Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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A espera

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São Miguel é um lugar paradoxal. Na ilha coexiste o mais sério caso de cosmopolitismo (médico de família em Boston, compras em Nova Iorque, concertos em Lisboa, estudos em Paris, um jantar na ilha vizinha) com uma total distanciação daquilo que é ser cosmopolita.

Dir-se-ia que esse cosmopolitismo está profundamente enraizado num certo modo de vida das gentes da terra. Basta ler Nemésio. Ou recordar os nomes de família mais sonantes. O açoriano sempre dependeu de uma espécie de troca com o exterior.

Ora, o que mais impressiona na Ilha é essa contradição visível entre cosmopolitismo e inércia.
As cidades são atarracadas e atamancadas sobre si próprias, como que um engelho feito casario.
As gentes - aquelas gentes que nunca tiveram médico de família em Boston, nem estudaram em Paris -, têm os olhos cravados no infinito.
Algumas andam descalças, como que se o mundo lhes tivesse pedido para esperar. Sentam-se num degrau junto à porta das suas casas pequenas, todas iguais, e todas fechadas para o mar que está logo ali atrás.

Os Açores foram dos últimos sítios do mundo onde, até há pouco tempo, era permitido caçar baleias. Quando não havia ainda petróleo que iluminasse as candeias das casas, os Açoreanos saíam da ilha em barcos mínimos em busca do óleo de baleia (na verdade, a única coisa realmente aproveitável depois de tamanha matança a tamanha coisa).










O Arco e a Orquídea [algures na China], Bernardo Rodrigues, 2007

Surpreendentemente, aquilo que era mais violento na caça às baleias (chamemos-lhe assim) não era propriamente a cena na qual os arpoeiros fustigavam os pobres animais que, ao senti a dor do arpão aferroado, imediatamente mergulhavam nas águas. Nem sequer era o momento em que a força do cachalote fazia guinar o barco; e quando os homens engoliam em seco, esperando que o monstro não tivesse forças para os arrastar para as profundezas. Não.














Moby Dick, John Huston, 1956.

O mais violento numa caça à baleia era a espera: sentados no pequeno barco, dias a fim, esperando pacientemente que o animal surgisse à sua frente.






















Com escreveu um dia Rui Zink: A caça não era, com eu julgava, o atirar do arpão que jazia no fundo do barco, amarrado a um rol de corda que, de tão grossa, mesmo enrolada, criva uma espiral que alastrava por toda a proa – Muitos já morreram ao deixar o pé ali – tinham-me dito. – Foram logo de um jorro arrastados pela baleia. Não. A caça, a caça era a espera.

A caça das baleias acabou há muito, é certo. Mas a espera, a espera nos Açores contínua a ser a tarefa mais árdua de quem ali vive.

1 comentários:

alma disse...

Os Açoreanos são de 1ª ordem :) mas não se esqueça que são portugueses :)
Onde o olhar se perde na linha do horizonte :)) a espera faz parte do dia a dia :)
O arquipelago é mágico :)))

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