Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Diário da República

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Susana e os Velhos, Anónimo, n/dat.


De: João Rodeia
Enviada: Quarta-Feira, 25 de Março 2009
Para:
Assunto:+j, em apoio ao novo museu dos coches

1. Informam-se todos os 200 signatários da carta em apoio à construção do novo museu dos coches do seguinte:
2. A carta já está on-line.
ATENÇÃO: todos os 200 subscritores da carta já constam na petição on-line e não necessitam inscrever-se (terão já recebido a respectiva notificação);
3. O endereço da petição on-line é www.petitiononline.com/coches09/petition.html;
4. Agradeço que divulguem junto de todos quantos possam subscrever esta petição (se possível, cada um de vós procure 10 a 20 novos subscritores...).

Muito obrigado.
+joão belo rodeia, arquitecto
Por um Novo Projecto de Regeneração Urbana em Lisboa: cidadãos apelam à construção do novo museu nacional dos coches

To: Primeiro Ministro do Governo da República Portuguesa, Eng. José Sócrates,

Exmº. Senhor Primeiro-Ministro
do Governo da República Portuguesa,
Engº José Sócrates,

Serve a presente carta, subscrita pelos abaixo-assinados, para expor junto de Vª Excª o seguinte:
1. Considerando que a construção do novo edifício para o Museu Nacional dos Coches permitirá acolher a sua valiosa colecção em melhores condições museológicas de conservação, de exposição e de fruição pública, com novas valências e exigências de funcionamento indispensáveis a um museu contemporâneo aberto aos cidadãos e estimulante para a cidadania;
2. Considerando que o novo edifício para o Museu Nacional dos Coches implicará reequacionar o antigo Picadeiro Real, cujas dimensão e instalações são hoje tão limitadas para a exposição da colecção quanto exíguas para acolher o crescente fluxo de visitantes em condições mínimas de eficiência e segurança, permitindo assim valorizar e potenciar o Picadeiro no âmbito do novo Museu e/ou no contexto patrimonial do Palácio de Belém e da sua área envolvente;
3. Considerando que o novo edifício para o Museu Nacional dos Coches implicará relocalizar as actuais instalações provisórias e respectivos conteúdos/depósitos do extinto Instituto Português de Arqueologia, entretanto integrado no IGESPAR, abrindo-se uma janela de excelente oportunidade para equacionar outra localização arquitectónica e urbana mais adequada e digna para a arqueologia portuguesa, que deverá ser objecto de diálogo e de tão amplo consenso quanto possível entre todas as partes entretanto envolvidas;
4. Considerando que o novo edifício para o Museu Nacional dos Coches, com a demolição da opacidade murada das antigas Oficinas Gerais de Material de Engenharia, permitirá a cicatrização, regeneração e dignificação urbana da Praça Afonso de Albuquerque, rematando-a e ligando-a ao rio Tejo, e, sobretudo, oferecendo um extenso, qualificado e generoso espaço público que potenciará o encontro dos cidadãos e a fruição urbana;
5. Considerando que o novo edifício para o Museu Nacional dos Coches deverá desencadear e potenciar uma estratégia museológica concertada para a área monumental da Ajuda/Belém/Junqueira, designadamente no quadro dos equipamentos culturais existentes, e contribuirá para sedimentar a matriz territorial e a vocação sociocultural desta mesma área, confirmando-a no seu valor patrimonial e numa clara geoestratégia urbana e metropolitana, nacional e internacional, que é indispensável para a construção de identidade colectiva e afirmação contemporânea da cidade de Lisboa e do nosso País;
6. Considerando, assim, que o novo edifício do Museu Nacional dos Coches, da autoria do arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, há muito militante de uma arquitectura de causas públicas, resultará num edifício de cidade e dos cidadãos com inegável interesse público, para além do valor intrínseco da sua qualidade estética, ética e cívica;
7. Considerando, por isso, que são apropriados os recursos envolvidos na construção do novo edifício para o Museu Nacional dos Coches quando comparados com esse mesmo interesse público, ou seja, com as mais-valias para a valiosa colecção do museu, para a cidade de Lisboa, para o País e, sobretudo, para o enriquecimento da vida quotidiana dos cidadãos;
8. Considerando, ainda, que é possível e desejável conciliar o novo Museu Nacional dos Coches com as expectativas geradas e as partes entretanto envolvidas, articulando património, criação arquitectónica e vocação pública, e que, pelas razões atrás apontadas, a cidade de Lisboa e o País não podem dar-se ao luxo de perder a oportunidade única criada pelo novo Museu - enquanto colecção, enquanto edifício, enquanto fazer de cidade e enquanto afirmação de capitalidade - e, muito menos, de inviabilizar um evidente recurso identitário que orgulhará a cidadania e os valores republicanos;

Por tudo isto, os presentes signatários - ainda que respeitando opiniões distintas ou complementares às suas e que devem ser tomadas em conta neste processo - manifestam que é urgente, indispensável e fundamental construir o novo edifício para o Museu Nacional dos Coches e solicitam a Vª Excª o maior e melhor empenho para a sua rápida concretização, na certeza de que o respectivo interesse público tanto celebra e dignifica os 100 anos da República Portuguesa, quanto o seu presente e o seu futuro.

Correndo o risco de publicitar ideias que me são aversas, aqui fica a célebre petição on-line a favor da construção do projecto de Paulo Mendes da Rocha para o novo Museu dos Coche.

Para além da vacilante qualidade do projecto para o Museu (aqui e ali), a dúvida maior estará aqui em saber que legitimidade terá João Belo Rodeia [actual Bastonário da Ordem dos Arquitectos] em propor a defesa de um projecto de arquitectura adjudicado sem qualquer tipo de escrutínio público.

Relembro as responsabilidades acrescidas do Bastonário na defesa de processos que procurem dotar as nossas cidades das melhores soluções [arquitectónicas]; sendo que há, sempre houve, formas de garantir a melhor adequação de um determinado projecto ás exigências que se propõe resolver: o Concurso Público.
Porque só através de um Concurso Público seremos capazes de analisar vários pontos de vista sobre um mesmo problema, testar soluções, e escolher. Simplesmente escolher.

O que João Belo Rodeia nos diz é que a sociedade não necessita dessa escolha; porque ela foi já feita por um conjunto de notáveis, que assegura [e louva] a proposta de Paulo Mendes da Rocha.

Ora, desconfio: esta deve ser a solução menos republicana para celebrar a República.

Blind Date

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Encontrámo-nos na saleta junto à porta, intermediados ainda pela empregada que num instante se desvaneceu, permitindo apresentações cordatamente indecisas, entre mãos estendidas e tímidas ofertas de face inclinada.
De pé as palavras parecem sempre mais tremidas. Concordámos por isso em dispensar os martinis, passando de imediato à Sala Privada, velada a meia luz, mais propícia ao cruzar de olhares e a sorrisos de cumplicidade, enquanto nos decidíamos a revelar ou não as nossas verdadeiras intenções.

Como é hábito falámos de antigos amores e desamores, de traições e de desilusões. Tudo um quanto ou tanto dramatizado, como convém em ocasiões como esta.
Sorriamos incomodamente de cada vez que o silêncio ocupava o ar, e logo gastávamos os nossos trunfos, que misturavam humor eclético e fina ironia, de modo a não arriscarmos em demasia.
Não demos a provar os pratos que escolhemos, nem me recordo de brindarmos a nada de especial.

Por cima da mesa, entre carnes de sangue e copos manchados de vinho, nada de visível se terá passado para além de olhares cruzados, sempre fugazes, logo seguidos de tímidos baixares de cabeças e mãos enroladas em guardanapos de pano-cru.
Por momentos fiquei com a impressão de ter sentido algo a tocar-me, ao de leva, na perna; mas não vi outros sinais que me permitissem inventar espaço.

Antes da sobremesa ainda saímos para o jardim, a pretexto da partilha de um isqueiro; e no entanto o barulho da festa ao lado fez-nos recuar de novo para a luz.
No fim de contas, que dividimos irmãmente, recusámos gentilmente a factura.

Nenhum de nós insistiu em beber um último copo nos bares logo ali em baixo.

O Traço Português?

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Conversas de Arquitectura: O Traço Português: conferência/debate: Correia/Ragazzi vs. a.s*, organizado pelo Núcleo de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Vila Nova de Famalicão.
Dia 2 de Abril, pelas 21:00. Lá estaremos.

