De visita a Berlim o Presidente da Republica decidiu abrilhantar a sua comitiva com Arquitectura: Portugal fora de Portugal. A exposição, organizada pela Ordem dos Arquitectos, comissariada por Ricardo Carvalho, abrange 21 projectos da autoria de arquitectos portugueses “construídos ou em vias de o ser”.
O facto em si é surpreendentemente positivo. Será a primeira vez que uma visita de estado aposta de forma tão clara na criação arquitectónica como fonte de promoção do país; concluindo-se que a arquitectura começa a poder ser vista como algo que serve (para) alguma coisa
Apesar de ter lugar na reputadíssima Aedes, a exposição diverge da programação habitual da galeria berlinense: ao invés de se mostrar arquitectura como arquitectura, Portugal Fora de Portugal assemelhar-se-á mais a uma espécie de Best Of – em tudo semelhante aos Portfólios empresarias que acompanham as visitas dos nossos chefes de estado ao estrangeiro – mais do que propriamente uma reflexão acerca o conteúdo dos projectos nacionais.
O objectivo é no entanto claro: vender a vitalidade e a disponibilidade da arquitectura portuguesa contemporânea no estrangeiro; coisa que não é assim tão descabida quanto possa parecer à primeira vista.
E neste sentido o pragmatismo de Portugal fora de Portugal é uma espécie de contraponto ao que têm sido as últimas retrospectivas internacionais sobre arquitectura made in portugal; bastando relembrar a etérea presença nacional na última Biennale, da responsabilidade de José Gil e de Joaquim Moreno.
A resultar, a visibilidade do programa Portugal Fora de Portugal no contexto de uma comitiva de estado trará consequências positivas para a arquitectura nacional. Num plano ideal, a demonstração que Ricardo Carvalho opera traduzir-se-á num potencial aumento das solicitações internacionais a autores portugueses; coisa que, desconfio, só ainda não acontece por total ausência de uma politica objectiva de promoção da arquitectura que, como vimos, nem mesmo as representações oficiais portuguesas em eventos maiores conseguiram até agora colmatar.
Portugal Fora de Portugal é por isso uma exposição comercial. E ainda bem.
No entanto, a ser verdade que a estratégia de Ricardo Carvalho é expor a arquitectura portuguesa como um produto, dir-se-ia que os critérios que pautaram a selecção de obras e autores convidados não são tão claros quanto isso.
Se é verdade que a importância de ter algo de simbólico e representativo da haute couture nacional obrigou a (inutilmente) repetir Siza – o único autor português que o envergonhado responsável da Aedes admite de facto conhecer – e se, em nome do respeito pela visão de Herzog, a jovialidade dos Sami se tornou ali presença obrigatória; ainda assim sobraria espaço de manobra para R. Carvalho, em coerência e objectividade, optar por um modelo claro: uma exposição de apontasse a crescente multiplicidade e a heterogeneidade que vem emergindo no panorama arquitectónico nacional. Ou seja: uma montra daquilo que é o futuro da arquitectura em Portugal, e não uma espécie de retrospectiva desse passado que se vai alongando pelo nosso quotidiano.
Na verdade Ricardo Carvalho terá confundido uma representação portuguesa oficial com uma espécie de mostra de tendência. A própria jornalista do Público, Alexandra Prado Coelho, com viagem a Berlim patrocinada pela Ordem dos Arquitectos, ainda procura adivinhar o que vai no ar, quando pergunta ingenuamente se “haverá [de facto] uma arquitectura portuguesa?”; embora rapidamente se esqueça da sua própria dúvida, não registando qualquer tipo de esclarecimento no artigo que depois escreveria no P2.
Evidentemente Ricardo Carvalho não precisaria de articular palavreado algum para esclarecer a duvida da jornalista, fosse ela minimamente informada do que estava em sua presença: uma evidente crença num modo de pensar e num modo de fazer, a lembrar a malograda 9H. Tudo isto confirmado pelas presenças de Carrilho, de Souto de Moura, de Barbini, de José Adrião, de Pedro Reis, de Aires Mateus, do Atelier do Corvo, de Pedro Domingos e de Inês Lobo, e até dos definitivamente nacionalizados ARX.
A escolha não foi coerente de todo, ou não fosse a presença na exposição de gabinetes como os Promontório ou o Risco; que (só) se explica pela necessidade de demonstrar obra feita, algo escassa no grupo dos mais eruditos; facto esse que ainda assim não retira força à afirmação de Carvalho: isto é (o melhor d)a arquitectura portuguesa (lá fora).
