Ter obra há dez anos
Coisas sobre o fim do mês de Dezembro
Aleluia, excerto de O Messias, 1741, Händel [imagem da partitura original via The Guardian, disponível na Brithish Library]
Dois textos
Dois texto de Garcia Barba, do blog Islas y Territorio: o Talento, e Retaguarda Crítica. Para fechar o ano.
Arábico
De certa forma a Casa das Artes constitui um momento relevante na história recente da arquitectura nacional, sobretudo se pensarmos no contexto disciplinar de então, muito mais próximo que estava de intentar as prolíficas manifestações cosmopolitas que iriam marcar a década de oitenta.
Aos de Lisboa, a cidade parecia-lhes, nessa época, o lugar mais próximo da Europa.
Taveira fazia as Olaias, e ganhava estatuto de promissor. Luís Cunha desistia definitivamente do modernismo, optando por aquilo que lhe parecia a verdade na história. Graça Dias estava de regresso à capital depois da sua experiência macaense com Manuel Vicente, para fazer parte dessa Idade da Prata que encheu durante um bom punhado de anos as noites do Frágil e as páginas dos jornais mundanos que despontavam aqui e ali. De Carrilho - um autor da geração de Souto de Moura -, com atelier montado desde 1977, não se lhe conhece qualquer obra antes dos anos 90, entregue que estaria ao ensino. Byrne andaria às voltas com a Pantera Cor-de-Rosa. Hestnes e Figueiredo andariam à procura, mais um que outro, do seu tom; enquanto Teotónio abrandava o ritmo, depois de ter feito as suas obras-primas.
Tirando o eterno Siza, os tempos eram de alguma confusão: se Lisboa parecia mais próxima de mergulhar a fundo no pós-modernismo diletante, num aparente desejo de um outro país, o Porto, esse, agarrava-se, com afinco, como num beco sem saída, a fundamentos mais dados à resistência do que à persuasão.
Nesse contexto, mais do que o Mercado de Braga - onde aparecem colunas inacabadas e pedras soltas - , é o Concurso da Casa das Artes que inaugura Souto de Moura como autor, abrindo um caminho até então pouco dado a especulações por terras lusas.
Se é verdade que herança da Casa das Artes só viria ganhar importância uma década depois, muito por contraponto aos desvarios pós-modernos lisboetas, sendo sobretudo digerida pelas gerações que a Escola do Porto ia pondo cá fora; Souto de Moura não se desviaria, senão já nos finais dos 90's, do seu próprio paradigma. Esse paradigma que, feliz ou infelizmente, se tornaria, anos depois, o maior dos lugares comuns pela qual a arquitectura portuguesa tem vindo a falecer.
Se é verdade que Souto de Moura se tornou num dos mais influentes autores em Portugal - procurando, é certo, livrar-se dos seus próprios fantasmas - , ganhando notoriedade e conquistando o seu espaço, não deixa de ser curioso constatar que a Casa das Artes (1981) foi o único concurso ganho nos seus quase 30 anos de carreira profissional; isto se excluirmos o projecto para o Hotel de Salzburgo (1987), cuja obra nunca viu a luz do dia.
E no entanto é a reboque desse projecto que Souto de Moura iria ganhar alguma visibilidade internacional, fazendo-o envolver-se com aqueles que seriam na altura os seus pares mais naturais - Herzog ou Chipperfield.
Embora a produção de Souto de Moura tenha desde então vindo a ser regularmente acompanhada pela crítica lá de fora, tornando-o num dos poucos autores portugueses recorrentemente citados fora-de-portas, certo é que por uma ou outra razão o autor não terá grangeado o mediatismo que lhe permitiria acompanhá-los, ao suíço e ao inglês, na desmultiplicação prolífica de obras um pouco por todo o mundo; fenómeno aliás semelhante ao que se passou com outros autores ditos periféricos, como por exemplo no caso do galego César Portela.
Aparentemente o final de 2009 vem acabar com tudo isso: o facto Souto de Moura ter ganho apenas um concurso (excluindo-se o tal de Salzburgo, claro). E de ser considerado um autor local, ou periférico.
Quem sabe, poderemos, um dia destes, dizer da Escola em Abu Dhabi o mesmo que acabámos de dizer da Casa das Artes: que ela constituiu um momento de viragem na arquitectura portuguesa; ajudando a (re)criar um autor.
Nota
Edifício Montepio Geral, Porto, 1960, Agostinho Ricca [via o Guia de Arquitectura do Porto do Fio de Prumo]
Embora seja há muito objecto de atenção, só agora percebemos a nossa desatenção sobre o responsável por aquele edifício que lá vai ajudando quem sobe a Júlio Dinis: Agostinho Ricca.
Dos credos ecuménicos
Nuestra incapacidad para modernizar nuestro propio concepto de lo urbano nos haconducido a un terrible urbanismo loco, que aparece por todos lados, que nos rodea, con su mediocridad, con un simbolismo sostenible de la peor calaña, con un cinismo verde, una nulidad del espacio público que se ha convertido en un espacio de exclusión cada vez más radical. Nuestra agencia ha intentado escapar de todo esto. Por eso es por lo que hemos lanzado hace algún tiempo la idea de una arquitectura genérica, inspirada en Erasmo, Lutero y Calvino, asumiendo así nuestro calvinismo
Vivimos un urbanismo loco, entrevista a R. Koolhaas por Javier Mozas / Aurora Per, Babélia, 19 Dez. 09
Da realidade vista sobre um certo ângulo recto
Foi publicada a convocatória à Bienal Ibero-Americana de Arquitectura, que decorrerá em Medellín, em Outubro próximo.