O Desejo já não mora aqui

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[nota prévia: O Desejo já não mora aqui foi escrito para JA de Março 2009, não tendo sido no entanto aí publicadas todas as imagens originalmente seleccionadas para o acompanhar]























Egas José Vieira, Manuel Graça Dias [Contemporânea], Ponta da Avenida, Lisboa, 1992.

Há, sempre houve, coisas assim. Projectos esquisitos, ideias um tanto ou quanto desavindas, ingénuas até. E há, sempre houve, quem delas desconfiasse.
Quem delas só visse aquilo que menos interessa: fragilidade, arrivismo, ingenuidade, apografia até; tornando risíveis as poucas que não foram desprezadas, e num instante esquecidas.

E no entanto é essa fragilidade, esse arrivismo e essa ingenuidade que estão por detrás daquilo que leva a querer fazer arquitectura. Esse querer que, aqui, mais cedo ou mais tarde, dará lugar á ambição de conquistar um lugar no pódio, ou à angustia de nunca lá ter chegado.
Alguns desistem, fogem do país, outros resignam-se, outros ainda se esquecem de como era ser arquitecto sem os constrangimentos de um país e de uma classe para os quais a arquitectura é a celebração da certeza e à imposição da normativa.

Triste é uma classe onde são as incertezas dos novos a premiar as certezas dos velhos.
Porque do desejo, esse desejo de inventar o próprio desejo; já não dele ouvimos falar.
A não ser nos sussurros moribundos daqueles que são ainda ingénuos.















Didier Fiúza Faustino [Bureau des Mesarchitectures], Fight Club, vários locais, 2007





















Bernardo Rodrigues, Capela da Luz Eterna, S. Miguel, 2003
















Bernardo Rodrigues, Casa do Voo dos Pássaros, S. Miguel, 2004















Nuno Mateus, José Mateus [ARX Portugal], Laboratórios do Pólo da Mitra, Évora, 1991















Nuno Mateus, José Mateus [ARX Portugal], Pavilhão de Portugal Expo'92, Sevilha, 1990










Carlos Sant'Ana, Silvestre Castillani, Torre Bicentenário, Buenos Aires, 2008















Carlos Sant'Ana, Fata Morgana




















Marcos Cruz, Marjan Colleti, Museu Tomihiro, Japão, 2002

Ora...

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Adenda às três últimas entradas

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.


















Paulo Mendes da Rocha, Osaka, 1969.

Eis um exemplo do que (nos) poderia acontecer se ao Paulo Mendes da Rocha (ainda) lhe apetecesse fazer arquitectura. Ou poesia que, salvo a questão anteriormente referida, é (quase) a mesma coisa.

Adenda às duas últimas entradas

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Urbanismo, geografia, sociologia, política não esclarecem a arquitectura. A arquitectura é que, acidentalmente, pode esclarecê-los a eles. Mas não parece ser este o seu propósito. O propósito da arquitectura é esclarecer-se a si mesma e nesse esclarecimento tornar viva a experiência de que é o apuramento e a intensificação.
Isto seria um texto escrito pelo Herberto Helder, se por acaso Herberto Helder fosse arquitecto, ao invés de ter sido poeta. Bom, o contrário também é verdade: se Herberto Helder fosse arquitecto o mais certo seria não o ter escrito de todo.

Afinal não se pode exigir
sensibilidade à poesia a nenhum arquitecto.
É que a poesia não faz parte da sua responsabilidade social.

Doctor Pangloss

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Susana e os Velhos, Rembrand, 1647

Caro Daniel,

Só agora tive oportunidade de ler a réplica ao Susana e os Velhos: o esforço e a reciprocidade são, claro, estimáveis e, por tal, motivo de reconhecimento.

Antes de mais uma clarificação: se escrevi truculento em parte alguma do meu anterior texto, isso dever-se-á necessariamente à contingência do lapso, do desvio ou do simples acidente. Porque embora tenha especial carinho por diatribes e outras afeições tumultuosas – que, ao contrário da ideia de João Lopes que tem o cuidado de citar, julgo serem sinais de profunda convivência democrática –, não faria parte dos meus objectivos para com A Barriga o uso de qualquer tipo de violência, cinismo caricatural ou ironia grosseira aquando da escrita de Susana e os Velhos.
Nem sequer tinha consciência que o Daniel tivesse uma posição oposta (logo errada) à minha, neste caso particular do (projecto) do Museu dos Coches; pelo que, acredito, os equívocos interpretativos, a terem existido, possam estar definitivamente ultrapassados.

Mas então qual é de facto a razão de trocarmos posts assim tão oficiosos? Na verdade julgo não haver razão assim tão grande mas, apenas e só, questões de pormenor (que, até ver, são as razões mais interessantes).
Diz o Daniel a certa altura que não pretendeu recriar-se num Pritchard ao serviço da arquitectura. Esse Printchard que, admito, pareceu mesmo partilhar o teclado consigo aquando da escrita do texto originário desta nossa conversa.

Ora, se não foi Printchard, foi concerteza o imoderado optimista Pangloss.
É que, Daniel, o seu texto, – ou antes: a atitude generosamente ampla do seu texto – por pretender ser politicamente correcta e genuinamente estóica na procura de uma verdade (que, já agora, nunca iremos encontrar) sobre as virtudes ou defeitos do projecto de Paulo Mendes da Rocha, tornou-se numa espécie de contra-senso para quem, como o Daniel, é arquitecto.
Ou seja: Daniel quer perceber um fenómeno do domínio da arquitectura à força do sacrifício da sua própria educação e cultura arquitectónicas; que é praticamente a mesma coisa que querer ganhar uma partida de xadrez á custa do sacrifício do próprio Rei.

Bem sei que A Barriga tem pretensões (mais uma vez sem qualquer tipo de carga negativa) pedagógicas. Porventura é essa qualidade que faz d’A Barriga o blog arquitectónico mais visitado cá por casa. E no entanto é essa qualidade altruísta sobre a expressão da arquitectura na comunidade que de certa forma vai tornando redundante qualquer análise mais profunda (para não usar a palavra crítica que tanto nos parece afastar) que A Barriga possa fazer de um determinado fenómeno; pelo menos do ponto de vista de quem procura ler (sobre) arquitectura.

Não tenho nada a opor a que A Barriga faça derivações sobre as propriedades morfológicas ou programáticas de um determinado projecto com o intuito de tornar o discurso o mais aberto possível. Acredito mesmo nos benefícios e na utilidade dessa acção informativa perante um público com poucas oportunidades de aceder a informação disciplinar, de forma clara e descomprometida. Eu próprio me incluo por vezes nesse grupo, se bem que normalmente em outras áreas.

E no entanto não creio que essa abertura surta qualquer tipo de efeito para o próprio Daniel. Porque se acredita de facto em abertura, transparência e democracia deveria, por exemplo, tentar explicar porque teria sido importante para a abertura, a transparência e a democracia a existência de um processo aberto, transparente e democrata na selecção da melhor proposta para o Museu dos Coches em Belém.

É que todos estes assuntos qu’A Barriga procura apresentar são, em limite, os temas que se pensam e discutem através de propostas de arquitectura, através de projectos e de ideias: é para isso que serve um concurso. Sem ele – sem essa vontade da nossa democracia em tentar perceber o que é que anda a fazer – a sua discussão é inútil, porque extemporânea.

Admito aqui um defeito. Um defeito que, ainda assim, julgo, é partilhado por todos aqueles que desenvolvem a sua actividade quotidiana em torno de uma qualquer especificidade, inclusivamente o Daniel: a curiosidade e a disponibilidade para a análise de um determinado fenómeno são diametralmente opostas à quantidade (vá lá, qualidade) de conhecimento que se tem sobre esse mesmo fenómeno. Por outras palavras: quanto mais sabemos sobre uma coisa, menos paciência vamos tendo para ficar maravilhados com aquilo que nos passa pela frente.
Chame-lhe pessimismo ou cansaço; a verdade é que a virgindade só se perde uma vez, mesmo que essa vez, no nosso caso, se arraste durante anos. Por isso não é simplesmente possível olhar sempre com a mesma capacidade de espanto para coisas que fomos sendo treinados para pressentir.

