Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Fazer arquitectura não é muito diferente de jogar xadrez: sabendo-se à priori do objectivo - que sempre o mesmo -, basta-nos ter consciência das peças que temos há nossa disposição, da sua localização relativa no tabuleiro de jogo, e das eventuais dificuldades que nos vão deparar. A partir daí limitamo-nos a traçar a melhor estratégia que formos capazes. E depois: depois é pegar numa peça qualquer e colocá-la noutro lugar.

Não sendo as regras do xadrez propriamente complicadas (afinal também elas podem ser escritas na parte de trás de um bilhete de autocarro) sabemos, evidentemente, que a beleza do xadrez está em saber tirar o máximo partido dessa relação entre as peças, da sua subtil alteração, e daquilo que conseguimos ler para lá da aparência (quase sempre aborrecida) de um tabuleiro.

Saber jogar xadrez equivale, em certo sentido, a saber ler aquilo que se esconde para lá da aparência das peças, e transformar esse conhecimento numa ideia que possa ser posta em prática. Quanto mais abrangente for essa ideia, mais alternativas se nos abrem.
Quanto melhores jogadores formos capazes de ser, maior será a capacidade de pôr em prática essas alternativas, e maior será também a nossa capacidade em estabelecer uma estratégia que não seja esmagada após duas ou três jogadas.

Sabemos, claro, que a diferença entre um bom jogo de xadrez e um mau jogo de xadrez não está exactamente no estrito cumprimento do objectivo final: afinal a qualquer iniciado é dada a hipótese de ganhar o jogo, sendo evidentemente possivel a um trapalhão derrubar o rei advesário. E no entanto o interesse do xadrez não reside tanto nesse acto – que, a acontecer, é uma humilhação para quem perde, e uma inutilidade para quem ganha -, mas antes na capacidade do jogador compreender aquilo que se lhe depara.
E por isso é que é possivel distinguir um bom jogador de xadrez, mesmo na derrota: normalmente os melhores são aqueles que tomam a decisão de derrubar o seu próprio rei muito antes da evidência.

Como na arquitectura, o xadrez também tem um receituário próprio. A maior parte dos livros que se lhe dedicam explicam um sem número de aberturas e de pequenos truques, que qualquer iniciado aplica à minima oportunidade.
Na verdade o registo do xadrez resume-se quase sempre a ilustrar jogos ou jogadas mais ou menos famosos; podendo a cultura de um xadrezista ser medida pelo número de jogos ou jogadas famosos que conhece: há a abertura dos três cavalos, a Sokolsky, a Catalã e a Inglesa. E também outras com nomes mais directos: a aberta, a semi-aberta e, evidentemente, a fechada. E depois há milhares e milhares de jogos que conhecemos, e que recuperamos de cada vez que pensamos em mover um bispo. E é isso que se ensina nas escolas de xadrez.

Esta cultura não tem no entanto relação directa com a capacidade de jogar xadrez: podemos conhecer de trás para a frente todas as jogadas dos encontros do Spassky contra o Bobby Fisher (o melhor entre os melhores), ou os irritantes revivalismos de Anad, e não ser sequer capazes de fazer um roque no momento certo.

Assim, havendo quem domine a cultura e a história do xadrez moderno de trás para a frente – uma cultura, entenda-se, que não cabe em nenhuma parte de trás de nenhum bilhete de autocarro – isso não lhes confere capacidades de dominar um jogo (chamemos-lhe falta de jeito), nem mesmo capacidade de lhe retirar beleza e inteligência (chamemos-lhe falta de inteligência emocional). Para estes, o xadrez é sobretudo um objecto de leitura: Bd3, C5f3,C4 , Rb++, etc., com objectivos concretos; e não tanto um elogio à inteligência e à sensibilidade. Essa mesma inteligência e sensibilidade que as palavras do Duchamps ou os parágrafos do Nabokov sobre o xadrez tão bem o demonstram

3 comentários:

João Miguel Mesquita disse...

Meu caro, analogia quase perfeita, não fora o Xadrez um jogo com regras defendias a partida e a chegada, frio e calculista, a contrastar com a emoção despertada por uma obra de arquitectura, e a provocação constante que a mesma tem a capacidade de promover na sociedade com o poder de definir regras e quebrar dogmas, diria que tens toda a razão. No entanto entendo bem a base do teu pensamento e concordo.

tiago borges disse...

Podemos comparar xadrez e arquitectura ? Podemos, "mas não é a mesma coisa"...

Feno de Portugal disse...

Conversa da Treta

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