Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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O arquipélago da insónia

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Questiono-me acerca da popularidade da autores cuja complexidade da obra faria adivinhar uma difícil relação com aqueles que a procuram apreciar. Veja-se Lobo Antunes: a sua escrita não será propriamente consentânea com a aparente adesão massiva aos seus livros.
De facto a obra de Lobo Antunes tem vindo desde há muito a adensar-se. A abstractizar-se. Tornando a leitura cada vez mais exigente. Há, cada vez mais, frases cujo acabar só vai sendo encontrado por muita atenção, páginas à frente. Palavras deixadas a meio. Ou começadas desse meio para o fim; sendo a sua complitude alinhavada por uma frágil, brutal estrutura, cuja conjugação é tudo menos evidente.
Ao mesmo tempo que o desenvolvimento da obra nos vai embrenhando num mundo que não sabíamos existir, a escrita desprende-se da sua própria origem, libertando-se da referenciação inicial.
É nesse momento que percebemos estar perante algo único.

Acredito, evidentemente, que as Universidades onde se ensina literatura passem, a determinada altura, pelos lugares comuns; investindo só depois no único. Aprender literatura não é tarefa evidente, pelo que se impõe sabermos-lhe primeiro o óbvio, nem que seja para depois o deitar fora.

E no entanto há aqui uma dificuldade: como é que se ensina literatura pondo de parte a sua complexidade? O problema torna-se ainda mais evidente se falarmos de arquitectura: como é que se explica Lobo Antunes a um estudante de arquitectura?

2 comentários:

Carlos M Guimaraes disse...

já tentei falar de Lobo Antunes a arquitectos (jovens, como eu) nao portugueses... e de Pessoa também..

há um equilibrio entre maturidade e interesse natural que tem que ser obtido. ninguem me explicou Lobo Antunes. primeiro tentaram explicar-me, com desenhos e palavras (q eu nao entendia), o que era arquitectura. demorou bastante, mas valeu a pena a insistencia...

coloco-me outra questao:
como se fala de arquitectura a quem nao é arquitecto?

Anónimo disse...

Num dos muitos recortes de jornais que povoam esta casa, em entrevista, António Lobo Antunes exprime as suas inquietações. As mesmas que nos atravessam:

Maria Augusta Silva: A intensidade poética da sua prosa é para aliviar as tensões entre as personagens?

António Lobo Antunes: Não me é consciente. Uma coisa para mim é clara: tenho de proteger os meus ovos, que são os meus livros. Se racionalizar as coisas perco-as. Estaria a fechar as portas a mim mesmo e a essas coisas, que não sei bem se me pertencem, e emergem com essa força. Nos momentos felizes a mão anda sozinha. A cabeça está a ver ao longe e fica contente, porque são as palavras certas que a cabeça não encontraria. É a mão.

Maria Augusta Silva: Como dissocia o escritor da obra?

António Lobo Antunes: Não tenho bem a sensação de o livro nascer de mim. Faço a primeira versão, trabalho muito a segunda, no entanto, depois de entregar o livro, não vejo provas, não faço mais nada. Tudo o que quero é fazer outro. O livro só existe quando estou a escrever. E o tempo é-me muito curto. Se fizer mais dois ou três…

Maria Augusta Silva: Um autor acéfalo conseguirá realizar uma obra-prima?

Se tiver uma mão suficientemente grande… Prende-se com um conjunto de coisas: primeiro, é preciso ter lido muito. Aprende-se a escrever lendo. E também é necessária uma grande humildade face ao material de escrita. É a mão que escreve. A nossa mão é mais inteligente do que nós. Não é o autor que tem de ser inteligente, é a obra. O autor não escreve tão bem quanto os livros.

Maria Augusta Silva: Está a dizer-me que o livro, em relação ao autor, é uma mentira?

António Lobo Antunes: Estou a dizer que o livro é melhor do que eu. Não escrevo assim tão bem.

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