Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Preencher (como n) o passado

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Com a (recente) elevação d’As Catedrais a leitura (obrigatória?) do inner circle autárquico lisboeta várias perplexidades m’assaltam, sem que consiga no entanto libertar-me dessa outra (bem mais constrangedora) dúvida que o devia assaltar a ele: ao inner circle: não seria espectável, normal até, ouvir da boca de algum candidato a Presidente de Câmara (ou, vá lá, do seu staff eleitoral) uma ideia (uma ideia sequer) sobre aquilo que irá (irão) ser a(s) nossa(s) cidade(s) daqui a 20 anos?

Mas não! Nada!, a não ser, por ora:

Durante anos, este cinema [Capitólio], que também foi teatro, e pista de patinagem, serviu a boémia Lisboa. O facto é que durante tantos outros anos este espaço foi deixado degradar e ninguém por ele se interessou.
Teria Frank Gehry compreendido melhor o que fazer com este espaço? Teria a intervenção que programou significado para a cidade? Com certeza que sim, mas perdemos a oportunidade de ver requalificado um espaço cheio de história e memória. A ver vamos o que vem por aí, tudo farei para que vingue e nos preencha como no passado.


João Mesquita, em amável contributo (à procura de polémica arquitectónica, é certo, mas ainda assim amável) na
entrada anterior
Analisemos o teor desta curta prosa, da autoria de João Mesquita (a quem aproveitamos para dar as boas vindas), intimo da prosaica ideia de ter um Frank O. Gehry em Lisboa e, depois, activo acompanhante do recente processo de Requalificação do Parque Mayer.

Sabemos, claro, da genuína preocupação que um autarca moderno venha a ter com o Parque Mayer. Como o deve ter com a Baixa. Ou com o Cais-do-Sodré. Com a Av. da Liberdade. Ou o Bairro Alto. Ou, já agora, com toda a cidade.
Não desconfiamos, alias, um segundo sequer, que essa preocupação exista: a preocupação de ter uma cidade civilizada, onde seja (mais) simples viver, (mais) agradável trabalhar. Uma cidade (mais) acolhedora. (Mais) simpática. (Mais) fácil.

E no entanto aquilo que nos é oferecido em troca de termos escolhido viver em Lisboa, por parte desses autarcas modernos – preocupados com uma cidade civilizada, onde seja (mais) simples viver, mais agradável trabalhar. Mais acolhedora. Mais simpática. Mais fácil – é, apenas, o marasmo.
Esse marasmo que envolve há décadas um bom punhado de vereadores, dezenas de assessores, milhares de funcionários, intermináveis horas passadas em assembleias municipais, discussões estéreis, burocracias vãs.

Ao contrário do que Tanner nos quer mostrar, Lisboa não é uma cidade anacrónica. O que é anacrónico é o método de lidar com ela. Com Lisboa.

[faz lembrar aquela resposta dada pela personagem interpretada pelo Martin Shean no Apocalypse Now, quando Kurtz/Brando o questiona sobre o seu método: I Don’t see any method… at all]

Lisboa nada sabe do seu futuro.
Um futuro que se perde em polémicas de parangona. Onde um túnel (um simples túnel) ou um Casino (um simples casino) se tornam em empolados debates de dimensão nacional. Onde um cartaz (a mais ou um cartaz a menos na rotunda), uma esplanada (na Avenida), ou um prédio (no Rato), obrigam a intermináveis, absurdas, ensimesmadas discussões entre todos aqueles que são pagos para gerir, para prever, para fazer cidade; e não para fazer aquilo que fazem os dias inteiros: perder tempo [que é o mesmo que dizer: perder cidade].

Lisboa é uma cidade dispersa em questões menores, perdida em frugalidades de gabinetes e de corredores – esses gabinetes e esses corredores de que tanto gostam as pessoas que julgam gostar de política. Uma cidade mandada por gente cujas ideias muitas vezes se resumem a mandar limpar uns graffitis de vez em quando, e onde a grande polémica do urbanismo é, hoje, um painel de azulejos numa casa (já agora: menor) há muito perdida.

Meu caro João Mesquita: nada, mas mesmo nada teria a opor a um projecto do Gehry para o Parque Mayer, ou para outro lado qualquer. Como nada tenho a opor à ideia de requalificar um espaço cheio de história e cheio de memória.

