Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Sobre o bom senso e sensibilidade

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Se é certo que as coisas têm sempre uma explicação qualquer, também não deixa de ser verdade que às coisas não se lhes pode exigir que nos expliquem a sua intimidade.
A intimidade não se explica. No máximo, constata-se. Exactamente por essa razão: por ser uma questão do foro íntimo.

Se nas fotografias da Casa de Sofia, Sofia aparece nua, a dormir ou a banhar-se, é porque a intimidade da casa está muito para além daquilo que o corpo despido de Sofia deixa, ou pode revelar. Sofia é, aqui, apenas uma pequena parte desse segredo que não é, nunca, uma vontade; mas antes uma consequência óbvia do trabalho exercido em torno dessa intimidade que só é secreta por pura definição do próprio conceito.

Nesse mesmo sentido a aparente simplicidade das coisas não se explica. Não é preciso.
Procurar por isso explicar a Casa de Lavra é inútil. A Casa terá, claro, a sua explicação própria; que não é minimamente decisiva para aquilo que se espera da arquitectura.
Há, nesta casa, evidentemente, um conjunto de minuciosas denúncias da sua intimidade. Como há, também, a própria declinação pessoal de quem a fez, que se revela essencialmente em pequenos detalhes. Do corrimão, irregular, como que se fosse achado na rua; amaciado, agarrado à parede dessa forma inequivocamente própria; como se o trabalho artesanal pudesse cumprir o desígnio da singularidade. Ou então a maneira como o tampo de madeira que serve de mesa de refeições assenta sobre a bancada negra que corre toda a casa.

Mas não é por esses pormenores que a obra é singular. Aliás, é. Mas é-o na forma como os pormenores (não) existem; tornando-os ausentes, externos á obrigatoriedade do desenho.
Se a obra é singular, sobretudo se comparada com o panorama de produção arquitectónica recente; é-o sobretudo por não se obrigar ao exercício do desenho.















Na Lavra nada é fingido. Repare-se na naturalidade com que se sustenta a mezzanine, sem qualquer tipo de argumentos que simulem outra solução que não a mais básica; que é, provavelmente, a mais eficaz.
Ou então a ausência de uma métrica para as tábuas de madeira que forram as fachadas, e também a falta de cuidado arquitectónico nas esquinas. Como se o desenho fosse uma pura perda de tempo. Como se o desenho não instituísse qualquer tipo de valor.
E não institui. Pelo menos aqui, nessa definição do espaço que é feito, única e exclusivamente, para o exercício da intimidade. Como se fosse um recolhimento do bosque que a rodeia, por sua vez uma forma de recolhimento também; a fazer lembrar A Casa de Adão no Paraíso do Rykwert.

[Ia agora, a propósito, falar da vez em que me cruzei com o Rykwert, mas isso não faz sentido algum. Na verdade a Casa de Lavra não intenta a ideia da origem. Se o acaso me levou a referir algum tipo de identificação entre A Casa de Lavra e A Casa de Adão no Paraíso, isso foi um erro].

Depois, mais atentamente, descobrimos afinal que nos planos ausentes das fachadas cabem as janelas e as portas; sem que delas nos tenhamos apercebido inicialmente, quando a casa ainda em enclausura; o que afinal vai provar que a nossa ideia da ausência de uma métrica estava errada.
A questão é que esse acto – ou antes: a arquitectura – é feito de recato. E isso torna-a numa singularidade feita à medida das necessidades ou das limitações, com o bom senso e sensibilidade, que deve aliás ser o título de um dos livros que por lá se lêem vagarosamente.















Tem ar de casa de Inverno. Descomprometida. Confortável. Íntima.

Todas as imagens: Casa de Lavra, Nuno Merino Rocha, 2005 (?)

1 comentários:

AM disse...

"Como se o desenho fosse uma pura perda de tempo. Como se o desenho não instituísse qualquer tipo de valor."

LOL :)

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