Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Os pássaros

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Bem sei que é pura especulação. Bem sei que pode até ser simples coincidência. Mas na verdade nunca antes se tinham visto aves de rapina sobre Veneza. Fenómeno esse que nos poderá levar a concluir que a arquitectura (portuguesa) está de facto em avançado estado de decomposição. Ou então que o corvo se tornou definitivamente numa espécie de mensageiro da bonança.

Se formos a ver, tando uma como a outra hipóteses não se contradizem necessariamente.

Adenda à entrada anterior

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Pavilhão de Portugal, Shanghai, 2010; Carlos Couto (via JAC)

No fundo poder-se-ia concluir que a arquitectura de feira nunca teve qualquer tipo de ambição. Tratando-se eventualmente de uma mera resposta burocrática ao problema da representação; a arquitectura de feira ilustra exactamente essa incapacidade da disciplina em representar algo, ou alguém.

Diriam: nem sempre foi assim. Com razão. Mas é esse exactamente o problema do progresso: fazer-nos convencer que não é necessário existir nada senão um simples pretexto representativo para se construirem coisas.


O Cortiço

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Pavilhão de Portugal, Shanghai, 2010; Carlos Couto


Admitamos algum excesso de zelo: comparar o Pavilhão Português de Shanghai com o seu homólogo espanhol poderá ser uma malfeitoria. Ou uma injustiça. Afinal o orçamento espanhol é cinco vezes maior que o valor investido pelo estado português na representação nacional à Expo '10. A sua área é três vezes superior. As expectativas do número de visitantes do pavilhão espanhol são o triplo das melhores estimativas da comitiva nacional. E o arquitecto selecciondo para desenhar o edifício é (foi) um dos mais relevantes autores espanhóis dos últimos cinquenta anos, enquanto pouca gente reconhecerá o nome de Carlos Couto.

E no entanto - não bastassem já as coincidencias morfológica com um outro edifício - confesse-se o embaraço em constatar que um pavilhão com orçamento semelhante ao português - embora com uma área muito maior, com (um, dois) autores muito mais (re)conhecidos, e com uma aposta (com resultados algo decepcionantes, e certo) muito maior na arquitectura - seja exactamente o pavilhão de uma simples cidade. Ainda por cima com muito mais hipóteses de levar Cristiano Ronaldo à China.

Kubitschek

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Mais surpreendente do que tudo o mais é concluir-se que o estado de imponderabilidade possa durar há precisamente cinquenta anos. De forma contínua.

Bienais, Trienais e outras tais

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Logo após o Guardian anunciar o nome do autor que irá representar a Grã-Bretanha na Bienal de Veneza de 2011 (não: não me enganei: 2011) descubro, não sem algum contentamento, que Pedro Gadanho faz parte do Advisory Panel que ajudou a definir a representação britânica na bienal de arquitectura.


Resta-nos esperar por notícia lá para os lados da Trienal, para saber se 2010 irá revelar uma outra forma de mostrar a arquitectura portuguesa por Veneza.

Underwear

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Afródite de Cnidus, Praxiteles (cópia): pormenor. (seguindo a estratégia da moda do ODP)

América

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The Interview Projects, 2010, D. Lynch (sem Paulo as coisas seriam menores)

De novo o novo ou a monótona surpresa

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Estando para aqui a folher um livrinho de Gonçalo M. Tavares chamado de Breves Notas Sobre as Ligações, passo o olhar sobre uma frase que diz qualquer coisa como isto: o Novo é uma interrupção (...) depois de um prolongado silêncio toda a palavra é nova. Logo na página a seguir - na 39, mais precisamente - uma outra frase diz assim: esta coisa que é sempre igual varia muito.


Não é que existência destas duas frases no livro de Gonçalo M. Tavares nos permita concluir sobre o desejo do autor em nos fazer confrontá-las uma à outra; até porque as mesmas surgem registadas em textos separados, aparentemente distintos. E no entanto ambas em mim se encadeiam na perfeição; sobretudo se tivermos em conta um argumento que me foi recentemente apresentado - sem eu ter sido capaz de rebatê-lo atempadamente, entenda-se - em defesa de uma determinado ponto de vista da qualificação do acto arquitectónico: a novidade.