Entenda: é que toda a (outra) cidade está cheia de história e cheia de memória. História e memória essas bem mais significativas do que a meia dúzia de anacronismos misturados com o cheiro de farturas, mulheres de mau porte e edifícios em idade de reforma, que fazem, todos juntos, esse seu passado. Um passado que, entenda-se, jamais será preenchido: um passado estéril e inútil, tanto como as ruínas desse Capitólio que tanto lhe agrada (admito: a mim também me agrada; embora, provavelmente, por outras razões).

Gehry pareceria até uma boa ideia, se óbvia não fosse a ingenuidade do olhar de quem um dia se lembrou de repetir esse brilhante efeito Bilbao que tanto ofusca a falta de objectivos concretos.
Gerhy seria uma boa ideia se sustentada por um concurso que (vá lá) acabou por acontecer.

Por isso: em vez de pensar no passado não seria melhor para todos nós – por arrasto, para si também – tornar claro aquilo que vos faz mover?
Esquecer aqueles fait divers que enchem os vossos Twitters e os vossos jantares partidários, deixar de ler as sondagens do Expresso aos fins-de-semana , pôr de parte a obrigatoriedade de se preocuparem com aqueles que com nada e com ninguém se preocupam, deixar de fazer fretes, esquecer essa ideia tão em voga de que um cargo é apenas a catapulta para um outro cargo; e, por uma vez, pensar seriamente aquilo que Lisboa será daqui a 20 anos?

É que, degradada, está Lisboa inteira. E o futuro dela, sobretudo.

4 comentários:

João Miguel Mesquita disse...

Meu Caro apenas dizer-lhe que muito aprecio o seu comentário e ainda mais a forma despojada e clara como o faz. Sim é verdade:

“Lisboa nada sabe do seu futuro.
Um futuro que se perde em polémicas de parangona. Onde um túnel (um simples túnel) ou um Casino (um simples casino) se tornam em empolados debates de dimensão nacional. Onde um cartaz (a mais ou um cartaz a menos na rotunda), uma esplanada (na Avenida), ou um prédio (no Rato), obrigam a intermináveis, absurdas, ensimesmadas discussões entre todos aqueles que são pagos para gerir, para prever, para fazer cidade; e não para fazer aquilo que fazem os dias inteiros: perder tempo [que é o mesmo que dizer: perder cidade].
Lisboa é uma cidade dispersa em questões menores, perdida em frugalidades de gabinetes e de corredores – esses gabinetes e esses corredores de que tanto gostam as pessoas que julgam gostar de política. Uma cidade mandada por gente cujas ideias muitas vezes se resumem a mandar limpar uns graffitis de vez em quando, e onde a grande polémica do urbanismo é, hoje, um painel de azulejos numa casa (já agora: menor) há muito perdida.”

No entanto deixe-me dizer-lhe que mais do que escrever é preciso participar, ajudar os que pensam exactamente assim a mudar, se não corremos o risco de ser um espécie de treinadores de bancada.
Caro Pedro Machado Costa agradeço muito as suas palavras e acredite que o caminho é muito próximo daquele que indica, a ver vamos se conseguimos rapidamente lá chegar…

AM disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
AM disse...

lisboa boa oa
umbigo bigo igo
boring... :)

as generalidade e as grandes narrativas (está melhor, este paleio!?...) não são inimigas das causas concretas (nem das causas do "concreto"... armado!) :)
discutir o futuro da cidade (de qualquer cidade) é TAMBÉM discutir o esquerdo / direito (e a esquerda... e a direita...) do "caso" do largo do rato e ou (no nosso caso e apenas para dar outro exemplo que espicaçou a torcida...) postar sobre o (mais direito que torto...) novo (velho...) museu dos cochos...
discutir cidade é discutir política e isso não vai lá sem meter a língua (oops) nas falhas (que nojo) do(s) presente(s)... :)
deixa lá o futuro (mas que raio de mania...) em paz! :)
"Lisboa nada sabe do seu futuro"!?
Ora ora, meu caro PMC, ninguém sabe nada do (seu) futuro!!! :)))
porque é que lisboa (ah, pois, o "centro do universo"...) havia de ser diferente!?... :)

pela minha parte não apenas deixei de ler os pasquins de referência como deixei mesmo a vossa aldeia :)
incursões estratégicas e chega! :)

com os cumprimentos odp :)

Pedro Machado Costa disse...

O debate segue n'O Despropósito, em http://odesproposito.blogspot.com/2009/05/peacock.html, e em http://odesproposito.blogspot.com/2009/05/restricoes.html

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