O mais natural para um compositor será desconfiar logo à partida de uma partitura que pareça ter notas fora de escala; como o mais natural para um escritor será desprezar um livro cuja primeira página que abra esteja ferida de erros de sintaxe.
Ou antes: esperamos sempre que os erros de sintaxe e as notas fora de escala tenham origem noutro tipo de autores: aqueles jovens sempre tão arrogantes que por aí pulam feitos uns lobos. Ou porque se querem fazer ouvir. Ou porque acreditam que através de um erro de sintaxe possam descobrir a salvação do mundo. Ou, simplesmente, por terem cometido um erro grosseiro.

Não creio que Paulo Mendes da Rocha necessite, hoje, de se fazer ouvir. Nem acho que Paulo Mendes da Rocha tenha ainda a ingenuidade de querer mudar o mundo. A mim, infelizmente, só me resta a terceira explicação.

Pela leitura do Discurso Directo percebi algumas reservas ao projecto do Museu; mais diluídas em precauções de carácter social e urbano do que as minhas. E mais abertas a revisão futura.
Acredite, meu caro Daniel, que gostaria que tivesse toda a razão do seu lado, e no fim de contas o museu fosse uma extraordinária obra de arquitectura.

Outras diatribes haverão concerteza, para mútuo entretenimento. E não se preocupe com mais nada: a probabilidade de desistência da minha parte é muito superior à sua. Até lá.

Susana e os Velhos

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Susana e os Velhos
, Tintoretto, 1560

Li, com atenção, a análise d’A Barriga ao projecto do Novo Museu dos Coches. Reli uma segunda vez. E não consegui chegar a nenhuma conclusão sobre o posicionamento de Daniel Carrapa sobre o objecto que se propôs analisar.

No entanto diria, com toda a certeza, que é exactamente na questão que a Barriga tão cedo põe de lado (da poética laudatória aos amadorismos do "gosto") que se resolveria tão delicado problema.

Alertei a Barriga para o problema: subjugar o (que ela chama de) amadorismo do gosto a pontos de vista tecnocráticas é um daqueles erros básicos que só faz quem se propõe avaliar arquitectura de forma tecnocrática.

Ao que A Barriga replica:

ao colocar de lado a questão do ‘gosto’ não pretendo avançar com uma análise ‘tecnocrática’ ou muito menos neutra do projecto. Mas não vejo outra forma de falar objectivamente sobre ele [claro que vê, meu caro, claro que vê]; avançando desde logo com a proposta de confrontar o projecto, objectivamente, com valores contemporâneos de arquitectura [que são]:
O projecto materializa um equilíbrio entre massa construída e os espaços vazios?
Confere identidade ao lugar?
Promove a diversidade de usos?
Permite uma boa apropriação do público?
Acolhe a multiplicidade e riqueza de actividades?
Experimentação?
Evasão?
Informação?
Promove uma boa vivência, permite convívio, isolamento, confere segurança?
O espaço envolvente é qualificado? Tem “funções”? Resulta numa boa urbanidade do lugar?
E a função Museu? Porque um museu não é apenas um edifício, não é apenas arquitectura, é acima de tudo conteúdos?
Aquela expressão infraestrutural serve a identidade do Museu dos Coches?
Como nos relaciona – exterior e interiormente - com a sua história?
Valoriza o seu potencial turístico? Economicamente, é uma mais-valia?
Dito isto concluo que estamos de facto perante um problema. Não o problema do Museu (isso não é bem um problema, mas apenas um projecto que correu mal a uma vida que correu bem), mas o problema da crítica, ou de falta dela.

Repare Daniel: qualquer que seja o tipo de resposta que encontre para cada uma das questão que levanta (sim/não; certo/errado; verdadeiro/falso; 1/2) ficamos na mesma.

Porque, como sabe, há projectos que materializam um equilíbrio entre massa construída e espaços vazios que são geniais, e projectos que materializam um equilíbrio entre massa construída e espaços vazios que são medíocres. Como também há projectos que não materializam qualquer tipo de equilíbrios entre massa construída e espaços vazios que são, outra vez, geniais, e projectos que não materializam qualquer tipo de equilíbrios entre massa construída e espaços vazios que são, infelizmente, banais.

Desde quando é que uma boa (excelente, vá lá) obra de arquitectura promove a diversidade de usos ou acolhe a multiplicidade e riqueza de actividades? Estamos a pôr Viipuri de que lado?
Experimentação? Quem? O Pietila?
Evasão? Sullivan ou de La Sota?
Informação? Estará porventura o Daniel a pensar no Hertzberger?
Desde quando é que um edifício que promove uma boa vivência, permite convívio, isolamento, confere segurança é um edifício genial? E o contrário… recordo muitos.
O espaço envolvente é qualificado? E se não for? É bom? É mau?
E depois, mais errada ainda: aquela expressão infraestrutural serve a identidade do Museu dos Coches? Pergunta, como se não soubesse, meu caro, que a expressão (qualquer que ela seja) serve sobretudo a arquitectura.
Das questões de valorização do potencial turístico interrogo-me: o que é que a arquitectura tem a ver com isso?

Desconfio, claro, que aquilo que nos separa é a própria arquitectura enquanto possibilidade de interpretação: para si um conjunto de satélites em órbita de variantes encontradas caso-a-caso; para mim a (simples) explicação do objecto através dele próprio (chame-lhe gosto se quiser); como aliás se faz na (boa) crítica literária, na (boa) crítica musical, na (boa) crítica poética.
Lembrar-se-ia alguma vez de abordar um Livro do Herberto Hélder como experimental (sim/não), evasivo (sim/não), ou através da análise qualitativa do seu espaço envolvente? Não creio.

Até porque não há obras valiosas em arquitectura (pelo menos na moderna) que não sejam intolerantes e demolidoras dos esquematismos castrenses ou tecnocráticos, como também dos espartilhos do uso. Público e privado.
Por isso obras valiosas são tão escassas. E todas estas não são, ao longo da história, outra coisa que não crítica e paródia a outras grandes obras; que levantam, claro, o único problema que a crítica distante e distanciadora é incapaz de resolver: a sua própria natureza limitada e limitadora.
A crítica feita dessa maneira, meu caro, é sobretudo uma autocrítica, que fica escrava das suas próprias limitações, sem (sequer tentar) perceber o que tem à sua frente.

A outra crítica – aquela da poética laudatória aos amadorismos do "gosto"; como lhe chama -, como também o acto de fazer arquitectura, é um ciência poética (desculpe a expressão Daniel, mas estou acordado há horas demais para me lembrar de outra mais elegante), mas que, ao contrário da primeira, não requer uma grande formação tecnológica.

Relembro as palavras de António Miranda (Ni Robot Ni Bufón) – livro, aliás, que aconselho vivamente (nota: o brilhante texto contraditório da tese de Miranda, publicada na última parte do livro, é também de Miranda, embora não pareça):
basta, segundo as indicações evangélicas, tentar (como cordeiro entre lobos) ser sensato como a pomba, mas astuto como a serpente, e abandonar o papel das virgens insensatas para adoptar o das virgens prudentes.
Todos podemos alcançar um alto nível de crítica usando a ironia, usando tópicos, prejuízos, sentidos comuns, ideologias, paranóias pessoais e [até] o mau gosto burguês

Se não gostar de Miranda poderá sempre usufruir as palavras de um autor (julgo) bem mais próximo da sua sensibilidade pessoal (ia dizer gosto, mas arrependi-me):
Não tenho princípios (...) julgar com as ideias e os sentimentos sempre me pareceu um destino soberbo. A indiferença pelas chamadas virtudes cívicas e para com os apetrechos mentais do instinto gregário resulta não só útil para o artista [para o crítico], mas é seu dever absoluto. Se isto é amoral, a culpa é da natureza (…) A sinceridade é o grande obstáculo que o artista [crítico] tem que vencer. Unicamente uma disciplina prolongada, uma aprendizagem de simplesmente sentir as coisas, pode levar o espírito ao seu próprio culminar.
Dito isto, termino reafirmando:

O problema do Museu dos Coches do Paulo Mendes da Rocha é, simplesmente, o de ser um mau projecto. Não por fazer uma praça sei lá aonde. Não por estar cortado ao meio. Não por ser o contrário do CCB. Mas simplesmente porque é, amadoristicamente falando, formalmente despropositado; sem que no entanto nos dê algo em troca.

