Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Pirâmide Invertida (da série Folies), Pedro Bandeira, 2007

Mas então, o que dizer de um autor que decide assumir definitivamente o peso da história, para ao mesmo tempo torna-lo imponderável, assim, de uma forma tão despudorada?
Dir-se-ia, pois, que se confirma em Bandeira essa tendência de atirador furtivo; como que se as coisas pudessem ser como sempre foram e, simultaneamente, funcionar ao contrário.

Da evidente relação entre as pirâmides e a excelência

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Museu de Arte de Caracas, O. Niemayer, 1954

















Capela da Luz Eterna, Ponta Garça, S. Miguel, Bernardo Rodrigues, 2003/...


Não seria preciso ter lido toda a história crítica do Tafuri, nem todo aquele monte de livros que o Benevolo nos deixou, para tirar a mais óbvia das conclusões que nos é dada pela história da arquitectura ocidental. Essa mesmo, que nos diz aquilo que toda a gente já sabia: não há autor maior que não tenha num ou noutro momento da sua vida desenhado (pelo menos) uma pirâmide.
Desde o Corbusier ao Rossi, do Herzog ao Kahn, passando pelo Boulée ou o Wright, todos desenharam uma pirâmide. Há uma (má) pirâmide do Foster, uma pequena pirâmide do Philip Johnson, a quase pirâmide do Aalto, os pilares em pirâmide do Nervi e os telhados em pirâmide do Candela, um edifício piramidal do Taut, e a base em pirâmide do Breuer . O Tatlin, evidentemente, tem a sua pirâmide. O Zumthor também. O Souto de Moura tem duas, sotadas, e outra inteira, o que dá três. E o Manuel Vicente tem muitas pirâmides, pequeninas; tal como o koolhaas aliás. Há ainda uma pirâmide num esquiço do Siza. E, claro, podemos sempre ver o Mies de um ponto de vista piramidal.
E depois, depois há aqueles outros autores que a superam, à própria história da arquitectura, demonstrando que as coisas são afinal para serem vistas de pernas para o ar.

A lucidez

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O deslumbramento, a construção e o culto do arquitecto como figura do sucesso (...), eleva-se no coreto da nossa paróquia. E esquecemo-nos da arquitectura. De nós mesmos. E do outro.
de João Amaro Correia

Sobre o grau de irrelevância de uma conferência

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Sobre a Escala: a.s* no Ciclo Obra Falada, Instituto Superior Técnico, Lisboa, 23 Nov. 2010; Org. NucleAR

Esta ideia de querer ouvir alguém falar sobre escala colide com aquela outra, que nos diz que a Escala é uma coisa eminentemente pessoal. Íntima, mesmo. Quer dizer: em teoria será pura perda de tempo tentar ouvir alguém sobre um assunto cuja especificidade é intrinseca a cada um de nós.

Sobre o grau de eficácia de uma conferência

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Há algo de refinadamente irónico no facto de uma conferência sobre Arquitectura e Política ser adiada a pretexto de uma Cimeira Política. Quer dizer: conseguimos claramente concluir algo sobre política e arquitectura, sem ter sido sequer necessário assistir ao referido debate.

Da irrelevância das molduras

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Desnudos en la Playa, Jose Togores, 1922 (Colecção Reina Sofia)

E no entanto é relativamente fácil perceber que o problema do emolduramento é totalmente secundário. Sobretudo naqueles casos em que se levantam outras ordens de importância.

Da relevância das molduras

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Museo Reina Sofia, extensão, 2005, Madrid (2010)

É curioso o trabalho de Nouvel no Reina Sofia. Ao invés de apostar no edifício, Nouvel inverte o problema, concentrando toda a atenção na moldura, como se essa fosse a parte mais importante da obra.
Ainda assim, esta é provavelmente a melhor moldura que nos foi dada a oportunidade de experimentar.

