo, Guadalajara, Beirute) deva a sua existência a essa ambição desmedida em fazer arquitectura.
Pelo contrário: estas obras e projectos que, num tom algo soberbo e sem qualquer entusiasmo, Herzog mostrou na conferência de Lisboa são apenas consequência da tal presunção (sem água benta), a que se associa uma total displicência dos seus autores. Estas obras não já são mais do que maus argumentos, embrulhados - como numa mau filme de Hollywood - numa arrepiante pele de efeitos especiais, que a torna, à dupla, numa espécie de George Lucas da arquitectura.

Provavelmente muitos daqueles que assistiram à conferência de Herzog e deMeuron, fizeram-no pela primeira vez. Assim, embevecidos pela ingenuidade própria de quem pouco exige, associada a esse encantamento pelo duplo salto mortal à retaguarda, maravilhados com as imagens que afinal nos aparecem publicadas em qualquer revista de quiosque como de banalidades se tratassem, esquecem-se que tiveram à sua frente uma das poucas pessoa a quem ouvir falar de arquitectura poderia ter sido de facto um previlégio.
Foi, no entanto, perdida essa oportunidade de ouvir falar em arquitectura; por um Herzog bem mais interessado em provar as suas habilidades, e em revelar essa sua predesposição imobiliária, do que falar, simplesmente, de arquitectura.

Das razões pelas quais a arquitectura deixou de fazer parte do discurso de Herzog - mais até do que a razão das obras de Herzog terem deixado se ser desconcertantes - haverá com certeza uma mão cheia de explicações.
A primeira será, porventura, a de que a dupla Herzog e de Meuron deixou de ser capaz de se sentar mais do que meia hora seguida num estirador, para passar a ser apenas a testa-de-ferro de uma coisa que é, provavelmente, a mais conhecida multinacional de projectos do mundo: H&M. Uma H&M de luxo, é verdade. Mas ainda assim uma H&M.
Não podemos é continuar-lhe a chamar-lhe, infinita e insensatamente, Haute-Arquitecture, pois não?

Da noite, resta apenas a referência às palavras de Souto de Moura, em busca desse tempo perdido; do qual o Silo de Miami é o melhor exemplo. E uma luz ao fundo do tunel, também.

The Saddest Thing to Say

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Estava já pronto para explicar o quão mediocre tinha sido a conferência do Jacques, mas meteu-se um jantar qualquer que me impediu de o fazer. Depois vieram os dias e as noites de Madrid, que lá adiaram a hipótese de dizer que nunca tinha visto 20 euros serem tão mal gastos por uma tão grande quantidade de arquitectos. Por fim, tinha reservado esta noite para reflectir sobre o fenómeno que faz com que tipos brilhantes se transformem numa espécie de agentes imobiliários de luxo. Mas entretanto interpôs-se uma outra coisa, que meteu Tom Waits, Wray Gunn e os Dead Combo e Say Hey Hey. Conclusão: Fuck Christmas, I've got the Blues.

Carmen (Miranda)

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Aí está uma coisa que prezamos nas arquitectas, e nos arquitectos também: a aparente facilidade com que estes andam felizes pela rua, por razões tão prosaicas como ser pontual; esquecendo-se porventura da sua própria inutilidade.

Crítica ao Futuro

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Does, as author of BLDGBLOG Geoff Manaugh proposes, the designer of the videogame Grand Theft Auto have more influence as an architect than David Chipperfield? Is criticism in the traditional sense still relevant or useful? If the role of the print publication in contemporary production irreversibly declines, what is its future role? What forces will shape architectural production in a post-critical environment? Is, as Kelly writes, a more realistic and rigorous approach to architectural criticism online urgently needed?

Ou, por outras palavras, o regresso da (eterna) polémica d'O Sabor da Crítica, agora, em directo, na Domus. A descoberta, essa , coube a Tiago Borges.

K.O.

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Rocky Marciano vence por K.O. Roland La Starza, confirmando o título de campeão do mundo de pesos pesados, Polo Grounds, NY, 24 Setembro 1953 (foto: Keystone/Getty Image)

Lateness and the Crisis of Modernity

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A curiosidade da notícia do El Pais reside não tanto na constatação da insustentabilidade de obra de Eisenman, mas em procurar (e encontrar) os responsáveis pela escolha que levou à construção da Cidade da Cultura.


Se a moda pegasse por cá...

Il Girasoli

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com um agradecimento especial a pahr

Quarterback

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Sammy Baugh, 1914-2008



(Afinal blogosfera de arquitectura existe, e ainda por cima é corporativa.)

Of beauty and Consolation

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Ouço, de relance, num daqueles programas irónicos sobre "arquitectura" que passa na televisão pela madrugada, Gonçalo Byrne a afirmar que o antigo Estoril Sol barrava a relação entre o Parque Palmela e a Marginal, ao mesmo tempo que a senhora que faz os comentários me garante que o área construída acima do solo é agora bastante menor que a do famigerado hotel. Já Byrne reflecte sobre a importância dos reflexos da água na parte de baixo das suas consolas, e consola-se em dizer que as obras polémicas são (quase) sempre as melhores.