É uma espécie de infelicidade que acontece a todos. Uma infelicidade para PMR, uma infelicidade para Belém. E uma infelicidade para mim, que gosto de um e do outro.

Obrigado.

A origem da dúvida

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Bem sei que para a blogosfera um mês e uns quantos dias de existência d'As Catedrais é pouco menos que uma irrelevância. Há gente que admiro, que passou horas e horas em volta de pequenos textos, durante meses, anos; que escreve com prazer coisas que (me) dão enorme prazer ler. Muita dessa gente escreve, de uma ou outra forma, sobre arquitectura e sobre tudo o resto que (também) faz parte dos meus dias. Esses gentes que regularmente acompanho, não todas, mas apenas aquelas que cabem no formado d'As Catedrais, fazem parte da lista de Links logo aqui ao lado. E isso sim, tem relevância; pelo menos para mim.

Evidentemente que, se decidi a uma dada altura escrever sobre arquitectura e outras tantas coisas, tive por vontade olhar sobre aquilo que me dá prazer, sobre fenómenos que de facto prezo, sobre objectos e autores que de facto admiro. E é isso que tenho procurado fazer: mostrar um ponto de vista sobre as coisas, discutir os pontos de vista dos outros, perceber-lhes o humor ou a falta dele, oscultar-lhes a curiosidade.

E no entanto, depois de um mês e uns quantos dias d'As Catedrais, olho para a lista de Arquitecturas e vejo menos coisas que prezo, e mais coisas que desprezo. E penso se valerá de facto a pena escrever sobre as coisas que desprezo.

Não que dê propriamente razão a amigos telefónicos que me dizem para ter cuidado ao escrever coisas como esta. Não. Acho até que coisas como esta, e as conversas que lhe seguiram, aqui como em outros lados, permitem perceber melhor o ambiente geral onde nos movemos, e as consequências que isso tem para a actividade que desenvolvemos quotidianamente. E isso terá por isso tanta ou mais importância do que falar sobre a obra do João Maia Macedo ou da forma de pensar do Pedro Maurício Borges. Digamos que, em situações destas, o prazer deu lugar ao dever.

No entanto esta coisa dos Blogs é também ela um pouco irreflectida: dou por mim a escrever sobre a Ordem dos Arquitectos a propósito de um abaixo-assinado em defesa do Museu dos Coches; como se isso fosse um facto importante (para mim). E não é. Porque é, apenas e só, um faits divers. Um desvio irrisório e desprezível.

Importante sim seria, por exemplo, responder á Barriga sobre a análise que ela faz (ingénua, quando a mim) ao projecto do Museu dos Coches, ou dar sequência ao ponto de vista de Gonçalo Afonso Dias sobre o mesmo. Ou perceber com (a ironia d)o ODP o que é que faz mover os SAMI, ou quem quer que faça projectos com cuidado e com apreço.

Porque, desconfio, perder tempo com faits divers é apenas isso: perder tempo.

Dispensar-me-ei por isso de tudo aquilo que aparente ser menos inteiro.Até ver.

Qu'Exagero

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O Museu dos Coches

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Cerca de 200 personalidades da área da Cultura, entre as quais Álvaro Siza e Joana Vasconcelos (eu sei, eu sei...), vão entregar esta semana ao primeiro-ministro uma carta a favor do novo projecto do Museu dos Coches.
(...) a ideia partiu, a título individual, dos arquitectos João Belo Rodeia e Ana Tostões, e defende exclusivamente a construção do museu projectado pelo arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha.
(...) os arquitectos Eduardo Souto [de] Moura, Gonçalo Byrne, Carrilho da Graça são alguns dos outros subscritores da petição.
Público, 23.03.09

Não seria suposto o responsável da Ordem dos Arquitectos entregar antes uma carta ao primeiro-ministro a favor, exclusivamente, do Concurso para o novo projecto do Museu dos Coches?

A relação entre o The Economist e as Crocs

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Há partida não teria nada contra a ideia de um candidato ao Parlamento Europeu continuar a escrever as suas crónicas num jornal de referência nacional. Parto do princípio, claro, que se esse alguém foi capaz de escrever um livro delicioso sobre Lisboa, também seria capaz de separar as suas posições enquanto comentador público dos seus interesses pessoais enquanto carreirista político.
Esperançosamente até, pensava que a ideia de carreirismo político estaria, à partida, posta de parte.

Eu, que entretanto lia pela segunda vez o Público (o de sexta, Ípsilon incluído), já um pouco agastado com 4 horas de espera, e um pouco transpirado devido à febre intermitente, mudei de ideia depois de confirmar que o tempo que demora a leitura de meia página do The Economist basta para entrarmos pelas portas de uma urgência Hospitalar adentro, se tivermos por companhia uma amiga que vista bata azul e que calce umas Crocs de cor duvidosa.

Tudo isto sem sequer ter visto nenhuma pequena pulseira (vermelha que fosse) no pulso do grande senhor.

Profilaxia

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Sábio conselho que me foi dado: seguir Francisco (do) Vale. Prolífico. E profilático.

Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal #1

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Depósito de Água, Gorreana (Maia), S. Miguel [2004]

O Duplo Borges, outra vez

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O Epicentro Pré-Rafaelita de Borges: A Casa das Furnas, S. Miguel.

A primeira coisa que ouvi de Borges, que me foi dirigido, foi o facto de não [querer] acreditar que o Museu da Ribeira Grande fosse construído. Isto, claro, depois de ter confirmado que estava de facto perante o autor do projecto.

Depois ficou a olhar para mim, por detrás daqueles óculos que lhe dão o ar retro que as miúdas tanto gostam (pelo menos é o que ele diz), com um sorriso blasé, à espera de uma (possível) reacção violenta.
Vá-se lá saber porquê (bom: eu sei, mas não digo), retribui-lhe o sorriso blasé (o meu blasé é melhor que o dele), e passámos o resto da tarde a beber cervejas num café qualquer da Baixa.

No entanto, apesar dessas e d'outras cervejas, dessa recusa ao Museu da Ribeira Grande Pedro Maurício Borges nunca terá desistido.

Estão a ver a ideologia Pré-Rafaelita? É que Borges prefere o Açoreano intacto. Uma espécie de paraíso perdido, onde a espécie humana e suas variantes familiares sustente uma visão pinturescamente historicista (ainda assim culturalista, claro) que sustenha, no ar, a possibilidade de último recurso do mundo.

Ora, aí é que começa o meu verdadeiro dilema com Borges. Porque lembro-me dele há muito tempo atrás, numa conferência no Porto, a demonstrar aquilo que melhor sabe fazer: retirar prazer das coisas.
Ora, como sabemos, o prazer de fazer arquitectura é desligado das coisas em que se acredita. E assim posso desligar o Borges ideólogo do Borges hedonista. Ainda bem para mim. Porque é esse Borges hedonista que me fez querer aprender a arquitectura (dele).

The League of Gentlemen, again

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Na verdade uma espécie de Postpolis; mas com muito mais nível.

The League of Gentlemen

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Secção Imobiliário

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Vende-se T4, envolvente belíssima, pouco estimada. Motivo: os estores automáticos.
Informações e marcações de visitas aqui.

Futilidades

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Banalidade esta, a de adorarmos consensualmente o Damien Hirst.
E a de gozarmos com tudo o que a Joana Vasconcelos faça. Ou venha a fazer

O Duplo Borges

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Imagens via Juliana Couto



Pedro Maurício Borges é arquitecto. Lembro-me dele, há muito tempo atrás, numa conferência no Porto, a demonstrar aquilo que ele melhor sabe fazer: retirar prazer das coisas.

Ora, como sabemos, o prazer de fazer arquitectura é desligado das coisas em que se acredita. E ainda bem para Borges.
A arquitectura de Borges representa tudo aquilo que é um certo modo de pensar a ideia de projecto. Nesse sentido, Borges, nas suas longas estadias pelas ilhas, foi aprendendo pouco a pouco a soletrar os nomes de espaços que só existem nos Açores (os nomes, porque os espaços são mais ou menos os mesmos de outro sítio qualquer): as falsas, as levadas, as canadas, e coisas do género.
Essa vontade de controlo de uma língua equivale a dizer que se Pedro Maurício Borges fosse escritor, e vivesse em Paris, tudo faria para escrever em francês.

