Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Da geração que perdeu a curiosidade

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A propósito do último JA [235: ser Rico] poder-se-ia afirmar que a (re)entrada de Manuel Graça Dias trouxe à revista mais ecletismo e heterodoxia: aparecem textos assinados por nomes pouco dados a estas coisas da arquitectura [Helena Matos ou Daniel Oliveira, por exemplo], artigos de fundo com um fôlego pouco visto em publicações regulares de arquitectura em Portugal, entrevistas bem dirigidas [a Helena Roseta, no JA 234] e abordagens bem mais terra-a-terra do que aquilo por que se pautava o anterior modelo [veja-se o discurso de Soutinho], com evidentes vantagens. E isso é bom.

No entanto há uma coisa que trespassa este novo JA, que vai confirmando um fenómeno que se tem vindo a observar numa geração [ a de MGD] que se supunha, hoje, estar no centro da mais interessante produção arquitectónica [escrita ou prática, tanto faz] em Portugal, mas que vem sofrendo de crescente cepticismo. Denota-se-lhe uma crescente ausência de curiosidade. Ou antes, o desvanecimento do sentido de procura que a marcou no seu inicio.

Graça Dias escolhe um [bom] tema para o JA. Logo a seguir desbaratá-o com Chipperfield e Souto de Moura; apostas mais que seguras para quem precisa de vender revistas de arquitectura, mas pouco mais que desinteressante no sentido de revelar esse outro mundo afastado do mainstream nacional, que tanto terá empenhado MGD no passado.













Casa em Santo Estevão, Souto de Moura, 2008 [?], [Via Arquitectura Hoje]

No editorial, Graça Dias faz dos casarões de Mulholland Drive o seu alvo preferido, chamando-os de tristes lugares comuns; sem nunca dar a perceber que o recurso à Casa que Souto de Moura desenha para Cristiano Ronaldo é exemplo desses lugares comuns: um “Palácio” encomendado ao arquitecto de sucesso por um novo-rico. Um "palácio" triste, desadequado, deselegante e solitário.
O exemplo torna-se caricato pela [aparente] ausência de qualquer tipo de qualificação do projecto; revelando, quem sabe, um autor em piloto automático, cansado, desligado.

NA verdade é difícil perceber este projecto. Como tem sido difícil perceber o imbricado percurso de Souto de Moura após a sua obra maior: o Estádio de Braga. Enquanto dele esperamos um grande salto em frente, desligando-se daquelas casas burguesas que lhe asseguraram a fama, o seu percurso teima em desdizer-nos; sobressaindo uma espécie de despegamento à própria arquitectura, que nos leva a sermos confrontados com objectos pouco próprios para uma autor como Souto de Moura. São de fácil vislumbre alguns outros exemplos disso: a Casa do Cinema, o Edifício da Av. da Boavista ou, claro, o Centro de Arte de Bragança [que Bandeira, surpreendentemente, não deixou de escolher para a Selecção do Habitar Portugal]. Entre outros.















Centro Cultural de Bragança, Souto de Moura, 2008 [via Habitar Portugal]












Edifício de Comércio e Serviços, Porto, Souto de Moura, 2007 [via Arquitectura Hoje]


Talvez seja próprio da idade. Uma espécie da desapontamento pela qual a geração de ’50 esteja agora a passar; que a faça perder a curiosidade pelo mundo que a rodeia. Essa geração que tem hoje a vida menos dificultada pelas encomendas institucionais deixou escapar-se-lhe algum optimismo, rodeada que está de atenções, e de oportunidades que, descuidadamente, deixa resvalar.

Graça Dias – um dos homens com mais curiosidade pelas cidades que o rodeiam – faz, tal qual Souto de Moura, parte dessa geração. Uma geração que centra a sua atenção sobre si mesma. Esquecendo-se que o verdadeiro interesse da arquitectura é a sua capacidade de superação e de surpresa. Nele é de estranhar a crescente tendência para a pacificação, atirando fora a fina ironia com que dantes olhava para as coisas e para as pessoas, descobrindo-lhes significados até então invisíveis aos olhos de todos nós.

A casa de Cristiano Ronaldo não tem significado algum. A ser consensual, deve-o apenas ao nome do seu autor. E no entanto não haverá crítico algum de arquitectura capaz de revirá-la, à casa, e pôr de parte (nem que seja por pouco tempo) o peso do nome do seu autor. Como não há, ainda, nenhum crítico que dispense de soletrar Siza por tudo e por nada [veja-se a mão cheia de entrevistas publicadas pela Arq./A à elite crítica: de Nuno Grande a Bandeira, toda a gente refere Siza]; sendo, aliás, os mais inesperados, os primeiros a fazê-lo.

E porquê? Porque tudo isto? Por falta de curiosidade, apenas.


[ps. Em relação ao assunto refira-se ainda os diatribes em redor da Casa de Souto de Moura n'O Despropósito: não sendo o texto de AM um perfeito exemplar de elegância crítica, ainda assim não deixa AM de pôr o dedo na ferida: A Casa de Ronaldo é um projecto menor, mesmo que seja de um autor maior. Sobretudo por ser de um autor maior. Curiosa é a violência de quem contrapõe, baseado na tese ortodoxa que o 2º (como se isto fosse um campeonato) melhor arquitecto português não pode ser questionado. Lá está: falta de curiosidade.]

3 comentários:

dl disse...

há poucos dias, a propósito de gerações, fiquei impressionado com este diagnóstico extremamente lúcido de V. Olgiati:

"what i detect now, if i survey the panorama of very young architects, is the impression that the generation following us behaves a little bit like you were our children."

"my generation was fighting for something that your generation might not want, or at least it would not fight for."

"yes, i think the young generation is more direct in its operational approach than my generation. The younger generation might be less interested in foundational questions - those ethical questions that gave my generation certain liberties(...) The generation of postmodernism (a dele) wanted to liberate themselves from the burden of a tight manner of conduct established by the modernists. Venturi's famous Either/Or was a direct response to a world in which that seemed impossible. Today's young generation has made multiple options available for itself, but its options stand without reference to a moral paradigm"

desculpa-me, mas depois disto considero o teu post de um interesse relativo quando o que importa debater é, para além de todas as gerações intervenientes (claro que acho sempre importante), aquilo que move ou não deixar mover as questões de projecto da tua geração.

Dioniso disse...

Excelente texto. Parabéns! Não podia ser mais claro e objectivo.

MT disse...

Reler por favor, o meu comentário. O projecto pode e deve (muito) ser questionado. Não pode, é o trabalho de um arquitecto como o Souto Moura, ver o seu trabalho rotulado de bimbo com essa leveza. Penso que concordarás. "O Souto é "bem" mas projectou (para "o melhor futebolista do mundo") uma casa (mais que meio...) bimba... (bimba inteira)" Isto retira qualquer discussão séria que se possa fazer sobre o projecto. E, reitero, esta deselegância do sr. AM. perde duplamente legitimidade quando o senhor expõe publicamente o seu trabalho. Sim, eu sou dos que defende que um bom professor de projecto tem de ser um bom Arquitecto.

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