Diziam-me, convictamente, que o interesse da ideia arquitectónica reside exactamente no novo. Quer dizer: na capacidade de inventar qualquer coisa, ou (mais humildemente) na habilidade de organizar as coisas que existem segundo leis que até esse momento não nos tinham sido dadas a ver.
Não deixando de concordar com tal proposição - sobretudo tendo em conta o seu lado apetecível, semelhante a esse desejo vagamente erótico próprio de um tardo-adolescencente do qual todos nós não nos conseguimos descolar -, não lhe encontro hipótese alguma de ela vingar no que diz respeito à subtileza.
É que - digamos assim - a excitação só é capaz de sobreviver nos antípodas da sensibilidade que emerge da repetição. Ou antes: a natural brutalidade da busca pelo novo anula qualquer hipótese da prestar valor à delicadeza. Simplesmente porque uma vai num sentido contrário ao da outra.

Tratando-se evidentemente da defesa de uma ideia que tem origem num monógamo, dir-se-ia que a tendência pessoal em validar um qualquer fenómeno arquitectónico passa exactamente por aí: pela monotonia. Mas também pelo desejo que ela possibilite a expressão da surpresa. Coisa que não é fácil.


O despropósito, versão UK

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Sem que nada o fizésse anunciar, o Despropósito revela-nos um seu alter ego bretão: youyouidiot:
I’ve already discussed ZHA a number of times here, often in regards to unwittingly interesting things that they’ve done, such as the accidental brutalism of LF1 and the Wolfsburg museum (which I shall only even consider visiting once it has become seriously rotten) and I suppose that this counts as a continuation of the series. The more I think about it though, the more I consider just how truly ridiculous an architectural practice they are, the more I’m beginning to think that she, Patrick and all the rest of them are geniuses after all, just not at all in the way that they would like to think that they are. ZHA are conceptual architects, not because their ideas are particularly intelligent (bet you can't wait to have PS tell us what it’s all about), but because their over-attachment to a certain architectural ideology leads to results that are so ludicrous that they tell you far more about the world in which they appear than a more serious, successful piece of architecture could. Like Jeff Koons or Damien Hirst, the success of their blatant shit-ness speaks volumes about the state of their field, its ideologies and economies.
A seguir.

Ser moderno

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Stone on Stone, Rob Carter (via archdaily)

Errata (dupla)

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Casa no Douro, Eduardo Souto de Moura

Escreveu-se: "(...) à espera de algo que se mova no sentido contrário ao da lógica"; quando se pensa dever ter escrito: "(...) à espera de algo que se mova no sentido da lógica".

E no entanto rescreva-se: "(...) à espera de algo que se mova no sentido contrário ao da lógica".

Clube dos amadores de columbofilia de Sacavém

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Exasperante, é o que é, esta selecção de obras que irá representar portugal na 7ª Bienal Ibero-Americana de Arquitectura.

Não é que não tivéssemos já desconfiado que a coisa não iria correr assim tão bem. Mas é que com essa lista corremos grande risco das obras nacionais nem sequer virem a ser votadas pelo nosso representante do jurado da BIAU, quanto mais toda aquela outra gente - coisa que, a acontecer, terá pelo menos a vantagem de dispensar algum embaraço aquando da inauguração da Exposição Panorama Ibero-Americano.

À primeira vista dir-se-ia que a responsabilidade de tão inócua escolha pertence por inteiro ao delegado nacional. Ele que outorgou a decisão de enviar tal embaixada à Colombia. Afinal é da responsabilidade de José Adrião pôr de fora da selecção uma ou duas ou três obras (auto-propostas pelos seus autores) com alguma dimensão arquitectónica, optando por outras que, independentemente das suas eventuais qualidades, ficam mesmo muito longe do "carácter excepcional (no panorama nacional e internacional)", dos "projectos tese" (sic), ou mesmo de especímenes "onde se verifique uma metodologia que evidencie uma clara investigação disciplinar." Como também o é o pretexto (teórico?) que explica a escolha de uma das obras: "uma estratégia delineada (que) permite resolver, para além de questões topográficas, os diferentes acessos a partir da envolvente e promove(r) uma relação franca do utente com o novo equipamento através de um percurso pedonal que atravessa e expõe o edifício à comunidade"; como se arquitectura não fosse sempre assim.

E no entanto, comparando-se a lista de projectos propostos pelo autores nacionais com a lista de Adrião, cruzando-as uma e outra com o tema geral da VII BIAU (qualquer coisa como: uma oportunidade par reflectir sobre a meneira de habitar e transformar o território onde a diversidade de agentes e o intercâmbio de valores constituam a base de conhecimento para conseguir porpostas urbanas que eliminem factores de exclusão) somos obrigados a aceitar que o trabalho do delegado português - tirando um ou outro caso de claro equívoco ou empenho pessoal - não poderia ter sido feito de outra maneira.