Não é que a arquitectura de Borges seja açoreana; nem sei se isso de arquitectura açoreana existe de facto. O que importa é que as obras fundamentais de Borges (quem as quiser visitar, e perceber, terá que ir a S. Miguel) estão impregnadas desse sentido do particular, de uma espécie de enlace maternal com a natureza de um sítio, cuja geração de Borges tão bem romantiza. E se o modo identitário dessa geração arquitectónica portuguesa passou certamente pela leitura minuciosa do Norberg-Schulz; a sua marca deriva de uma espécie da passividade febril em torno de uma ideia de um lugar; julgando que as obras arquitectónicas não os destroem, aos lugares.

Isso explica, claro, a afirmação de Borges: (qualquer coisa como isto) «um edifício modernista, nos Açores, é como que um estalo!». Como que fosse possível sermos modernos em Brasília, para deixar de o ser em S. Miguel. Quer isto dizer, para Borges, como para os correligionários da experiência do lugar, o mundo é Pré-rafaelita.

Ora, a minha discordância com o posicionamento ideológico de Borges é exactamente esse: haver um posicionamento ideológico de Borges. Até porque, ao contrário de Borges, acredito que uma pancada nos olhos faz ver.

Prémio Secil 1909

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Definitivamente Arthur C. Clarke tinha razão: o futuro já não é o que era.

D'Arco (d)a velha

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Telefonou-me uma simpática senhora lá para o atelier, para perguntar (e perguntar não ofende) se estaria disposto a assinar a Darco: revista que está lá para o monte das coisas a ler mas que, até ver, simpatizo imenso.

Eu, que até sou averso a receber coisas pelo correio, (principalmente coisas que não cabem na caixa do correio), ouvi-lhe simpaticamente a voz, até ao momento em que me revelou a oferta propriamente dita: a edição especial monográfica n.º7. Com um simpático desconto de 10€.

Agradeci. Sem nunca perder a simpatia.

Acordo Ortográfico

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Academy Theatre, S. Charles Lee, Inglewood, 1939; fonte The Online Archive of California (Imagens com respectivos Links ).


A partir de agora passa a estar disponivel mesmo aqui ao lado o Link ao Blog da brasileira Cecilia Lucchese que, entre outras coisas, também gosta do Charles Lee: The Urban Earth.

Cecilia Lucchese passa a vida a (d)escrever a América (o continente, claro), como se fosse uma espécie de colecionadora de pedaços de cidade. Fala de bizarrias, de história, ou de parques de estacionamento.

Para quem não se importe de ler (sobre) arquitetura como se estivesse com um livro da L&PM na mão; há aqui muita coisa para ver.

Verão que tenho razão

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Aparentemente, Lisboa, como aliás (quase) tudo o resto, fica melhor sob o sol de Verão.

E o calor relembra esses longínquos dias de Verão passados em Gobbledigook (cada um teve o seu; chamem-lhe o que quiserem), aqui pela mãos de Arni & Kinski, e por onde também passou Ryan McGinley (o autor da foto aqui em cima, que faz parte da série I Know Where the Summer Goes).

Mule Variations

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What's He Building?, Tom Waits, Mule Variations, 1999

Déjà Vu

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A Corte do Norte inaugura com a presença do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Mas então isto não tinha sido já na semana passada?

Recordar é Viver

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Ainda a propósito do séquito presidencial da Ordem dos Arquitectos, e do palavreado trocado por aqui, recebi amável mensagem que me autoriza a (re)publicar excerto do seguinte manifesto, já com 4 anos:

5 - Apelo igualmente ao Presidente da República (...) este é um problema de ordem nacional, supra partidos o interesses profissionais. Assistimos em cada hora que passa à destruição do País precisamente porque a maioria dos arquitectos que, como eu, tentam profissionalmente actual, se vêm distanciando daquilo para que estudaram (...). Como tal, esta é a sua luta, Senhor Presidente, enquanto desígnio da identidade da nação. Em todos os outros estados civilizados a arquitectura é uma das fortes caras da nação. Em Portugal continua um filho menor, premeiam-se os bravos indivíduos, e deixam-se aqueles que são o corpo da profissão (...) sós no deserto dos compromissos minados. Os que tentam honrar simplesmente a vontade e o seu destino.
Há, claro, alguma ingenuidade nestas palavras. E no entanto desconfio (não totalmente, vá lá, até porque a carne é fraca) que estaríamos perante gente que, por concordar que de facto os políticos deviam ser os últimos a espojar-se na arquitectura, seria bem capaz de entregar todas as medalhas, e refutar qualquer tipo de convite institucional até á definitiva extinção do 73/73 e de tudo aquilo que o venha substituir (vai ser bem pior, vão ver).

Teria sido, claro, uma bela bofetada de luva (branca) ver a Ordem dos Arquitectos recusar o convite da Presidência da República; até porque o simples acto teria feito mais pelo fim do 73/73 do que tudo o resto.
Além do mais a Alexandra Prado Coelho teria visto o seu texto na primeira página do Público.

E no entanto, embora inegável e deliciosamente poético, o acto teria sido em vão. Simplesmente porque me parece, hoje, que o 73/73 é o menor dos (nossos) problemas.

Questão de perspectiva

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Há aqueles que, de tanto ficar para trás, começam a pensar que vão à frente.

Mistério dos negócios estrangeiros

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De visita a Berlim o Presidente da Republica decidiu abrilhantar a sua comitiva com Arquitectura: Portugal fora de Portugal. A exposição, organizada pela Ordem dos Arquitectos, comissariada por Ricardo Carvalho, abrange 21 projectos da autoria de arquitectos portugueses “construídos ou em vias de o ser”.
O facto em si é surpreendentemente positivo. Será a primeira vez que uma visita de estado aposta de forma tão clara na criação arquitectónica como fonte de promoção do país; concluindo-se que a arquitectura começa a poder ser vista como algo que serve (para) alguma coisa

Apesar de ter lugar na reputadíssima Aedes, a exposição diverge da programação habitual da galeria berlinense: ao invés de se mostrar arquitectura como arquitectura, Portugal Fora de Portugal assemelhar-se-á mais a uma espécie de Best Of – em tudo semelhante aos Portfólios empresarias que acompanham as visitas dos nossos chefes de estado ao estrangeiro – mais do que propriamente uma reflexão acerca o conteúdo dos projectos nacionais.
O objectivo é no entanto claro: vender a vitalidade e a disponibilidade da arquitectura portuguesa contemporânea no estrangeiro; coisa que não é assim tão descabida quanto possa parecer à primeira vista.
E neste sentido o pragmatismo de Portugal fora de Portugal é uma espécie de contraponto ao que têm sido as últimas retrospectivas internacionais sobre arquitectura made in portugal; bastando relembrar a etérea presença nacional na última Biennale, da responsabilidade de José Gil e de Joaquim Moreno.

A resultar, a visibilidade do programa Portugal Fora de Portugal no contexto de uma comitiva de estado trará consequências positivas para a arquitectura nacional. Num plano ideal, a demonstração que Ricardo Carvalho opera traduzir-se-á num potencial aumento das solicitações internacionais a autores portugueses; coisa que, desconfio, só ainda não acontece por total ausência de uma politica objectiva de promoção da arquitectura que, como vimos, nem mesmo as representações oficiais portuguesas em eventos maiores conseguiram até agora colmatar.

Portugal Fora de Portugal é por isso uma exposição comercial. E ainda bem.

No entanto, a ser verdade que a estratégia de Ricardo Carvalho é expor a arquitectura portuguesa como um produto, dir-se-ia que os critérios que pautaram a selecção de obras e autores convidados não são tão claros quanto isso.
Se é verdade que a importância de ter algo de simbólico e representativo da haute couture nacional obrigou a (inutilmente) repetir Siza – o único autor português que o envergonhado responsável da Aedes admite de facto conhecer – e se, em nome do respeito pela visão de Herzog, a jovialidade dos Sami se tornou ali presença obrigatória; ainda assim sobraria espaço de manobra para R. Carvalho, em coerência e objectividade, optar por um modelo claro: uma exposição de apontasse a crescente multiplicidade e a heterogeneidade que vem emergindo no panorama arquitectónico nacional. Ou seja: uma montra daquilo que é o futuro da arquitectura em Portugal, e não uma espécie de retrospectiva desse passado que se vai alongando pelo nosso quotidiano.