A vantagem dos prémios

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La Compra de un Premio, Santiago Serra, 2007

A explicação de Serra para a sua La Compra de un Premio resume-se a isto: Con el fin de poder revenderlo a um precio mayor, adquiri el León de Oro, otorgado a Regina Galindo em La Bienal de Venecia de 2005.

Evidentemente que um tipo que anda por aí a comprar prémios de outros e a recusar prémios que lhe são dados será sempre merecedor da nossa simpatia.

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Gimnasio Maravillas, Alejandro de la Sota, Madrid, 1961 [fonte: Fundación Alejandro de la Sota]

The Importance of Being Earnest

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Provavelmente, nunca a história da nomenclatura foi tão certeira do que nesse preciso momento em que acedeu a que uma obra passasse a ser conhecida por Ginásio Maravillas.

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Fazer arquitectura não é muito diferente de jogar xadrez: sabendo-se à priori do objectivo - que sempre o mesmo -, basta-nos ter consciência das peças que temos há nossa disposição, da sua localização relativa no tabuleiro de jogo, e das eventuais dificuldades que nos vão deparar. A partir daí limitamo-nos a traçar a melhor estratégia que formos capazes. E depois: depois é pegar numa peça qualquer e colocá-la noutro lugar.

Não sendo as regras do xadrez propriamente complicadas (afinal também elas podem ser escritas na parte de trás de um bilhete de autocarro) sabemos, evidentemente, que a beleza do xadrez está em saber tirar o máximo partido dessa relação entre as peças, da sua subtil alteração, e daquilo que conseguimos ler para lá da aparência (quase sempre aborrecida) de um tabuleiro.

Saber jogar xadrez equivale, em certo sentido, a saber ler aquilo que se esconde para lá da aparência das peças, e transformar esse conhecimento numa ideia que possa ser posta em prática. Quanto mais abrangente for essa ideia, mais alternativas se nos abrem.
Quanto melhores jogadores formos capazes de ser, maior será a capacidade de pôr em prática essas alternativas, e maior será também a nossa capacidade em estabelecer uma estratégia que não seja esmagada após duas ou três jogadas.

Sabemos, claro, que a diferença entre um bom jogo de xadrez e um mau jogo de xadrez não está exactamente no estrito cumprimento do objectivo final: afinal a qualquer iniciado é dada a hipótese de ganhar o jogo, sendo evidentemente possivel a um trapalhão derrubar o rei advesário. E no entanto o interesse do xadrez não reside tanto nesse acto – que, a acontecer, é uma humilhação para quem perde, e uma inutilidade para quem ganha -, mas antes na capacidade do jogador compreender aquilo que se lhe depara.
E por isso é que é possivel distinguir um bom jogador de xadrez, mesmo na derrota: normalmente os melhores são aqueles que tomam a decisão de derrubar o seu próprio rei muito antes da evidência.

Como na arquitectura, o xadrez também tem um receituário próprio. A maior parte dos livros que se lhe dedicam explicam um sem número de aberturas e de pequenos truques, que qualquer iniciado aplica à minima oportunidade.
Na verdade o registo do xadrez resume-se quase sempre a ilustrar jogos ou jogadas mais ou menos famosos; podendo a cultura de um xadrezista ser medida pelo número de jogos ou jogadas famosos que conhece: há a abertura dos três cavalos, a Sokolsky, a Catalã e a Inglesa. E também outras com nomes mais directos: a aberta, a semi-aberta e, evidentemente, a fechada. E depois há milhares e milhares de jogos que conhecemos, e que recuperamos de cada vez que pensamos em mover um bispo. E é isso que se ensina nas escolas de xadrez.

Esta cultura não tem no entanto relação directa com a capacidade de jogar xadrez: podemos conhecer de trás para a frente todas as jogadas dos encontros do Spassky contra o Bobby Fisher (o melhor entre os melhores), ou os irritantes revivalismos de Anad, e não ser sequer capazes de fazer um roque no momento certo.

