Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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a.s* Plan Toys, ou a (Unidade da) classe de 1996

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A pretexto da celebração do seu vigésimo aniversário, lembrou-se a Unidade de convidar 7 autores, todos eles formados em 96, a propor soluções programáticas para um novo edifício a implantar nos terrenos da FAUP.

Inegavelmente simpático, o convite é no entanto narcisista, como aliás tem vindo a ser a própria Unidade ao longo dos tempos: o lote de convidados - Carlos Veloso, Bernardo Rodrigues, Pedro Bandeira, Camilo Rebelo, Bruno Baldaia, Desireé Pedro (Corvo) e a.s*, todos eles formados nesse mesmo ano - representa desde logo para a Unidade uma tentativa de confirmar o valor da Faculdade enquanto lugar de ensino; não sem uma ponta de vaidade em pavonear aquilo que a revista considera ser uma espécie de Porto Vintage '96.

Este suposto regresso a casa dos meninos-prodígio é um equivoco: alguns deles nunca de lá saíram; e os que o fizeram são já fruto de uma outra coisa que não a Escola do Porto. Em comum, pouco ou nada têm.

Certo é que os 6 projectos (Bernado Rodrigues optou pelo silêncio) que se publicam na Un.7 apresentam resultados díspares: uns edifícios sérios misturados com os esquissos à Porto, umas teorias de quem nada sabe de teoria, e uma ironia também. E no entanto a sua análise permite confirmar (algumas) modificações no panorama arquitectónico em Portugal.
Resta sempre a dúvida sobre o papel da Escola do Porto para essa mudança.

Achámos, claro, que a Unidade não queria mais um projecto (admitamos: é idiota fazer-se projectos para revistas, mais do que aqueles que quotidianamente se arrastam de morte pelos pasquins), mas pensámos, claro, em satisfazer a vontade à coisa; e dar-lhes o que a Escola precisa.

O problema é que, quanto a nós, a Escola precisa de quase tudo. Precisa de reflexão. De auto-análise. De reforma. De capacidade auto-crítica. De abertura e de flexibilidade. De inteligência. De capacidade de experimentação e de investigação. De habilidade e de idoneidade. De ambição e de conhecimento, e de ambição de conhecimento. De aptidão, dos seus alunos e dos seus professores. De saber aceitar aquilo que desconhece, e de ser curiosa. E precisa de apagar de uma vez por todas aquelas palavras pintadas num muro da escola, que dizem: Arquitectura Não se Ensina, com letras gordas e ponto de exclamação no fim e tudo.





















Dito isto restava-nos fazer o tal edifício que a Escola precisa. Na verdade não achamos que a Escola precise de mais edifícios: o que tem chega-lhe (e sobra-lhe).
Ao invés de um projecto atirámos para cima da escola o a.s* Plan Toys: não mais do que uma espécie de Sala de Maquetas (há alguma sala de maquetas na FAUP?) em tamanho gigante. Ao menos que a coisa sirva para experimentar.
A nós resta-nos apenas demonstrar a imensidade de possibilidades, através de seis experiências formais (perfeitamente aleatórias, já se vê).





















A primeira dessas experiências é canónica: peças iguais entre si, cores e texturas naturais, procurando alinhamentos e coisas do género. Sente-se, claro, a extrema sensibilidade ao lugar, afectada pelo universo das artes plásticas pró-minimais. Chamemos-lhe, simplesmente: a proposta Coimbrã.





















A segunda experiência é antagónica. Aqui o artifício da composição adquire um protagonismo visual à moda do novo Estilo Internacional de tons suíços; com ambição formal qb; misturando-se modos de pensar aparentemente contraditórios (Regionalismo Crítico vs. Uháu). Chamemos-lhe: a proposta que fugiu para Basileia e regressou ao Porto para contar o que viu.
