A delegação portuguesa é uma vez mais composta por Ana Tostões (Comité de Acessoria, com trabalho anterior para as Bienais de Madrid, México ou Chile) e Gonçalo Byrne (Júri Nacional para o Prémio de Arquitectura, repetindo dessa forma o papel desempenhado em Lima, em 2004), sendo a maior novidade a escolha de José Adrião (Delegado Nacional), a quem caberá a responsabilidade de seleccionar as 10 obras nacionais a serem expostas.
Tendo em conta a anterior história das representações nacionais na BIAU (ver aqui e, depois, ali), não se prevêem alterações significativas no modo como a arquitectura nacional tem vindo aí a ser representada.
Nota sobre a magnitude
A possibilidade da terra tremer não deveria implicar necessariamente a sua transposição para o real
Adenda às entradas anteriores
Não há qualquer tipo de dúvida em afirmar a superioridade do Insel Hobrich de Siza em relação ao Insel Hombrish de Siza. Não sendo um e outro obras maiores (só um milagre permitiria atingir, ao de leve, a elevada fasquia de Siza) há ainda assim, em ambos, aquele misto de ascetismo e de requinte clássicos que lhes garante o embrincado próprio da intemporalidade. Mais num do que noutro, é certo.
Insel Hombroich
Museu Insel Hombroich, Düsserdorf, 2009, Álvaro Siza [Fotografias de Fernando Guerra]
Insel Hombroich
Museu Insel Hombroich, Düsserdorf, 2009, Alvaro Siza [Fotografias de Duccio Malagamba]
Sobre o desejo da nidificação de cegonhas
Dos fraudes da década.
Sabendo que estas listas que por aí se vão publicando são, no fundo, disparatadas, confesso alguma agonia em constatar que o único arquitecto considerado pela Times, na década que passou, foi Hadid. Mas lá vamos ficando mais descansado quando, logo abaixo, lemos o nome de Madoff.
A Barriga do Arquitecto
Claudia Schiffer, Nov. 2008 [Vogue], amorosamente fotografada por Erwin Wurm [segundo o sugerido por jac]
O resultado é, por isso, tanto mais confrangedor quanto mais se procura revestir de realismo. Evidentemente.
Dir-se-ia no entanto que a explicação é simples: é como um homem que decide casar e anda à procura da mulher mais bonita de todas. É um esteta, sacrifica tudo à beleza e depois os edifícios ficam todos lindíssimos mas é como almoçar com a Cláudia Schiffer. É bonita e pronto.
Adenda à entrada anterior
Pergunto-me: qual o exacto momento em que um autor toma consciência que à ambição da sua obra se interpõe, como que incomodamente, a sua própria. Ou antes: se esse momento chega a tempo de poder ser redimido, e não o fazer refém desse pequeno mas ainda assim acusativo erro, que é o de esquecer que o mundo continua a existir. Como se nada fosse.
Da tendência para a reclinação e o seu desejo
Por causa do que aqui foi escrito, temos vindo a ser regularmente visitados por leitores d'Os Cidadãos por Abrantes; um blog inteiramente dedicado a contrariar a Câmara de Abrantes no que diz respeito à decisão que tomou em encomendar a Carrilho da Graça o projecto para o Museu Ibérico.
E no entanto não há muito ainda a dizer sobre a suposta genialidade do projecto de Carrilho. Trata-se basicamente de um museu em altura - modelo já experimentado, não sem pontual sucesso, mas que condiciona fortemente a sua estrutura funcional -, cuja única explicação se deve - julgo - à ambição de alterar o skyline da cidade, criando-lhe um landmark que servirá principalmente o ego dos seus instigadores, mais do que os habitantes de Abrantes.
Da resistência ao enamoramento
Nota sobre os desenganados
Deitar fora o bébé com a água do banho
Aparentemente tudo está já escrito sobre Le Corbusier: desde as múltiplas e extensas monografias críticas à análise minuciosa de cada uma das suas obras. Se é verdade que a maior parte da revisão crítica da sua vida e obra foi elaborada por confessos admiradores seus - facto esse que porventura explicará a pouca relavância dada por essas obras aos seus detractores mais directos (isso, claro, se excluirmos a resposta da arquitectura ela própria, nomeadamente as gentes dos últimos CIAM's, dos Team X e similares, ou um texto ou outro esparsamente publicados junto a revisões da obra de Corbusier, como aqueles - do Pallasmaa, julgo - que aparecem no número especial da Architecture d'Aujoud'Hui logo depois da morte de LC), julgo, ainda assim, que passados quase 50 anos da morte, seria mais que evidente que a relevância cultural de Le Corbusier vai muito para além daquilo que seriam as suas posições ideológicas, ou das tabulas rasas urbanas (Plano Voisin e etc.) que supostamente intentava. Uso o termo seria porque não tenho assim tanta certeza do vínculo do autor a tais radicalismos: LC é acima de tudo arquitecto, o que faz com que tenhamos de encarar Voisin como puro marketing ou, no máximo, como pura especulação narcisista; num ou noutro casos actos inócuos ou, pelo menos, inofensivos.
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