Assim, havendo quem domine a cultura e a história do xadrez moderno de trás para a frente – uma cultura, entenda-se, que não cabe em nenhuma parte de trás de nenhum bilhete de autocarro – isso não lhes confere capacidades de dominar um jogo (chamemos-lhe falta de jeito), nem mesmo capacidade de lhe retirar beleza e inteligência (chamemos-lhe falta de inteligência emocional). Para estes, o xadrez é sobretudo um objecto de leitura: Bd3, C5f3,C4 , Rb++, etc., com objectivos concretos; e não tanto um elogio à inteligência e à sensibilidade. Essa mesma inteligência e sensibilidade que as palavras do Duchamps ou os parágrafos do Nabokov sobre o xadrez tão bem o demonstram

Elegia da ingenuidade

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Tudo aquilo que é preciso saber para se fazer arquitectura pode ser escrito na parte de trás de um bilhete de autocarro. E ainda lhe sobra espaço em branco, à parte de trás desse bilhete de autocarro.


Aliás, não há nada escrito que ocupe mais do que o espaço em branco na parte de trás de um autocarro que possa salvar um mau projecto de arquitectura de ser um mau projecto de arquitectura. Nem há livro algum que substitua o bom senso, a sensibilidade (so Jane Austen), alguma inteligência (não é preciso assim tanta) e, já agora, a habilidade necessários para transformar um edifício numa obra de arquitectura.

Copyrights

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Ou o exemplo de como não se pode escrever uma notícia sobre cultura.

O problema dos prémios

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O problema dos prémios é que eles são são só injustos para com os vencidos, mas também para com os próprios vencedores.

Do sabor (entrincheirado) da Crítica (2)

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Provavelmente esta discussão em torno do sabor da crítica não reside afinal sobre o seu sabor, mas antes sobre aquilo que implica a própria palavra Crítica.


No fundo tem razão Nuno Grande: o ponto de vista de quem escreve crítica nos blogues não é o mesmo ponto de vista de toda essa gente que, durante anos, viu os seus artigos julgados, recusados, que tiveram que se submeter a escrutínios rigorosos (?) para puderem publicar.
A pergunta que se impõe é, evidentemente, o valor, mas sobretudo a utilidade desse veículo rigorosamente escrutinado. Senão vejamos: cada vez mais parece haver um real distanciamento entre essa academia que Grande defende, e aquilo que de mais interessante a criação arquitectónica tem para nos dar.

Essa academia que Grande parece querer acreditar tende a agir retroactivamente. Analisando, sempre muito, aquilo que foi feito, e prevendo, sempre muito, aquilo que nunca será feito; a capacidade da academia parece estagnar em tudo aquilo que não seja o acto de transmitir um receituário mais ou menos coerente, mais ou menos eficaz.
Não faz parte da sua natureza colocar-se em causa. Recordo, a título de exemplo, uma frase que ouvi da boca de um dos principais responsável pela direcção da FAUP. Dizia este eminente académico que preferia sempre rodear-se (de professores) que pensassem como ele, do que (professores) que viessem pôr em causa essa estabilidade tão cara à academia. Este homem, que com certeza sempre agiu em prol da defesa do conhecimento da FAUP, não mais faz do que procurar manter a barbárie fora de portas; esquecendo-se porventura que é exactamente do lado de lá da porta que reside o grande interesse das coisas e, sobretudo, o finalidade das próprias academias

O problema principal da tese de Grande reside exactamente no facto de que legitimar a Crítica através do escrutínio é – para além de crer cegamente na capacidade de um sistema quase sempre fechado sobre si próprio, cheio de vícios de forma e de limitações próprias daqueles que sobrevivem à custa do número de artigos publicados com peer review (mas alguém já pensou quem é que faz peer review em arquitectura?) – legitimar primeiramente um circuito de conhecimento que, para lá daquilo que possa ter de positivo ou negativo, é ensimesmado, e muito pouco consequente.

Não duvido, claro, das necessárias conclusões de uma tese de doutoramento, nem mesmo de todo esse maravilhoso conhecimento a que se obriga todo aquele que exerce a sua actividade profissional de crítico no seio da academia. E no entanto duvido, claro, da possibilidade de toda essa sagacidade poder ser posta ao serviço da arquitectura.

