Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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De certa forma a Casa das Artes constitui um momento relevante na história recente da arquitectura nacional, sobretudo se pensarmos no contexto disciplinar de então, muito mais próximo que estava de intentar as prolíficas manifestações cosmopolitas que iriam marcar a década de oitenta.
Aos de Lisboa, a cidade parecia-lhes, nessa época, o lugar mais próximo da Europa.
Taveira fazia as Olaias, e ganhava estatuto de promissor. Luís Cunha desistia definitivamente do modernismo, optando por aquilo que lhe parecia a verdade na história. Graça Dias estava de regresso à capital depois da sua experiência macaense com Manuel Vicente, para fazer parte dessa Idade da Prata que encheu durante um bom punhado de anos as noites do Frágil e as páginas dos jornais mundanos que despontavam aqui e ali. De Carrilho - um autor da geração de Souto de Moura -, com atelier montado desde 1977, não se lhe conhece qualquer obra antes dos anos 90, entregue que estaria ao ensino. Byrne andaria às voltas com a Pantera Cor-de-Rosa. Hestnes e Figueiredo andariam à procura, mais um que outro, do seu tom; enquanto Teotónio abrandava o ritmo, depois de ter feito as suas obras-primas.

Tirando o eterno Siza, os tempos eram de alguma confusão: se Lisboa parecia mais próxima de mergulhar a fundo no pós-modernismo diletante, num aparente desejo de um outro país, o Porto, esse, agarrava-se, com afinco, como num beco sem saída, a fundamentos mais dados à resistência do que à persuasão.
Nesse contexto, mais do que o Mercado de Braga - onde aparecem colunas inacabadas e pedras soltas - , é o Concurso da Casa das Artes que inaugura Souto de Moura como autor, abrindo um caminho até então pouco dado a especulações por terras lusas.

Se é verdade que herança da Casa das Artes só viria ganhar importância uma década depois, muito por contraponto aos desvarios pós-modernos lisboetas, sendo sobretudo digerida pelas gerações que a Escola do Porto ia pondo cá fora; Souto de Moura não se desviaria, senão já nos finais dos 90's, do seu próprio paradigma. Esse paradigma que, feliz ou infelizmente, se tornaria, anos depois, o maior dos lugares comuns pela qual a arquitectura portuguesa tem vindo a falecer.

Se é verdade que Souto de Moura se tornou num dos mais influentes autores em Portugal - procurando, é certo, livrar-se dos seus próprios fantasmas - , ganhando notoriedade e conquistando o seu espaço, não deixa de ser curioso constatar que a Casa das Artes (1981) foi o único concurso ganho nos seus quase 30 anos de carreira profissional; isto se excluirmos o projecto para o Hotel de Salzburgo (1987), cuja obra nunca viu a luz do dia.
E no entanto é a reboque desse projecto que Souto de Moura iria ganhar alguma visibilidade internacional, fazendo-o envolver-se com aqueles que seriam na altura os seus pares mais naturais - Herzog ou Chipperfield.
Embora a produção de Souto de Moura tenha desde então vindo a ser regularmente acompanhada pela crítica lá de fora, tornando-o num dos poucos autores portugueses recorrentemente citados fora-de-portas, certo é que por uma ou outra razão o autor não terá grangeado o mediatismo que lhe permitiria acompanhá-los, ao suíço e ao inglês, na desmultiplicação prolífica de obras um pouco por todo o mundo; fenómeno aliás semelhante ao que se passou com outros autores ditos periféricos, como por exemplo no caso do galego César Portela.

Aparentemente o final de 2009 vem acabar com tudo isso: o facto Souto de Moura ter ganho apenas um concurso (excluindo-se o tal de Salzburgo, claro). E de ser considerado um autor local, ou periférico.
Quem sabe, poderemos, um dia destes, dizer da Escola em Abu Dhabi o mesmo que acabámos de dizer da Casa das Artes: que ela constituiu um momento de viragem na arquitectura portuguesa; ajudando a (re)criar um autor.

3 comentários:

AM disse...

coisas diferentes...

o "enquadramento" (histórico) nos oh, so 80's, parece-me francamente ("ao sair da desfocagem"...) "desfocado"
de (dom) carrilho não se conhece obra anterior aos 90's!!!???
quantas queres!? (até a "arquitectura portuguesa" do amigo MGD lhe dedicou - capa e tudo... - um número...)
Byrne às voltas com a Pantera Cor-de-Rosa!?
no final dos 80's!!!??? (onde é que isso já ia... - no final dos 80's Byrne perdia o CCB e ganhava fama como o melhor dos segundos...)
Hestnes e Figueiredo (...) "mais um do que outro"!? o que é que queres dizer com isto!?

sabes, claro, que a história repete-se...

do souto arábico (ainda) não há bonecos?

AM disse...

plus
em finais dos 80's o Taínha era ainda estimável
plus
em finais dos 80's o Soutinho - com a CM de Matosinhos - fazia entrar uma corrente de ar na "escola do porto" (que a "dinastia" da "Casa das Artes" com a banalidade - desceram à cave!?... - da cartilha neo-plasticista - eu, eu é que sou o Mies... - voltou a... "fechar")
plus...

Quando as Catedrais eram Brancas disse...

De facto: desfocado. A noite já ia longa e o livro do Portas não estava à mão. Mas uma coisa é(me) certa: não conheço obra do Carrilho antes dos 90´s. Ou conheco?
Quando aos Hestnes, Figueiredo e etc. lá iremos. lá iremos.
Do souto das arábias nada de imagens ainda.

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