Outra experiência: a de tornar a arquitectura em pura diversão, misturando recordações de infância com as teses do Breton ; sem nunca deixar de as cruzar com a uma visão intelectualizada do mundo. Aqui nada é um acaso. Tudo desempenha algo para lá da forma, tornando-a icónica, muitas vezes caricatural; em nome de uma profundíssima reflexão social e politica. Chamemos-lhe: proposta genérica para clientes específicos.















A seguir uma experiência inusitada. Os elementos fazem um todo coerente e austero, pouco dado a fantasias de qualquer espécie, procurando um desenho próximo das composições muito em voga na mais radical e mediatizada arquitectura portuguesa recente. Note-se a semelhança com a Experiência 1 no que diz respeito ao uso de matéria em estado bruto. Chamemos-lhe: a proposta da Escola do Oporto.


















No sentido oposto à da capacidade de realização demonstrada anteriormente, aqui prefere-se nada fazer com o infindável número e forma de peças disponíveis, optando-se por usar apenas a caixa de cartão da embalagem a.s* Plan Toys; remetendo-se a uma análise profunda sobre os Pavilhões da FAUP. Chamemos-lhe: proposta de um críticó-teórico.





















Por fim experimenta-se a própria experiência de experimentar, como se ainda fosse possível perseguir baleias brancas dentro do Porto. Ahab, como outros seres insulares, não desdenharia prosseguir essa vã tormenta até ver o seu próprio navio (ou a FAUP) naufragar junto ás praia de Leça. Chamemos-lhe: proposta Moby Dick.
Aqui, teses tão comprovadas como a gravidade ou o bom sendo são deixadas para trás em nome de uma coisa que ás vezes, por entre os corredores das faculdades, ainda se chama arquitectura.

Quanto á proposta chamada de neo-holandesa- macaense-vicentina-com-raízes-nortenhas-português-suave- neo-liberal-lisboeta, não a conseguimos pôr de pé. Falta de capacidade de auto-análise, já se vê.
Afinal ainda nos restam algumas características da Escola do Porto.

Excerto do texto publicado na UN.7, com lançamento no dia 19 Fev., pelas 21:00, no Clube Literário do Porto.
Agradecimentos ao Fernando Guerra e Sérgio Guerra por disponibilizar as imagens que serviram de base à coisa.

4 comentários:

AM disse...

uma bela posta, perdão, uma bela colecção de cromos... com dedicatórias... :)
umas são mais evidentes que as outras (aquele "carlos veloso" - eh, eh - não engana ninguém...)
não sei se as apanhei a todas mas seja como for só se perderam as que cairam ao chão... :)
a revista, que (ainda) não conheço, não comento
o pretexto (que sirva para qualquer coisa...) é tão bom como outro qualquer
fica a faltar o "auto-retrato" em forma de "proposta chamada de neo-holandesa- macaense-vicentina-com-raízes-nortenhas-português-suave- neo-liberal-lisboeta"... :)

(o BR "west coast of europe" baldou-se porquê!?)

Pedro Machado Costa disse...

Se dúvidas houver bastará clicar nas imagens (menos numa, a de quem não tem nada para mostrar.
Do silêncio monástico nada sei, nada sei...

Mário Duarte disse...

Genial!
Excelente post e, já agora, proposta (assim acabas por dar razão à existência destes pedidos inócuos...)
Espero que a "Escola do Porto" dentre as várias incapacidades, não sofra de falta de sentido de humor.
Gostei muito da vossa "caixinha de brinquedos", mas desconfio que não faz uma "proposta nortenha-ó-provinciana traçada com coisas +ou- modernas e contaminada com profundas descrenças".

Pedro Machado Costa disse...

Olá Mário,
confirmei, infelizmente, aquilo que já desconfiava: alguma falta de humor, da parte de alguma Escola do Porto; que tende a esconder as suas insuficiências numa espécie de demonstração de seriedade, que não passa de uma forma de encapotar fragilidades. Enfim, nada que qualquer um de nós não faça de vez em quando.
Ainda assim percebi que, para alguns, se a ironia não salva, pelo menos ressalva (como disse o Helberto Helder).
Bons ventos te tragam mais vezes.
Abraço

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