O problema aqui passa em muito pela incapacidade – para não falar na falta de vontade - da academia ser de facto útil à produção arquitectónica. Aliás, parece que a academia desdenha em muito aquilo que está na base da própria disciplina, tratando a maior parte das questões que a envolvem com a ligeireza própria de quem aredita que estas nunca tenham sequer existido; preferindo antes distrair-se com factos, certamente deliciosos, mas muito pouco consequentes, quer em termos colectivos, quer em termos individuais.

Evidentemente que a dictomia entre a academia e a actividade profissional (T. Hauser) é perfeitamente descabida; pelo menos no plano teórico. Ambas servem um mesmo fim. Só que esse entrincheiramento – ainda por cima consciente – que Grande e seus pares da academia invariavelmente se colocam, implica um total esvaziamento daquilo que produzem; pelo simples facto do conteúdo que produzem só ser lido e discutido em circuito fechado.

Um projecto crítico é obviamente independente do seu suporte (Gadanho), sendo a sua credibilidade dependente única e exclusivamente do seu teor. E isto aplica-se tanto a uma recensão sujeita a peer review, a uma prova académica, ou a um daqueles textos fáceis que se lêem todos os dias na blogoesfera.
Evidentemente que o suporte deste último tem as suas próprias limitações; que passam em muito pela aparente ligeireza dos textos, pela necessária rapidez com que são lidos e, sim, também, pela fácil apropriação por quem quer que seja. E poderemos, claro, olha-la, à Crítica feita na blogoesfera, com toda a desconfiança.

Por outro lado, podendo sempre exercer-se essa capacidade – tão cara aos académicos – em ser criterioso, não nos parece assim tão difícil saber separar a maldicência amadora da reflexão séria e intencionada, independentemente destas aparecerem travestidas de blogue, ou de páginas de uma qualquer revista arrumada na biblioteca de uma qualquer escola de arquitectura. E dessa forma encontrar a credibilidade de um texto publicado num blogue não é assim tão diferente de encontrar credibilidade num texto publicado noutro qualquer suporte.

Não creio saber se aquilo que pode ser entendido como crítica de arquitectura o é de facto, nos blogues. Nem sei mesmo se importa assim tanto limitar a crítica a um suporte.
Aquilo que (me) leva a reflectir sobre um projecto ou uma obra é, em primeiro lugar, tentar percebe-lo, a esse projecto ou a essa obra.
Encontrar-lhe as fragilidades, os erros, as imperfeições é, sobretudo, tentar que essas fragilidades, esses erros e essas imperfeições não se repitam no (nosso) próprio trabalho.
O acto de tornar públicas essas reflexões passa, evidentemente, por querer testá-las. Perceber exactamente a sua validade. E isso não mais é do que repetir um modelo assente na ideia que o debate é útil.

Na verdade esse exercício não é assim tão diferente daquele que nos faz aceitar dar conferências, participar em seminários, ou publicar projectos e obras: a expectativa de discutir, de aprender algo mais; e de tornar esse conhecimento colectivo em algo útil para os projectos que ainda não foram feitos.
Na verdade creio que um acto crítico é, antes do mais, uma acto de generosidade. Uma espécie de feed-back sobre o trabalho dos outros. Tentar transformar essa possibilidade numa trincheira não é portanto um simples exercício de auto-defesa, mas um erro grosseiro, violento até.

Não me passaria nunca pela cabeça pôr em causa um qualquer projecto de arquitectura apenas por este ser feito por alguém que não granjeou ainda qualquer tipo de legitimidade profissional (um académico, por exemplo); simplesmente porque aquilo que me interessa num projecto é o projecto em si: a forma como é pensado, o seu conteúdo, e sua formalização, e as suas consequências disciplinares. Tudo o que se passa para além (ou aquém) disso é portanto dispensável.

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