Senso e Sensibilidade

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Sense and Sensibility (Bom Senso e Sensibilidade), A Lady (Jane Austen), 1811


Bernardo: abrindo-se aqui a excepção de trazer à ribalta discussões que convenientemente se vão arrumando nas caixas de comentários, não poderia no entanto deixar de responder à tua intervenção n'As Catedrais, de certo originada pel'A evidente relação entre as pirâmides e a excelência e, sobretudo, por alguns dos comentários que essa suscitou; os mesmos aliás que nos levaram ao escrito Orgulho e Preconceito.

Aceitando, claro, a sensata preferência pessoal que demonstras pela Sensibilidade, devo no entanto contrapôr que é sobretudo de senso que falamos quando falamos de (obras) de arquitectura (e não só). O problema não parece no entanto residir no estrito uso do senso, mas antes na opção acerca do tipo de senso que se usa para dela falar.

Bastaria, evidentemente, ir às fonte, para perceber que é na opção pela diferença entre sensos - esse Bom Senso e aquel'outro Senso Comum ao qual tanto uso se vai dando - que se distingue a origem do discurso.
Se por um lado temos essa tautologia aristotélica que nos confirma que o Bom Senso é elemento central da conduta ética, possibilitanto encontrar meio termo e de distinguir a acção correcta, sabemos também que o seu contrário reside exactamente na aplicação quotidiana desse Senso Comum que dispensa qualquer tipo de análise mais profunda, condicionando todas as nossas acções pela espontaneidade que lhe é endémica, e cuja origem revela necessariamente os nossos próprios limites individuais.

Penso pois que tudo aquilo que se refere à suposta injúria sobre o trabalho e o nome - como a (quase) todas as opiniões que de algum modo se vão emitindo sem ter em conta a causalidade entre objecto e vontade - actua exactamente na esfera do Senso Comum, e não tanto na do Bom Senso; facto esse que a torna, à injúria, numa evidente impossibilidade.
Se não repara: o acto de descrever algo baseado apenas numa proposição criada a partir de uma noção de normalidade, dispensando uma análise mais detalhada desse mesmo objecto e daquilo que lhe deu origem, faz com que seja difícil de alcançar qualquer tipo de conclusões que estejam para lá das "jarras de cemitério" ou mesmo de "cenários de filmes de Série B" (conjunto de epítetos, aliás, que - julgava eu - deixaria babado de orgulho qualquer um que tenha bom senso e sensibilidade).

Ora, tendo em conta que o juízo - o de valor, mas também o de gosto - sobre determinada obra de arquitectura (e não só) implica algo mais do que a sua explicação baseada na simples experiência do ordinário, o mesmo se passa com o insulto. Porque, para que o insulto resulte (e o insulto, como arte que é, só nos é verdadeiramente útil quando atinge resultados visíveis) é necessário o uso da exactidão; dessa mesma exactidão que só subsiste aquando do uso do Bom Senso, e nunca da manifestação do Senso Comum.

Se me permites a observação, o problema parece ser outro: não acreditar na possibilidade da especulação. Saberás com certeza que a especulação é, na história da leitura arquitectura, elemento fundamental. É a partir dela que descobrimos coisas, que tentamos respostas, que recusamos realidades menos boas. E tenho por certo que tu próprio valorizarás críticas menos boas, simplesmente porque são essas que nos fazem pensar.

Depois, há uma outra questão, central: a da liberdade. Essa mesma liberdade que te torna tão sensato, e simultaneamente tão autor, é elemento basilar de tudo aquilo que prezas. Na verdade tu próprio dificilmente encontrarás alguém que se predisponha à análise de arquitectura sem que para tal use, aqui e ali, da saborosa maldissencia (se te lembrares de alguém, agradeço que me informes; recordando-te porém que sou frequentar assiduo desses bastidores onde tudo é bem mais divertido). E isso sim, é de elogiar; pelo menos para aqueles que preferem as tentativas (a Sensibilidade) e as tragédias (o Bom Senso) à banalidade (o Senso Comum).

E é aí mesmo, nesse território de liberdade (e não na injúria, como inocentemente sugeres) que pudemos de facto encontrar e perceber os epítetos que afirmas assemelharem-se a "injúrias" (acções, aliás, que deixariam babados quaisquer arquitectos que advoguem, por exemplo, a arquitectura ou o suicídio).
Seria um evidente sinal de generosidade e de curiosidade colectivas se oportunidades houvessem para que mais gente como esta pudesse de facto debater. Viveríamos, então, num lugar de maior civilidade e de heterodoxia, e não num país que efectivamente concede pouco espaço de manobra a todos aqueles que achem que a arquitectura serve para nos pôr em causa, da mesma forma que serve para se pôr em causa.

Quando ao teu pedido em deixar a sua obra "à margem" (notando que é da sua obra que por aqui se vai falando, e nunca da tua pessoa), evitando desse modo "esse refluxo de inertes ressabiados" que populam pelas caixas de comentários d'As Catedrais; resta-me apenas dizer que há um facto que dou, até mais ver, como certo: as obras de arquitectura são coisa pública.
Serás aliás tu, Bernardo, o primeiro a alimentar-me dessa crença, dispensado-te de guardar debaixo da cama aquilo que vem fazendo ao longo dos anos; o que só vem confirmar que todos temos a ganhar com a apresentação, a discussão e a fruição daquilo que fazemos; condição para melhorarmos, colectiva e individualmente.

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