Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Senso e Sensibilidade

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Sense and Sensibility (Bom Senso e Sensibilidade), A Lady (Jane Austen), 1811


Bernardo: abrindo-se aqui a excepção de trazer à ribalta discussões que convenientemente se vão arrumando nas caixas de comentários, não poderia no entanto deixar de responder à tua intervenção n'As Catedrais, de certo originada pel'A evidente relação entre as pirâmides e a excelência e, sobretudo, por alguns dos comentários que essa suscitou; os mesmos aliás que nos levaram ao escrito Orgulho e Preconceito.

Aceitando, claro, a sensata preferência pessoal que demonstras pela Sensibilidade, devo no entanto contrapôr que é sobretudo de senso que falamos quando falamos de (obras) de arquitectura (e não só). O problema não parece no entanto residir no estrito uso do senso, mas antes na opção acerca do tipo de senso que se usa para dela falar.

Bastaria, evidentemente, ir às fonte, para perceber que é na opção pela diferença entre sensos - esse Bom Senso e aquel'outro Senso Comum ao qual tanto uso se vai dando - que se distingue a origem do discurso.
Se por um lado temos essa tautologia aristotélica que nos confirma que o Bom Senso é elemento central da conduta ética, possibilitanto encontrar meio termo e de distinguir a acção correcta, sabemos também que o seu contrário reside exactamente na aplicação quotidiana desse Senso Comum que dispensa qualquer tipo de análise mais profunda, condicionando todas as nossas acções pela espontaneidade que lhe é endémica, e cuja origem revela necessariamente os nossos próprios limites individuais.

Penso pois que tudo aquilo que se refere à suposta injúria sobre o trabalho e o nome - como a (quase) todas as opiniões que de algum modo se vão emitindo sem ter em conta a causalidade entre objecto e vontade - actua exactamente na esfera do Senso Comum, e não tanto na do Bom Senso; facto esse que a torna, à injúria, numa evidente impossibilidade.
Se não repara: o acto de descrever algo baseado apenas numa proposição criada a partir de uma noção de normalidade, dispensando uma análise mais detalhada desse mesmo objecto e daquilo que lhe deu origem, faz com que seja difícil de alcançar qualquer tipo de conclusões que estejam para lá das "jarras de cemitério" ou mesmo de "cenários de filmes de Série B" (conjunto de epítetos, aliás, que - julgava eu - deixaria babado de orgulho qualquer um que tenha bom senso e sensibilidade).

Ora, tendo em conta que o juízo - o de valor, mas também o de gosto - sobre determinada obra de arquitectura (e não só) implica algo mais do que a sua explicação baseada na simples experiência do ordinário, o mesmo se passa com o insulto. Porque, para que o insulto resulte (e o insulto, como arte que é, só nos é verdadeiramente útil quando atinge resultados visíveis) é necessário o uso da exactidão; dessa mesma exactidão que só subsiste aquando do uso do Bom Senso, e nunca da manifestação do Senso Comum.

Se me permites a observação, o problema parece ser outro: não acreditar na possibilidade da especulação. Saberás com certeza que a especulação é, na história da leitura arquitectura, elemento fundamental. É a partir dela que descobrimos coisas, que tentamos respostas, que recusamos realidades menos boas. E tenho por certo que tu próprio valorizarás críticas menos boas, simplesmente porque são essas que nos fazem pensar.

Depois, há uma outra questão, central: a da liberdade. Essa mesma liberdade que te torna tão sensato, e simultaneamente tão autor, é elemento basilar de tudo aquilo que prezas. Na verdade tu próprio dificilmente encontrarás alguém que se predisponha à análise de arquitectura sem que para tal use, aqui e ali, da saborosa maldissencia (se te lembrares de alguém, agradeço que me informes; recordando-te porém que sou frequentar assiduo desses bastidores onde tudo é bem mais divertido). E isso sim, é de elogiar; pelo menos para aqueles que preferem as tentativas (a Sensibilidade) e as tragédias (o Bom Senso) à banalidade (o Senso Comum).

E é aí mesmo, nesse território de liberdade (e não na injúria, como inocentemente sugeres) que pudemos de facto encontrar e perceber os epítetos que afirmas assemelharem-se a "injúrias" (acções, aliás, que deixariam babados quaisquer arquitectos que advoguem, por exemplo, a arquitectura ou o suicídio).
Seria um evidente sinal de generosidade e de curiosidade colectivas se oportunidades houvessem para que mais gente como esta pudesse de facto debater. Viveríamos, então, num lugar de maior civilidade e de heterodoxia, e não num país que efectivamente concede pouco espaço de manobra a todos aqueles que achem que a arquitectura serve para nos pôr em causa, da mesma forma que serve para se pôr em causa.

Quando ao teu pedido em deixar a sua obra "à margem" (notando que é da sua obra que por aqui se vai falando, e nunca da tua pessoa), evitando desse modo "esse refluxo de inertes ressabiados" que populam pelas caixas de comentários d'As Catedrais; resta-me apenas dizer que há um facto que dou, até mais ver, como certo: as obras de arquitectura são coisa pública.
Serás aliás tu, Bernardo, o primeiro a alimentar-me dessa crença, dispensado-te de guardar debaixo da cama aquilo que vem fazendo ao longo dos anos; o que só vem confirmar que todos temos a ganhar com a apresentação, a discussão e a fruição daquilo que fazemos; condição para melhorarmos, colectiva e individualmente.

5 comentários:

JM disse...

a clareza dos argumentos do arquitecto Pedro Costa, a sua razão e legitimidade, não deixará de ser inversamente proporcional à pobreza que reina nas caixa de comentários em que o despropósito reina (com mais ou menos senso). Bernardo Rodrigues merece, no mínimo, da mesma condescendência com que as Catedrais favorece os seus mais imbecis seguidores.
Uma coisa é certa, neste país há mais dores de cotovelo do que braços.
pode-se até não gostar da arquitectura de Rodrigues, mas há que lhe reconhecer a diferença de um panorama tantas vezes previsível.
Caro Bernardo Rodrigues: ignore e continue a fazer o que tem feito, o que sabe fazer: "os cães ladram, a carroça passa".

Quando as Catedrais eram Brancas disse...

Não percebendo exactamente até que ponto o uso do termo despropósito foi consciente, devo no entanto referir que a boa arquitectura não necessita de qualquer tipo de condescendência.

JM disse...

falava do arquitecto não da arquitectura...

BERNARDO RODRIGUES disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Este Bernardo não é discreto!

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