Na verdade Ricardo Carvalho terá confundido uma representação portuguesa oficial com uma espécie de mostra de tendência. A própria jornalista do Público, Alexandra Prado Coelho, com viagem a Berlim patrocinada pela Ordem dos Arquitectos, ainda procura adivinhar o que vai no ar, quando pergunta ingenuamente se “haverá [de facto] uma arquitectura portuguesa?”; embora rapidamente se esqueça da sua própria dúvida, não registando qualquer tipo de esclarecimento no artigo que depois escreveria no P2.
Evidentemente Ricardo Carvalho não precisaria de articular palavreado algum para esclarecer a duvida da jornalista, fosse ela minimamente informada do que estava em sua presença: uma evidente crença num modo de pensar e num modo de fazer, a lembrar a malograda 9H. Tudo isto confirmado pelas presenças de Carrilho, de Souto de Moura, de Barbini, de José Adrião, de Pedro Reis, de Aires Mateus, do Atelier do Corvo, de Pedro Domingos e de Inês Lobo, e até dos definitivamente nacionalizados ARX.















A escolha não foi coerente de todo, ou não fosse a presença na exposição de gabinetes como os Promontório ou o Risco; que (só) se explica pela necessidade de demonstrar obra feita, algo escassa no grupo dos mais eruditos; facto esse que ainda assim não retira força à afirmação de Carvalho: isto é (o melhor d)a arquitectura portuguesa (lá fora).

Podemos, claro, discordar da tese curatorial em que se baseia Portugal Fora de Portugal, relembrando autores nacionais com projectos fora de portas: Carlos Pedro Sant’Ana, o colectivo Mob, Santa-Rita, Bernardo Rodrigues, Reed, Marcos & Marjan, Campos Costa, Camilo Rebelo, Ateliers de Santa Catarina, A|umStudio, Cannatá e Fernandes; para nem falar do universo de gente que projecta coisas publicamente desconhecidas um pouco por toda a parte. Na verdade não deve haver arquitecto português que nunca tenha tentado a sua sorte num concurso internacional – e quanto digo internacional não me refiro propriamente a concursos portugueses, com júris nacionais –, havendo até aqueles que viram seus trabalhos reconhecidos (Nuno Montenegro, por exemplo, para o centro de congressos de Madrid).

E no entanto devemos aceitar sempre a escolha de Carvalho – afinal uma d’entre mil escolhas possíveis para desenhar o conteúdo de uma exposição como esta –, alegando que aquela selecção reflecte de facto aquilo que o comissário entende ser a melhor expressão da arquitectura nacional. Aceito; até porque acredito na genuinidade da ideia.

No entanto sublinhe-se aqui um pormenor. Um pormenor, digamos, do âmbito da ética, que pouco tem haver com as escolhas pessoais de Ricardo Carvalho para Portugal Fora de Portugal: é que a visão da arquitectura portuguesa com que o comissário presenteia o público de Berlim corresponde, em limite, à mesma versão que Carvalho tinha já apontado para a Bienal Ibero-Americana de Arquitectura em 2008, ou para a selecção do mesmo de obras nacionais a concurso para o Prémio Mies 2009 (uma estratégia falhada, como sublinha AM); que é, na verdade, muito semelhante aqueloutra estratégia que João Belo Rodeia levou para a Bienal Ibero-Americana de Montevideo de 2006, por sua vez coerente com a selecção que Gonçalo Byrne levaria até Lima, em 2004. Isto para não falar em semelhante filosofia seguida em selecções por Ana Tostões (prémios Mies, vários; e já agora responsável pelo texto do catálogo de Portugal fora de Portugal), ou pela dupla Jorge Figueira / Nuno Grande (Bienal S. Paulo 2007).















Poder-se-ia eventualmente falar de uma estratégia consertada ao modo de Eduardo Prado Coelho (uma vez ouvi-o defender que as representações nacionais deveriam apostar sempre nas certezas, mais do que nas dúvidas, por mais prepositivas que elas nos parecessem: Lobo Antunes e Saramago na Literatura, Paula Rego nas Artes, Oliveira no Cinema, e assim por diante).
Mas não. Na verdade há, neste modus operandi replicado até à exaustão um problema institucional de fundo, que passa pela falta de transparência na escolha (no convite, se quisermos) dos Júris e/ou Comissários internacionais por parte da Ordem dos Arquitectos; que é, por definição, uma instituição que deveria dispensar-se de dizer o que é, ou o que deve ser, a arquitectura feita em Portugal,

Um (pequeno) exemplo: há já alguns anos fomos, no atelier, convidados a integrar a short list de autores portugueses ao Prémio Mies. Até hoje não sei de quem partiu tão amável convite, ou quem terá sido o representante nacional do dito júri; e só há pouco tempo percebi que a responsabilidade de encontrar o selecionador nacional do dito prémio faz parte dos serviços que a Ordem dos Arquitectos presta aos seus associados.

Não que o exemplo faça a mais pequena diferença. No entanto o facto de não sabermos quem está por detrás dessas escolhas desresponsabiliza automaticamente este Júri e/ou Comissário das (boas e más) escolhas que faz em nome da produção arquitectónica em Portugal.

Aparentemente João Belo Rodeia, por mão própria ou através (neste caso) de Ricardo Carvalho, tem uma opinião irrefutável sobre aquilo que é, ou não, arquitectura portuguesa de alta qualidade. Óptimo que assim seja. Todos temos a nossa, julgo.
O que a Ordem dos Arquitectos não pode é apostar nessa mesma ideia como facto consumado; pela simples razão que há cada vez mais coisas a acontecer. Coisas que precisam de espaço para respirar. Coisas que são potenciadoras de outras realidades, Coisas que, no mínimo, são mais curiosas que a repetição (recordo, a propósito de uma entrevista que Bernardo Rodrigues deu a um pasquim dominical, onde afirmava, não sem alguma revolta, que a arquitectura em Portugal pautava-se exactamente pelo “Fado da Fotocópia”).















Era bom, claro, poder discutir este assunto. Era bom, claro, poder debater-se aquilo que são estes paradigmas que tanto Rodeia como Carvalho advogam. Seria bom até perceber porque razão acham que autores como os que estão presentes no Portugal Fora de Portugal terão obra com maior significado do que aqueles que não lã estão.
Seria bom saber até que ponto a China de Bernardo Rodrigues não será mais representativa do que a China dos Sami e, sobretudo, qual das visões que um e outro nos propõem tem condições para se tornar numa verdadeira reflexão em torno do que é a criação arquitectónica em Portugal, hoje.

Com isto estou a dizer que há pouca coisa que eu não concorde nas escolhas de Carvalho, para este Portugal Fora de Portugal, ou para qualquer das exposições, concursos ou prémios que o comissário e/ou critico foi, é ou ser+a responsável. À parte de um ou outro projectos medíocres, está lá, sempre, parte do trabalho de autores cujo trabalho é detentor de qualidades únicas, e cujo profissionalismo e a validade do conteúdo das suas propostas é inegável.

No entanto parece-me do mesmo modo desejável, necessário, urgente, que a Ordem deixe de interpretar as oportunidades que são dadas à arquitectura portuguesa como oportunidades que são dadas à visão que os seus responsáveis têm da arquitectura portuguesa; ou antes: aos responsáveis que terão uma visão (qualquer) sobre arquitectura portuguesa.

Diria mesmo que urge clarificar o modo com que a Ordem escolhe quem escolhe. Que essa escolha deixe de ser um prémio a quem o faz, e passe a ser uma responsabilidade (e uma honra, por que não?) para os comissários; e que essa escolha possa olhar para a arquitectura de uma forma mais generosa, mais curiosa, mais democrática.

Adenda para evitar mal-entendidos: nós por cá seremos o único atelier nacional que não tem projectos para fora.

Todas as imagens via Presidência da República

Prémio Secil 2008

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Edifício Viriato, Nuno Brandão Costa, 2008; via Fernando Guerra
;

O Júri do prémio Secil 2008, presidido pelo arquitecto Duarte Nuno Simões (nomeado pela Secil e a OA) e constituído pelos arquitectos Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura (ambos nomeados pela Secil e vencedores, respectivamente, das edições dos Prémios de 2006 e de 2004), Pedro Ravara (nomeado pela OA), Raul Hestnes Ferreira (nomeado pelo Ministério da Cultura), Ana Vaz Milheiro (nomeada pela Secção Portuguesa da AICA) e Armindo Alves Costa (nomeado pela Associação Nacional de Municípios Portugueses), salientam o facto do edifício premiado demonstrar a capacidade da arquitectura em transformar a envolvente, um dos seus princípios fundadores.

