Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Sobre o desejo da nidificação de cegonhas

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Alguém deixou, nas paredes do atelier, um recorte com uma entrevista. Quer dizer: não é bem uma entrevista. É mais uma daquelas páginas publicitarias travestida de notícia ou, neste caso, de entrevista. Daquelas. Que saem nos suplementos imobiliários.
Dizia: alguém a deixou na parede, ao recorte com a entrevista. O entrevistado: José Quintela, o arquitecto-chefe da Sonae, responsável por grande parte dos centros comerciais que populam um pouco por todo o lado. Nela, Quintela lá vai falando; dizendo-se orgulhoso do facto das casas de banho de um shopping por ele desenhado terem sido consideradas as melhores do mundo ou, ainda melhor, confessando a sua angustia por nunca ter conseguido construir uma cegonha de 40 metros na esquina de qualquer centro comercial.

Ocorre-me uma explicação para o facto da entrevista de Quintela estar lá pelas paredes do Atelier. Será certamente uma espécie de última reserva de auto-confiança: mesmo quando as coisas não correm bem e os projectos parecem um disparate, basta olhar para a parede para dar de caras com um tipo cuja obra será sempre bastante pior que a nossa. Rir de Quintela (como aliás já se fez por aqui) é uma forma, fácil, de exorcizar as nossas próprias limitações.
Pode ser que seja verdade: que a obra de Quintela seja bastante pior do que a nossa pior obra. Até porque, olhando para aquilo que Quintela faz, dificilmente acreditaríamos que a arquitectura fosse coisa considerada por este arquitecto.
O problema é que isso não é verdade. Trata-se, simplesmente de um fenómeno dado a antagonismos: Quintela nunca será minimamente considerado por nenhum autor nem por nenhum crítico de arquitectura, e vice-versa. Para estes o trabalho de Quintela nunca será catalogado como arquitectura, e sua obra nem sequer terá direito a ser apelidada enquanto tal. Por outro lado essa gente será apelidada, por Quintela, de diletante e inconsequente: gente pretenciosa, cujo pensamento ou a obra diverge do bem comum.
Não é que não possa concordar com esse eventual ponto de vista de Quintela, até porque se o diletantismo serve para alguma coisa, é exactamente para constatar que a maior parte daquilo que levamos o dia a pensar é inútil e inconsequente. Como o é a maior parte do trabalho feito por esses arquitectos que consideramos, independente de gostarmos ou não da sua obra.

O curioso no entanto é descobrir que afinal o pensamento de Quintela não está assim tão distante de qualquer outro arquitecto: afinal todos gostariam que a nossa obra - casa de banho ou outra coisa qualquer - fosse considerada a melhor do mundo. E cegonhas de 40 metros? Apresentem-me um arquitecto que não ambicione fazer, por uma vez na vida que seja, uma cegonha com 40 metros? De altura?
Concluo: Quintela somos nós. Todos.

5 comentários:

AM disse...

as cegonhas são bichos malucos :)
nidificam em cima dos postes das linhas de média tensão :)
quintela, somos todos :)
cegonhas (de 40 M) é que é só para alguns... :)
(mal posso esperar pela "cegonha" do teu projecto para um certo sítio com uma bela vista...) :)
se quiseres "the real thing" :))) passa por cá :)
é o que não falta :)))
40 M acima das nossas cabeças, nas ruas estreitas, parecem bombardeiro da segunda guerra mundial :)))
bem... e não digo mais nada que eu não sei se isto são coisas dignas de um "proper" arquitecto :)))

Filipe Borges de Macedo disse...

Penso que a sua conclusão está enganada, pois, enquanto a maioria dos arquitectos que fazem arquitectura de autor,ou seja os diletantes inconsequentes de Quintela refere, gostariam de ter nas proximidades da sua obra, essa poética cegonha, Quintela acha que esse cegonha é merecida pois a eficiência programática das sua obras é mensurável através de rácios económicos e estatísticos.
Logo encontra que a poesia deveria estar associada a esse coeficiente de eficácia. Acho que ele se encontra enganado, pois essa poesia do sublime não se pode quantificar desse modo. Penso igualmente que uma atitude mais poética, mais autoral e mais dentro dos cânones dos críticos nunca seria eficiente para a elaboração do templo do consumismo que é o programa do centro comercial. O sublime da obra de referência é incompatível com o imediatismo da catedral do consumismo.

AM disse...

já agora... :)http://static.publico.clix.pt/Homepage/Includes/Imobiliario/imob/web20090617Imobiliario_Lisboa.pdf

AM disse...

quero dizer :)http://static.publico.clix.pt/Homepage/Includes/
Imobiliario/imob/web20090617Imobiliario
_Lisboa.pdf

Anónimo disse...

Há filmes que marcam uma geração. No caso do Sr. Arqto. citação-óculos-à- Corbu- Quintela, está na cara que foi o Fernão Capelo Gaivota / Neil Diamond.
Lindo, lindo, lindo.

O Dr. Belmiro é que a sabe toda: Gaivotas em terra sobrevoam lixeiras. Vai daí:
OH Quitela olhe o meu: tire-me o passáro de cima dessa m..da.

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