Podemos, claro, discordar da tese curatorial em que se baseia Portugal Fora de Portugal, relembrando autores nacionais com projectos fora de portas: Carlos Pedro Sant’Ana, o colectivo Mob, Santa-Rita, Bernardo Rodrigues, Reed, Marcos & Marjan, Campos Costa, Camilo Rebelo, Ateliers de Santa Catarina, A|umStudio, Cannatá e Fernandes; para nem falar do universo de gente que projecta coisas publicamente desconhecidas um pouco por toda a parte. Na verdade não deve haver arquitecto português que nunca tenha tentado a sua sorte num concurso internacional – e quanto digo internacional não me refiro propriamente a concursos portugueses, com júris nacionais –, havendo até aqueles que viram seus trabalhos reconhecidos (Nuno Montenegro, por exemplo, para o centro de congressos de Madrid).
E no entanto devemos aceitar sempre a escolha de Carvalho – afinal uma d’entre mil escolhas possíveis para desenhar o conteúdo de uma exposição como esta –, alegando que aquela selecção reflecte de facto aquilo que o comissário entende ser a melhor expressão da arquitectura nacional. Aceito; até porque acredito na genuinidade da ideia.
No entanto sublinhe-se aqui um pormenor. Um pormenor, digamos, do âmbito da ética, que pouco tem haver com as escolhas pessoais de Ricardo Carvalho para Portugal Fora de Portugal: é que a visão da arquitectura portuguesa com que o comissário presenteia o público de Berlim corresponde, em limite, à mesma versão que Carvalho tinha já apontado para a Bienal Ibero-Americana de Arquitectura em 2008, ou para a selecção do mesmo de obras nacionais a concurso para o Prémio Mies 2009 (uma estratégia falhada, como sublinha AM); que é, na verdade, muito semelhante aqueloutra estratégia que João Belo Rodeia levou para a Bienal Ibero-Americana de Montevideo de 2006, por sua vez coerente com a selecção que Gonçalo Byrne levaria até Lima, em 2004. Isto para não falar em semelhante filosofia seguida em selecções por Ana Tostões (prémios Mies, vários; e já agora responsável pelo texto do catálogo de Portugal fora de Portugal), ou pela dupla Jorge Figueira / Nuno Grande (Bienal S. Paulo 2007).
Poder-se-ia eventualmente falar de uma estratégia consertada ao modo de Eduardo Prado Coelho (uma vez ouvi-o defender que as representações nacionais deveriam apostar sempre nas certezas, mais do que nas dúvidas, por mais prepositivas que elas nos parecessem: Lobo Antunes e Saramago na Literatura, Paula Rego nas Artes, Oliveira no Cinema, e assim por diante).
Mas não. Na verdade há, neste modus operandi replicado até à exaustão um problema institucional de fundo, que passa pela falta de transparência na escolha (no convite, se quisermos) dos Júris e/ou Comissários internacionais por parte da Ordem dos Arquitectos; que é, por definição, uma instituição que deveria dispensar-se de dizer o que é, ou o que deve ser, a arquitectura feita em Portugal,
Um (pequeno) exemplo: há já alguns anos fomos, no atelier, convidados a integrar a short list de autores portugueses ao Prémio Mies. Até hoje não sei de quem partiu tão amável convite, ou quem terá sido o representante nacional do dito júri; e só há pouco tempo percebi que a responsabilidade de encontrar o selecionador nacional do dito prémio faz parte dos serviços que a Ordem dos Arquitectos presta aos seus associados.
Não que o exemplo faça a mais pequena diferença. No entanto o facto de não sabermos quem está por detrás dessas escolhas desresponsabiliza automaticamente este Júri e/ou Comissário das (boas e más) escolhas que faz em nome da produção arquitectónica em Portugal.
Aparentemente João Belo Rodeia, por mão própria ou através (neste caso) de Ricardo Carvalho, tem uma opinião irrefutável sobre aquilo que é, ou não, arquitectura portuguesa de alta qualidade. Óptimo que assim seja. Todos temos a nossa, julgo.
O que a Ordem dos Arquitectos não pode é apostar nessa mesma ideia como facto consumado; pela simples razão que há cada vez mais coisas a acontecer. Coisas que precisam de espaço para respirar. Coisas que são potenciadoras de outras realidades, Coisas que, no mínimo, são mais curiosas que a repetição (recordo, a propósito de uma entrevista que Bernardo Rodrigues deu a um pasquim dominical, onde afirmava, não sem alguma revolta, que a arquitectura em Portugal pautava-se exactamente pelo “Fado da Fotocópia”).
Era bom, claro, poder discutir este assunto. Era bom, claro, poder debater-se aquilo que são estes paradigmas que tanto Rodeia como Carvalho advogam. Seria bom até perceber porque razão acham que autores como os que estão presentes no Portugal Fora de Portugal terão obra com maior significado do que aqueles que não lã estão.
Seria bom saber até que ponto a China de Bernardo Rodrigues não será mais representativa do que a China dos Sami e, sobretudo, qual das visões que um e outro nos propõem tem condições para se tornar numa verdadeira reflexão em torno do que é a criação arquitectónica em Portugal, hoje.