Parabéns a todos.

Mais imagens da obra só aqui.

Road Movie

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Não sei se é apenas coincidência mas, das últimas vezes que visito o Porto, dou de caras, invariavelmente, com uma conferência de Álvaro Domingues que, invariavelmente, se intitula A Rua da Estrada.
Desta vez foi a propósito do lançamento da EASI - a nova revista da Escola de Artes da Universidade Católica do Porto -, cujo número 1 nos dá a ler textos de Nuno Portas, António Olaio, Wim Wenders, da soberba Maria Filomena Molder (não confundir com a mui sobrevalorizada MF Mónica), Carlos Zíngaro, Pedro Serrazina (alguém ainda se lembra da Estória do Gato e da Lua?), Edgar Pêra, entre outros.

Acontece que a Rua da Estrada nunca é igual. Porque é uma espécie de work in progress do geógrafo portuense, que constitui um eficaz retrato da paisagem portuguesa, desmontando, não sem uma (aparente) leveza, com ironia qb (um pouco pedante, vá lá), aquilo que é, hoje, o nosso território físico. Quer isto dizer: aquilo que nós (não) somos.
A conferência constrói-se a partir de uma sequência de imagens da paisagem a partir de estradas nacionais, de ruas, de caminhos que atravessam a ligam as nossas cidades, por vezes cruzadas com imagens eruditas; encontrando-llhes, a umas a outras, paralelismos que roçam a caricatura.

Para lá dos sorrisos ingénuos do público que sai da conferência como quem sai de um sessão de Stand Up; das vezes que ouço Alvaro Domingues fica-me (cada vez mais) a incómoda certeza da nossa completa e crescente incapacidade de pensar aquilo o nosso habitat comum.
A pergunta impõe-se: não seria espectável, normal até, ouvir da boca de algum candidato a Presidente de Câmara uma ideia (uma ideia sequer) sobre aquilo que irão ser as nossas cidades daqui a 20 anos?

Há alguém que se atreva a pensar nisso? Naquilo onde iremos habitar daqui a 20 anos?

Adenda ás (duas) últimas entradas

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Vanessa Beecroft, VB50, 2001.


Pensando bem , o Stefano porventura gostará mais disto. E o Jorge Figueira também.

A pedido dos leitores

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Quando tudo o resto falha aparece sempre, em qualquer esquina, Stefano Riva.
Desta vez foi na Rua do Ouro, e a conversa estendeu-se pelo Secil, e pela desilusão que é, sempre, conhecer (ou saber de) autores que admiramos.
E é sempre admirável o (seu)humor e o (seu) bom senso.
Pelo meio lá surgiu a inevitável pergunta: então, tens um blog?

No fim da conversa, já do outro lado da Rua da Conceição, abafado pelas buzinas dos condutores que refilam com o António Costa, ainda ouvi qualquer coisa sobre publicar meninas nuas no Blog.













Ingres, La Grand Odalisque, 1814.


O Stefano sabe que lhe faço sempre as suas vontades.

Maison Tropicale

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Depois de Angela Ferreira ter dedicado uma bienal (de Veneza) à casa africana que regressa á Europa, é agora a vez de outra representação nacional mostrar a Casa Portuguesa a regressar a Africa.

Manuel Graça Dias, recém empossado comissário para a Bienal de Arquitectura de S. Paulo, prepara-se para regressa ao ultramar africano, levando na bagagem Pedro Maurício Borges, o Atelier da Baixa, de Pedro Ravara e Nuno Vidigal, Pedro Reis e Jorge Figueira. Faltará ainda escolher um quinto elemento para fechar a equipa de autores que serão responsáveis pelo conteúdo expositivo nacional da Bienal: 5 projectos de escolas nas 5 ex-colónias portuguesas: Cabo Verde, Moçambique, S. Tomé e Principe, Angola e Guiné Bissau.
Uma espécie de Maison Tropicale em sentido contrário, portanto.

A propósito dos eleitos recordo apenas, num seminário de há uns anos atrás, MGD se ter insurgido contra os arquitectos que queriam fazer parte desse restritissimo inner circle de críticos composto por ele próprio, também por J. Figueira e mais uns quantos.
Sem querer sequer procurar clarificar o papel do multi-facetado MGD (arquitecto, crítico, professor, ensaista, escritor, director, editor, humorista, teórico, especialista, júri ) - que muito aprecio - no universo da arquitectura, diria ainda assim que é curioso ver a selecção de autores passar pela escolha de um crítico assumido (isto e isto não contam, pois não?) para fazer projectos; ou não tivesse o próprio sido anterior comissário para a Bienal de Arquitectura de S. Paulo.

Ainda assim será curioso ver o resultado final. Será que MGD irá regressar à sua tão querida mitologia iconográfica do modernismo português em Africa (afinal não houve outro modernismo português); ou será que o discurso irá ser mais consentâneo com os dias de hoje, numa espécie de back to basics?

E a Unidade serve para quê?

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ou (título alternativo, e bastante mais à Unidade) Em frente Camaradas, que eu vou ali a já venho!























Unidade 3, Junho 1992: Capa
A Un.3, de Jorge Figueira, e suas curiosas afinidades com os Cadernos Politika!, de 1991 (que dedica grande parte das suas páginas à Arquitectura Portuguesa, com textos de Manuel Mendes. Ai afirma Siza: a ideia surge do desejo de prestar um serviço, não do desejo de criar algo novo, mas algo melhor!)


Passou tempo demais para me lembrar do facto que me levou a aceitar o convite para escrever na Unidade. Esqueci, aliás, a razão do convite, ou o tema que deveria seguir. Sabia apenas que devia escrever sobre a Unidade. E isso, claro, obrigou-me a definir um critério de análise da Unidade: do seu percurso, dos autores que com ela colaboraram, do seu conteúdo; coisas que não me eras assim tão aliciantes.
As minhas reservas estavam, claro, directamente ligadas à memória que tinha das Unidades no tempo delas: pouco ou nada me diziam. O que me colocava desde logo naquele grupo (de críticos?) que Figueira viria a citar (porventura a menosprezar) no editorial da Unidade 3 – com a certeza de quem não os queria entender –, que o chamava, a ele e aos seus pares, elitistas e integrados [na escola, entenda-se]. Restava-me cumprir esse vício de forma, moldado há já alguns anos, que me fazia também a mim encontrar em cada Unidade um elitismo poeticamente distante ou, em alternativa (para bem desde texto), procurar achar-lhes, ás Unidades, algum fundamento.

Admito até, ao relembrar a falta de unidade formal da Unidade, ter tido a tentação de afirmar que nunca teria havido qualquer tipo de ideia unitária que por ela fosse vinculada; como que se a Unidade tivesse sempre navegado à vista, dependendo mais do humor e da inteligência de cada um dos seus directores do que propriamente de algo que fosse comum a muita gente; coisa que, em limite, e por querer ser uma revista de estudantes, relegaria a Unidade para o campo da hipocrisia (auto) intitulada. Na verdade (pensava) teria sido presunção a mais chamar uma coisa de Unidade, quando esta representava apenas meia dúzia de ideias de meia dúzia de pessoas. Mas afirmar isso seria, se não uma falsidade, pelo menos um modo leviano, um tanto ou quanto pessimista, de olhar para a coisa; o que poderia incorrer em indesejável injustiça.





















Un. 3, Junho 1992: pág. 105
Fernando Távora a dizer: o Estilo não Conta!... afinal conta ou não conta?


Na minha memória a Unidade seria um objecto facilmente mapeável. Como uma espécie de decadência construtivista em época em que a razão de ser do construtivismo se tinha diluído na simples retórica politica, a Unidade colava-se à Escola e, sem no entanto perder o tom caustico (Não Há Romance Neste Escola, que alias está bem próximo do tom propagandístico), tomava como indiscutível a ideia que A Arquitectura Não se Ensina!
Essa tese tinha, entretanto, e com a naturalidade que quem já não necessitava de lutar contra nada nem contra ninguém, despertado particular aversão em muitos dos (recém-chegados) alunos no inicio da década de 90, sobretudo a partir do momento em que tinham julgado descobrir que a arquitectura (já) não se ensinava devido (apenas) á incapacidade de ensinar da própria escola.
O problema residia mais uma vez (talvez naquela altura pela primeira vez) no choque entre a tão almejada ideia de uma Escola de Tendência (unitária, já se vê) e um conjunto de indivíduos cada vez mais heterodoxos, incapaz de se rever da diatribe de quem não aceitava a multiplicidade de opções.