Podemos então concluir que a culpa da paupérrima representação portuguesa em Medellín cabe em primeiro lugar (em segundo, terceiro e quarto também) ao evidente desprezo com que todos aqueles que pensam, produzem e controem arquitectura em Portugal tratam a cultura arquitectónica nacional. Não participar, não propôr, não querer discutir nem comparar; equivale ao mais profundo desprezo por tudo o que não seja a vidinha de cada um.

Temos, de facto, aquilo que merecemos. Neste caso, uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma.


Losangos e outros números octogonais

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Forty is an octagonal number, and as the sum of the first four pentagonal numbers, it is a pentagonal pyramidal number. Adding up some subsets of its divisors (e.g., 1, 4, 5, 10 and 20) gives 40, hence 40 is a semiperfect number. (via Wikipedia)

O Museu Imaginário

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Sem título, Nobuyoshi Araki

Mas nem sequer precisávamos de ir ao Malraux. Bastaria pegar numa mão-cheia daquelas obras que nos são essenciais. Daquelas que conhecemos de cor. Que dissecámos vezes sem conta. A que recorremos quando nos surgem dificuldades. Aquelas que explicamos sem pudor algum, e que citamos sempre que nos dá jeito. Basta pegar nelas, e depois fazer as contas: perceber quantas dessas obras – das que conhecemos de cor e dissecámos vezes sem conta – já visitámos.

Dessa mão-cheia (digamos que numa mão-cheia cabem 20 obras, dependendo mais essa medida do tamanho da mão do que propriamente do tamanho das 20 obras) visitámos uma obra. Ou – vá lá - duas, no máximo.
Quer isto dizer que dessa mão-cheia d’obras que nos fizerem ser quem somos apenas cinco (ou – vá lá – dez, no máximo) por cento foram realmente consequentes.

Não que os restantes noventa (ou – vá lá -, no mínimo) noventa e cinco por cento não o sejam também elas consequentes. De todo. São-no, de forma clara e inequívoca. Só que a sua consequência não advém do nosso confronto com a sua realidade, mas exactamente da nossa capacidade em interpretar aquilo que dela conhecemos, e construir sobre ela uma lógica que já pouco (ou nada) tem a ver com a sua dimensão, para passar a ter (apenas) a dimensão que lhe atribuímos.

Não estando evidentemente a usar-me do mais directo dos sentidos a que se refere o termo dimensão; ele não deixa de ser um bom exemplo: sempre que deparamos uma obra que julgávamos conhecer milimetricamente, ela é afinal muito mais pequena, ou muito mais azul, ou muito mais pesada, ou muito melhor do que até então a tínhamos esboçado. Na verdade é outra coisa. Não nos pertence como nos pertencia a ideia que dela tínhamos.
A Querini Stampalia, por exemplo: impossível de ser imaginada em toda a sua enorme complexidade. Mas absolutamente distinta dess’outra complexidade que era só nossa. O Bonjour Tristesse: muito mais pequeno do que o que seria expectável. Machu Picchu: um grandessíssimo estalo.

E no entanto usamo-nos disso. Desse nossa visão limitada das coisas que nos faz repetir os truques que afinal não existiam, ou as soluções que pensávamos evidentes, mas que afinal são apenas fruto da nossa interpretação.

Na verdade ser arquitecto é isso: roubamos aquilo que não existe, pensando copiar segredos que afinal são meras invenções pessoais. Não citamos: equivocamo-nos. É esse o segredo: mesmo quando pensamos estar a copiar, limitamo-nos a inventar outras coisas; não tanto por qualquer tipo de incapacidade de copista, mas apenas por aquilo que pensamos estar a copiar não existe para lá de nós próprios.

Se essa é a nossa maior fraqueza, também é a nossa cultura: falhar interpretações. E é por isso que (por exemplo) a Petersschule (do Hans Meyer) é a peça modernista que mais me enche as medidas, mesmo que o edifício nunca tenha existido.
Sabermos pouco sobre as obras pode não ser bom; é um facto. Mas sabermos pouco sobre as obras não nos diminui as possibilidades de lhe inventarmos probabilidades. Quer dizer: apenas uma ínfima percentagem das obras que nos enchem as medidas existe realmente. Se essas poucas obras são a nossa mais absoluta segurança, todas as outras – as de papel, as que só lhe conhecemos uma planta ou um corte – são o nosso melhor potencial.

