Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Arquitectura & Não

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Estando para aqui metido com os meus botões, tinha por certo nem sequer pensar sobre o assunto. Não é que à partida o fenómeno não tivesse qualquer interesse. Tinha-o; nem que fosse por ser o único prémio que se dedica à crítica de arquitectura.

Só que a inercia é de algum modo mais fácil de cumprir do que o confronto com tamanha singularidade dos resultados desta primeira edição deste Prémio AICA de Crítica de Arte; pelo que a opção em me distrair com esses meu botões parecia-me decisão bem mais profícua do que perder tempo a tentar perceber as opções do Júri do referido prémio.

Ora: assim estava para aqui decidido a não largar os meus botões - sobretudo o undo - quando, lá no gmail, recebo orgulhosa comunicação, como que a pedir, enfim, que fizesse aquilo que estava decidido a não fazer: tentar perceber as opções do Júri do referido prémio. E tentei. Com esforço e algum afinco, não dispensando uma revisitação ao Paredes Meias (S. Araujo, P. Mesquita, 2009), e até uma breve incursão sobre esse livrinho chamado de Arquitectura & Não (N. Grande, Caleidóscopio, 2005). Tentei. E no fim: fiquei na mesma. Que dizer?: não cheguei a qualquer conclusão sobre o que passou pela cabeça de José Manuel Fernandes e Manuel Graça Dias em darem um prémio que supostamente premeia crítica de arquitectura a um documentário e a uma tese de doutoramento.

Não é que Graça Dias / José Manuel Fernandes deixem de ter razão: afinal até podemos concordar que Paredes Meias é "detentor da abertura, a acuidade e a riqueza de leituras, no quadro da arquitectura e urbanismo contemporâneos (... e também) as continuidades e rupturas que o trabalho tão bem ilustra, no tempo longo da concepção e construção de uma obra edificada com significativo impacte na cidade"; admitindo-se até a hipótese da utilidade, na referida obra pela "presença de múltiplos pontos de vista (...) bem como a pluralidade de discursos conducentes à possibilidade de formação de uma perspectiva crítica por parte do espectador; foi destacada, também, entre as restantes diversas qualidades, a grande coerência formal do objecto".
E no entanto a questão aqui é, simplesmente, estarmos perante um documentário, não uma construção crítica.

Se o documentário "possibilita a formação de uma perspectiva crítica por parte do espectador" isso só vem provar as virtudes de Paredes Meias enquanto obra documental; mas não explica em nada como é que a referida obra possa ser entendida como um exemplo de reflexão crítica em torno da arquitectura, muito menos no supostamente ambicioso patamar disciplinar que um Prémio de Crítica de Arte exige; que não passa tanto pelo espectador, mas exactamente pelo crítico. E interessa não esquecer que este prémio é dado por uma associação que se auto-denomina de Associação Internacional de Críticos de Arte

Quanto à menção honrosa dada à "dimensão, quantitativa e qualitativa, da (...) produção, variada e de múltiplo alcance, tanto de carácter histórico como teórico e crítico, na área da Arquitectura" por Nuno Grande, e sobretudo à "Dissertação (...) Arquitecturas da cultura: Política, debate, espaço/génese dos grandes equipamentos culturais da contemporaneidade portuguesa, uma obra de grande alcance crítico e analítico, no âmbito de uma possível leitura de uma Arquitectura oficial e de regime" parece que o Júri terá confundido a necessária amplitude, utilidade e função da crítica d'arquitectura com a investigação académica que, por definição, é pouco dada à especulação - dirigida, certeira, directas - própria da crítica.

De resto, acompanhado de facto a "dimensão quantitativa, variada, tanto de carácter histórico como teórico" por parte de Nuno Grande, não é com facilidade que lhe descubro a construção de um discurso que permita a todos aqueles que estão envolvidos na produção arquitectónica nacional ultrapassar os seus próprios paradigmas; sobretudo por N. Grande fugir sempre que pode de um registo que ultrapasse os limites do discurso institucional, o que de certa forma contraria a própria actividade a que, para lá dos meus botões, gosto de chamar de crítica de arquitectura. Mas isso sou eu, que gosto de estar para aqui com os meus botões. Sobretudo com o undo.

3 comentários:

Anónimo disse...

dá-les com a parte dura....

AM disse...

maravilho "trexo" de Nuno Grande em:
http://odesproposito.blogspot.com/2006/04/posta-perpiscaciana-ou-os-parntesis-os.html
há que ser muito mauzinho e inbejoso para não reconher o talento do escriba...
o doc. é bom, mas daí a...

(biste, reparaste, que os blogues ficam fora dos eventuais premiados?...)

Anónimo disse...

Não fosse este post, e provavelmente não teria voltado a equacionar a hipótese de comentar. É que, sobretudo no que diz respeito ao «Paredes Meias», a sua surpresa foi a minha (creio que na notícia do Público não havia qualquer referência a Nuno Grande; em todo o caso, e como bem nota, premiar uma tese de doutoramento neste contexto tem o que se lhe diga).

Creio, porém, que há que ler isto à luz da ausência de discussão, em Portugal, do que é/deve ser a crítica de arte. Não é que esta discussão não exista; simplesmente acontece estar limitada a uns poucos domínios (crítica literária, crítica de cinema, crítica de certos géneros musicais, e não muito mais) e quase sempre em reacção a algo (situação típica: o público não gosta da crítica, manifesta-se, o(s) crítico(s) reage(m); mais excepcionalmente: o autor da obra visada não gosta, manifesta-se, o crítico reage).

O resultado está à vista: a crítica de qualidade escasseia (ou, dito de outro modo, tem pouca visibilidade, especialmente se compararmos com a crítica que se lê em qualquer suplemento de um jornal diário ou semanário estrangeiro), está nas mãos de umas quantas pessoas que vão assinando umas coisas. No limite, e como se viu, temos um Prémio de Crítica de Arte a ser atribuído a um documentário como aquele.

Mas eis que, e nem de propósito, dois dias depois deste seu post, foi publicado este sobre a crítica de design, o que me fez pensar que não deixava de ser uma pena o PMC não aproveitar o balanço e discorrer um pouco mais sobre o que é/deve ser a crítica de arte/arquitectura (já temos uma ideia do que não deve ser). Nós agradeceremos.

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