Nesse sentido a Unidade representava, para muitos (desde aqueles que a liam, aos outros a quem não lhes despertava qualquer tipo de curiosidade o conteúdo por detrás das suas capas), uma espécie de último reduto da própria ideia de unidade, oposta por isso à noção de indivíduo, e portanto avessa a qualquer alteração ideológica. E ainda por cima a revista era bem mais difícil de pôr em causa do que qualquer outra coisa vinda da academia; simplesmente porque a Unidade era feita do lado de cá das barricadas, como se fosse um agente infiltrado nas hostes niilistas e hedonistas que daí para a frente (cada vez mais) iriam popular nos bancos da Escola Pública.

Na verdade só alguns anos depois da minha passagem pela FAUP é que me permiti rever a minha posição sobre aquilo que até ali era a minha interpretação do conteúdo (heurístico, vá) da Escola do Porto; que me parecia também ele navegar à vista. A Arquitectura não se Ensina! aparentava ser (só) uma grande balda.
Foi preciso que Alves Costa publicasse as Considerações sobre o Ensino da Arquitectura para me (re)lembrar que o tiro ao alvo aos instrumentos pedagógicos da academia foi, para ele, como para muitos daqueles que ajudaram a construir a Escola do Porto, também (sobetudo) uma posição académica. Ou antes: uma posição altamente pedagógica; como se, por mais paradoxal que isso possa parecer, o ensino da arquitectura pudesse dispensar o ensino, apostando todos os trunfos na arquitectura.

Evidentemente que esse exercício de suspensão da academia necessitou do envolvimento de gente que mais cedo ou mais tarde foi incapaz de separar a arquitectura da FAUP. E essa foi já a Escola pela qual passámos na década de 90; cujas formas e os esquiços feitos em papel pardo faziam já adivinhar cansaços e vícios de forma que punham em causa a consciência (quer do corpo docente, quer dos próprios alunos que não tinham relação nenhuma com a história) da tão almejada Escola de Tendências.

È neste ponto, quanto a mim, eu se me apresenta, hoje, particularmente útil a Unidade. A Unidade é, sempre foi, um produto da Escola do Porto. Logo à superfície isso é demais evidente : desde a selecção de projectos publicados (com amplo recurso aos autores locais), ás entrevistas (com amplo recurso aos professores locais, e também a MGD, que se iria tornar em certo sentido o legítimo herdeiro das míticas aulas do Távora), aos temas abordados (escola, crítica à escola, prática académica, crítica à prática académica).
Mas, mais do que isso, a Unidade representou uma espécie de grande(ssíssimo) abanão. Abanão a todos aqueles que tinham adormecido pelo caminho ou, simplesmente, se esquecido do vontade comum que deu origem à Escola. Abanão aos alunos que, como eu, andavam a ler o pornógrafo Koolhaas em livro de bolso convenientamente encoberto pelas páginas da Profissão Poética. Um estalo, portanto.
















Politika!, 1991: págs. 74-75
Carrilho da Graça terá uma outra leitura: (sobre o) trabalho de Alvaro Siza. O aspecto mais significativo parece-me ser a intensidade artística.


Não é que houvesse lugar a qualquer tipo de Generation Gap com 20 anos (como aliás Figueira regista), mas antes uma espécie de necessidade nascida da letargia em que a escola tinha entrado com a (verdadeira) democratização do ensino; que se afastava em muito dos moldes humanísticos (chamemos-lhe assim) queridos da velha guarda; a que um grupo de alunos desejava, não abater, mas apenas e só acordar (ou então, porque não, substituir?).
















Politika, 1991: págs. 77-79.
Só a poesia conta, só a poesia fica; diz-nos Eduardo Souto de Moura

Assim, sem o esconder, a Unidade assumiu-se como modelo ideológico de rejuvenescimento de uma ideia que não era já maioritária na década de 90. Obliterada a Revolução, a capa da Arquitectura ou Chuva não estava ainda assim tão longe do Cadernos Politika! que se tinha ela própria debruçado sobre o ponto de rebuçado da Escola do Porto (Carrilho da Graça incluído) algures em 91; e lá encontramos (os) nomes que depois iríamos acompanhar nas páginas das Unidades uma e outra vez, sem muita surpresa; ao mesmo tempo que se trincava sem qualquer pudor uma outra Kapa, bastante mais liberal, na qual Jorge Figueira apareceria, encarnando perfil de poeta de gola alta.






















Kapa n.º6, Março 1991
Entretanto. do outro lado da barricada, meninas nuas pedem a nossa atenção


Se a Unidade foi uma revista de alunos de uma escola, foi-o sobretudo, a revista dos alunos da Escola do Porto quando a Escola do Porto já não lá estava. Mais poética e contemplativa da sua condição do que propriamente atractora de fogos, de gestos radicais mas ainda assim românticos e saudosistas, permitia-se falar com Luís Cunha (uma curiosidade para os alunos) e discutir com Manuel Graça Dias, ao mesmo tempo que se passeava pelas paredes de betão de uma escola que nunca mais estava pronta.
Há mérito nessa Unidade; e, sobretudo, há mérito na vontade que fez essa Unidade. Porque não havia de facto nenhuma Unidade. Se os seus responsáveis são hoje membros da academia e/ou corresponsáveis pela arquitectura portuguesa institucionalizada, são-no porque tinham já um envolvimento grande com a prática disciplinar que lhes era próxima (o que é assinalável, se pensarmos que todos foram universitários da década de 90); e a Unidade foi só o primeiro sinal da sua capacidade de envolvimento e de compreensão pelo contexto que lhes era próximo (quer em termos geográficos, quer em termos intelectuais); pelo que não será de espantar que, passados alguns anos, os mentores da Unidade fossem já responsáveis por caracterizações mais ou menos estáveis da produção arquitectónica recente em Portugal.

Mesmo em termos de registo, a Unidade sempre foi tento uma certa unidade. Há um lado poético na coisa que, aliado a uma certa militância, iria, se não criar, pelo menos sedimentar um certo ponto de vista sobre aquilo que poderia ser o contorno intelectual da arquitectura erudita feita com traços do Porto. Notou-se através dela a crescente tematologia situacionista, que depois iria ter continuidade noutros momentos editoriais de Insi(s)tente profundidade, e depois uma aterragem suave nos jardins entretanto arranjados da FAUP, já na última U6, com ecos na futura Dafne.

É quase inacreditável ter havido uma Unidade sem qualquer unidade á sua volta. Foi uma revista que teve sempre consciência do seu umbigo (mesmo quando tinha cotão), quando muita gente já não tinha (ou não era capaz de encontrar) o seu próprio umbigo.
E por isso o fim dessa Unidade coincide com o fim de um certo modo de ir à Escola. Enquanto a Unidade 4 estava a ser discutida num café qualquer do Porto por um grupo de alunos obscuros (julgo que na época se vestiam todos de preto), todos os outras andavam a pensar sobre a melhor forma de sair dali. Foi talvez esse o único grande pecado por ela cometido: os ratos são sempre os primeiros a abandonar o navio, terá um dia pensado a Unidade.
















Kapa n.º6, março 1991: págs. 6-7.
Lado a lado com o inocente e muito liberal Independente, Jorge Figueira confirma Souto de Moura: a poesia é o que importa! As meninas nuas ficarão para mais tarde.


Nesse mesmo sentido poder-se-ia dizer que a grande virtude da Unidade é também a sua falência: fazer uma revista encerrada na ideia de unidade, quando nada a podia já sustentar. E no entanto, a Unidade e a Escola que a abrigava lá foram produzindo alguns dos momentos da cultura arquitectónica nacional dos últimos tempos. Se não os mais felizes, pelo menos os mais inesperados, contemplativos, inteligentes, sarcásticos e mordazes, românticos e anti-românticos simultaneamente.

E curiosamente, ou não, esta continua a ser a condição e o modo de estar de quem os fez. E ainda bem. Porque ela, a Unidade, É Bem Feita!

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