É exactamente por essa razão que N. Araki nos é absolutamente indiferente: ao invés de se usar dos Kimonos para nos fazer desejar aquilo que escondem, obriga-nos ao confronto com a sua realidade; bem menos profunda do que seria expectável.

Em tudo o resto - desde o quarto do Kahn às obras do Venturi: conheço-lhes poucas coisas dos projectos e apenas algumas ideias. E ainda assim penso que a resistência aos japoneses é mais ideológica do que propriamente coisa sentida. Coisa obviamente que está para além do mais radical dos romantismos serôdios . Um pré-rafaelitismo, portanto. Dos agudos.

Adenda às entradas anterior e posterior

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Satchin, 1963, Nobuyoshi Araki

Uma mão cheia de tudo, outra de coisa nenhuma

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A propósito do (previsível) Pritzker dei por mim a reler Oceano de Ar; uma espécie de tentativa de categorização do trabalho da dupla Sejima Nishzawa, escrita por Efrén Garcia e Cristina Diaz Moreno (os responsáveis pelo Cero 9), publicado na El Croquis 121/122, em 2004. Se na entrevista que precede e introduz o curto ensaio nada é dito que explique a evidente particularidade do universo do atelier japonês (na entrevista os projectos são explicados pela circunstancialidade – programática, funcional - de cada um, mais do que aquilo que os obriga e qualifica), já Oceano de Ar pega no pouco que Nishzawa deixa solto para sustentar um discurso que passa em muito por vincular a sua obra à tentativa, deliberada, de anular aquilo que de algum modo nos é ainda basilar na formulação arquitectónica: a hierarquia.

Mais do que as fugidias palavras de Nishzawa, a tese de Éfren e Cristina poderia até vir da formulação prévia de Y. Hasegawa – Space that obliterates and erases programs – sobre as primeiras obras de Sejima (ainda antes de se associar a Nishzawa) onde se apontam, entre outros factos, a libertação das noções arquitectónicas normais (?), a destruição (Hasegawa usa o termo desconstrução) das divisões (compartimentos com especificidade programática, entendo) e das hierarquias convencionais (lá está), e a progressiva anulação de uma determinada ordem superior em relação àquilo que os edifícios contêm (quer dizer: a ausência de um critério de importância entre questões de forma e, por exemplo, o modo como deverá instalar-se determinado sistema de ar condicionado).
E o entanto Oceano de Ar procura implicar os projectos do Sanaa numa espécie de estratégia fenomenológica cuja força advém mais do modo como cada um interpreta aquilo que se lhe depara, do que propriamente aquilo que lhe é directamente dado a experimentar; que – quer por Efrén Garcia/Cristina Diaz Moreno, como por Hasegawa – é, simplesmente, aquilo que este mais próximo do nada. Ora, isso equivale nada mais nada menos a afirmar que a qualidade de uma determinada arquitectura é exactamente a sua não existência (é curioso, neste ponto, relembrar que Pallasmaa faz parte do jurí do Priztker 2010, o que em certo sentido reforça esse sentimento fenomenológico).

Os espanhóis, no seu texto, chegam a referir algo curioso – totalmente incompreensível pela parte que nos toca – de modo a enfatizar essa ideia, ingenuamente interpretada de Zen (bastaria a Figueira ter lido o que diz Sejima à provocação sobre a eventualidade da relação entre supressão asceta da sua obra e o desejo de perfeição espiritual da filosofia Zen, levantada por Juan António Cortés, na entrevista da El Croquis de 2007), onde a razão das coisas deixa de ser universal (leia-se: comum), centrando-se apenas na experiência individual. Afirmam que dos edifícios não transparece qualquer ideia. Nem mesmo o processo de projecto que lhe é intrínseco. Ou mesmo a história.

