Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Do sabor (entrincheirado) da Crítica (2)

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Provavelmente esta discussão em torno do sabor da crítica não reside afinal sobre o seu sabor, mas antes sobre aquilo que implica a própria palavra Crítica.


No fundo tem razão Nuno Grande: o ponto de vista de quem escreve crítica nos blogues não é o mesmo ponto de vista de toda essa gente que, durante anos, viu os seus artigos julgados, recusados, que tiveram que se submeter a escrutínios rigorosos (?) para puderem publicar.
A pergunta que se impõe é, evidentemente, o valor, mas sobretudo a utilidade desse veículo rigorosamente escrutinado. Senão vejamos: cada vez mais parece haver um real distanciamento entre essa academia que Grande defende, e aquilo que de mais interessante a criação arquitectónica tem para nos dar.

Essa academia que Grande parece querer acreditar tende a agir retroactivamente. Analisando, sempre muito, aquilo que foi feito, e prevendo, sempre muito, aquilo que nunca será feito; a capacidade da academia parece estagnar em tudo aquilo que não seja o acto de transmitir um receituário mais ou menos coerente, mais ou menos eficaz.
Não faz parte da sua natureza colocar-se em causa. Recordo, a título de exemplo, uma frase que ouvi da boca de um dos principais responsável pela direcção da FAUP. Dizia este eminente académico que preferia sempre rodear-se (de professores) que pensassem como ele, do que (professores) que viessem pôr em causa essa estabilidade tão cara à academia. Este homem, que com certeza sempre agiu em prol da defesa do conhecimento da FAUP, não mais faz do que procurar manter a barbárie fora de portas; esquecendo-se porventura que é exactamente do lado de lá da porta que reside o grande interesse das coisas e, sobretudo, o finalidade das próprias academias

O problema principal da tese de Grande reside exactamente no facto de que legitimar a Crítica através do escrutínio é – para além de crer cegamente na capacidade de um sistema quase sempre fechado sobre si próprio, cheio de vícios de forma e de limitações próprias daqueles que sobrevivem à custa do número de artigos publicados com peer review (mas alguém já pensou quem é que faz peer review em arquitectura?) – legitimar primeiramente um circuito de conhecimento que, para lá daquilo que possa ter de positivo ou negativo, é ensimesmado, e muito pouco consequente.

Não duvido, claro, das necessárias conclusões de uma tese de doutoramento, nem mesmo de todo esse maravilhoso conhecimento a que se obriga todo aquele que exerce a sua actividade profissional de crítico no seio da academia. E no entanto duvido, claro, da possibilidade de toda essa sagacidade poder ser posta ao serviço da arquitectura.

O problema aqui passa em muito pela incapacidade – para não falar na falta de vontade - da academia ser de facto útil à produção arquitectónica. Aliás, parece que a academia desdenha em muito aquilo que está na base da própria disciplina, tratando a maior parte das questões que a envolvem com a ligeireza própria de quem aredita que estas nunca tenham sequer existido; preferindo antes distrair-se com factos, certamente deliciosos, mas muito pouco consequentes, quer em termos colectivos, quer em termos individuais.

Evidentemente que a dictomia entre a academia e a actividade profissional (T. Hauser) é perfeitamente descabida; pelo menos no plano teórico. Ambas servem um mesmo fim. Só que esse entrincheiramento – ainda por cima consciente – que Grande e seus pares da academia invariavelmente se colocam, implica um total esvaziamento daquilo que produzem; pelo simples facto do conteúdo que produzem só ser lido e discutido em circuito fechado.

Um projecto crítico é obviamente independente do seu suporte (Gadanho), sendo a sua credibilidade dependente única e exclusivamente do seu teor. E isto aplica-se tanto a uma recensão sujeita a peer review, a uma prova académica, ou a um daqueles textos fáceis que se lêem todos os dias na blogoesfera.
Evidentemente que o suporte deste último tem as suas próprias limitações; que passam em muito pela aparente ligeireza dos textos, pela necessária rapidez com que são lidos e, sim, também, pela fácil apropriação por quem quer que seja. E poderemos, claro, olha-la, à Crítica feita na blogoesfera, com toda a desconfiança.

Por outro lado, podendo sempre exercer-se essa capacidade – tão cara aos académicos – em ser criterioso, não nos parece assim tão difícil saber separar a maldicência amadora da reflexão séria e intencionada, independentemente destas aparecerem travestidas de blogue, ou de páginas de uma qualquer revista arrumada na biblioteca de uma qualquer escola de arquitectura. E dessa forma encontrar a credibilidade de um texto publicado num blogue não é assim tão diferente de encontrar credibilidade num texto publicado noutro qualquer suporte.

Não creio saber se aquilo que pode ser entendido como crítica de arquitectura o é de facto, nos blogues. Nem sei mesmo se importa assim tanto limitar a crítica a um suporte.
Aquilo que (me) leva a reflectir sobre um projecto ou uma obra é, em primeiro lugar, tentar percebe-lo, a esse projecto ou a essa obra.
Encontrar-lhe as fragilidades, os erros, as imperfeições é, sobretudo, tentar que essas fragilidades, esses erros e essas imperfeições não se repitam no (nosso) próprio trabalho.
O acto de tornar públicas essas reflexões passa, evidentemente, por querer testá-las. Perceber exactamente a sua validade. E isso não mais é do que repetir um modelo assente na ideia que o debate é útil.

Na verdade esse exercício não é assim tão diferente daquele que nos faz aceitar dar conferências, participar em seminários, ou publicar projectos e obras: a expectativa de discutir, de aprender algo mais; e de tornar esse conhecimento colectivo em algo útil para os projectos que ainda não foram feitos.
Na verdade creio que um acto crítico é, antes do mais, uma acto de generosidade. Uma espécie de feed-back sobre o trabalho dos outros. Tentar transformar essa possibilidade numa trincheira não é portanto um simples exercício de auto-defesa, mas um erro grosseiro, violento até.

Não me passaria nunca pela cabeça pôr em causa um qualquer projecto de arquitectura apenas por este ser feito por alguém que não granjeou ainda qualquer tipo de legitimidade profissional (um académico, por exemplo); simplesmente porque aquilo que me interessa num projecto é o projecto em si: a forma como é pensado, o seu conteúdo, e sua formalização, e as suas consequências disciplinares. Tudo o que se passa para além (ou aquém) disso é portanto dispensável.

5 comentários:

AM disse...

eu gostava é que se deixassem de paleio sobre a "Crítica" e criticassem (mesmo!) qualquer coisinha...
podes (podem) começar pela exposição da TAL no CCB...

Quando as Catedrais eram Brancas disse...

Trata-se, por ora, de uma impossibilidade, visto ainda não termos sequer passado perto das portas da Trienal. Se o AM anda assim tão necessitado de crítica à Trienal poderá sempre começar por passar os olhos por aqui.

Quando as Catedrais eram Brancas disse...

Ou então por ali. Um texto do mesmo autor, mas agora sobre a exposição de Gadanho.

conde valmor disse...

o AM esta ansioso para ler outra pessoas que falem mal da trienal.... Tenha calma AM de onde sai toda esta vontade de dizer mal? chama-se isso frustração?

AM disse...

conde valmor

experimente pensar

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