Com isto estou a dizer que há pouca coisa que eu não concorde nas escolhas de Carvalho, para este Portugal Fora de Portugal, ou para qualquer das exposições, concursos ou prémios que o comissário e/ou critico foi, é ou ser+a responsável. À parte de um ou outro projectos medíocres, está lá, sempre, parte do trabalho de autores cujo trabalho é detentor de qualidades únicas, e cujo profissionalismo e a validade do conteúdo das suas propostas é inegável.
No entanto parece-me do mesmo modo desejável, necessário, urgente, que a Ordem deixe de interpretar as oportunidades que são dadas à arquitectura portuguesa como oportunidades que são dadas à visão que os seus responsáveis têm da arquitectura portuguesa; ou antes: aos responsáveis que terão uma visão (qualquer) sobre arquitectura portuguesa.
Diria mesmo que urge clarificar o modo com que a Ordem escolhe quem escolhe. Que essa escolha deixe de ser um prémio a quem o faz, e passe a ser uma responsabilidade (e uma honra, por que não?) para os comissários; e que essa escolha possa olhar para a arquitectura de uma forma mais generosa, mais curiosa, mais democrática.
Adenda para evitar mal-entendidos: nós por cá seremos o único atelier nacional que não tem projectos para fora.
Todas as imagens via Presidência da República
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11 comentários:
Assino por baixo.
deixei res-posta em:
http://odesproposito.blogspot.com/2009/03/get-out-of-here.html
Dupont:
Obrigado pelo toque.... mas acho que não me chamaram porque deixei de ser português.
Aliás, sou ex-arquitecto e ex-português.
Quem queira saiber o que ando a fazer agora, passe aqui por BCN que tomamos um café...
Ab.…
Dupont
Resposta à resposta 1: agradeço.
Resposta à resposta 2: deixei resposta a resposta no sítio referido na resposta
Resposta à resposta 3: Não, não e não: não deixaste de ser português (apenas te esqueceste momentaneamente, por d'entre os sotaques que para aí andam), não deixaste de ser arquitecto (lamento mas não sabes fazer outra coisa...bom, talvez arranjar pneus de bicicleta, mas isso seria uma história muito longa), e não se escreve Dupont et Dupont, mas sim Dupond et Dupont.
Folgo em ver-te. Mesmo muito.
ab
Dupond
ps. café será mesmo em Lx. Pago eu ou o AM (que me está a dever um jantar no restaurante aqui mesmo em baixo).
não abusem, não :)
já basta ter que pagar as portagens e ajudar os pobrezinhos da Galp
não tarda nada o jantar (um chá no deserto!?) passa-se, como a miragem, para a outra margem :)
Não te preocupes. Estava só a pensar em ir à tasca do Sr. Tavares, que é mesmo aqui à minha porta. Se não souberes onde é pergunta ao carlos.pedro que ele diz.
Pedro, nem sei o que te diga...
Seguindo o exemplo de uma conversa antiga, por ocasião da última representação portuguesa na Bienal de Veneza, escrevi uma carta aos seus curadores.
(Um deles era o José Gil, o do "Portugal, Hoje: O Medo de Existir")
A carta centrava-se na lógica, que Gil tão bem analisa, da necessidade do reconhecimento "lá fora" para não se ser ignorado cá dentro.
À luz da clareza com que Gil lê os portugueses, é-me impossível de perceber as suas escolhas naquele contexto.
Os jornais portugueses lá fizeram eco aplaudindo a participação portuguesa - que também patrocinava as viagens dos jornalistas/críticos/articulistas. Como se veio a comprovar, no contexto da Bienal, a nossa participação foi pouco relevante, para a arquitectura portuguesa nada significou e para Eduardo Souto Moura ou Ângelo de Sousa habituados (e merecedores) de outros palcos bem maiores, apenas significou mais uma exposição.
Que porra.
O estranho caso das representações nacionais em Bienais e outras coisas mais é que, ao contrário dos outros países, Portugal nunca se fica por (mostrar) aquilo que tem. Achamos, claro, que é sempre melhor ter uma visão intelectual, única, especial, do mundo (uma espécie de visão dgArtes, portanto), onde o onírico faz parte do nosso quotidiano.
Na verdade o que me parece é que lidamos mal com a realidade.
Desculpem a interrupção. Por motivos alheios ao normal funcionamento da arquitectura portuguesa, esta ficção foi interrompida. A realidade segue dentro de momentos…
Ainda a respeito do comentário do TMS, acho curioso ir buscar o nosso (2º, vá lá) maior pensador e também um doutorando a Princeton para escolher a coisa que decidiram chamar de representação portuguesa oficial na Bienal.
Podiam ter perguntado ao NBC, ou ao Siza; que lhes saía mais barato...bom, talvez não.
E a resposta do José Gil? Já chegou na volta do correio, ou está com medo de existir?
A resposta não chegará nunca!
Mas haverá resposta?
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