Não é que deixe de concordar com essa suposta ausência de hierarquia na obra do Sanaa (embora se deva dizer que, tirando as devidas referências culturais e especificidades, os textos bem podiam estar a referir-se, um e outro, a Mies; mas enfim...), seja ela histórica, programática ou construtiva, mas no entanto não é isso que a explica. Ou pelo menos não é isso que a significa a nossos olhos.
Bem sei que estou em desvantagem perante Éfran, Cristina ou Hasegawa: tirando uma fugaz passagem pelo museu da Bowery ainda por acabar, nunca tive oportunidade de experimentar qualquer edifício da dupla; o que, pela tese fenomenológica defendida nos tais textos, implica a impossibilidade de as perceber, às obras do Sanaa. E no entanto até estou capaz de apostar que a importância, para nós, dessas obras não reside propriamente na sua existência, mas naquilo que as precede.

Na verdade aquilo que se torna imprescindível nos projectos de Sejima/Nishizawa é exactamente isso mesmo: os projectos. Ou antes: o modo de os formular.
Claro. Evidentemente. Aquilo que lhes sobressai, aos projectos, é essa aparente falta de estrutura hierárquica – que é mais a sua supressão do que outra coisa qualquer; mas que é mais o resultado da abordagem metodológica – arriscaria a dizer: disciplinar; mais: intrínseca e estritamente disciplinar – do que propriamente uma preposição ideológica em si mesma.
Aqui não há lugar a nada que não seja a arquitectura ela própria; e os projectos não mais são do que esse resultado de deitar fora tudo o que dela não faz parte; concedendo-lhe essa aparente pureza formal (o suposto Zen de Figueira), que não mais é do que o resultado do processo.
Ora, na obra do Sanaa (e não estou aqui à procura de qualquer tipo de provocação) aquilo que menos (me) interessa é exactamente esse resultado espartano, demasiadas vezes pobre, desconfortavelmente imaterial, muitas vezes atonal, quase sempre mudo.
Desconfio, aliás, que a popularidade do Sanaa no ocidente (desde os estudantes dos mestrados pós-bolonha aos senhores do Pritzker) não se deva propriamente à intensidade do Bloco de Apartamentos de Funabashi (2004), do Edifício Asihi Shimbun Yamagata (2003), nem sequer (pecado) do Museu em Kanazawa (2004) – isto para nem sequer ir aos mais bem amados Pavilhões da Serpentine (2010) ou de Toledo (2006); mas exactamente a suprema inteligência e extrema liberdade com que a dupla se permite inventar o projecto de arquitectura.

O que quero dizer é que a importância do Museu de Kanazawa reside muito mais no seu projecto, e muito menos no edifício, que em muitos aspectos se revela banal (no pior dos sentidos). Aprende-se muito mais a olhar para os desenhos do Bloco de Gifu Kitagata (1998) do que a passar os olhos pelas suas fotografias. Agradece-se a quem tomou a decisão de não ter construído o Café do Parque Lumiere (1999) ou, mais ainda, à ampliação do IVAM, em Valência. Para nós tinha sido muito melhor não ter visto fotografias do Rolex Learning Center (2010) ou daquela maravilhosa Casa Pequena (2000); porque, simplesmente, a construção mental que delas fazíamos era muito mais útil – atraente, desejável – do que aquelas a sua existência propõe.
O Kunstlinie (2006), por exemplo, é bem pior do que muita da coisa que tendemos a menorizar. Do Terminal de Naoshima nem o olhar de Suzuki o consegue tornar minimamente tangível. E aquela clínica dental em Tsuyama levanta-nos sérias dúvidas sobre a capacidade dos seus autores em dominar matérias tão simples como a escala ou a proporção.
E no entanto nada disto diminui a soberba e sublime obra dessa dupla de japoneses; cujo contributo disciplinar nos foi – nos é cada vez mais – decisivo.

Se assentirmos a tese da ausência hierárquica; então ela é um pau de dois bicos: aquilo que faz das obras de Sejima/Nishizawa coisas aparentemente amorfas, sem intensidade ou peso, paupérrimas, despojadas de conforto e incapazes de comunicar é exactamente o mesmo que torna as suas propostas arquitectónicas num dos fenómenos com maior importância disciplinar na última década. É por estas e outras que o Pritzker não é um prémio como os outros.

E depois...depois há a Escola de Zollverein, que faz questão em negar tudo aquilo que dissémos. E essa promessa do Museu-N; que sim: importa construir. Nem que seja para um definitivo tira-teimas.

Ps. Um dia destes alguém deveria falar de coisas tão curiosas como a sentida presença de Toyo Ito no percurso do Sanaa. E também na súbita consciência dos senhores do Pritzker, depois de terem premiado muito daquilo que irá marcar negativamente a arquitectura do início do século.

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