Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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Sem prejuizo de tudo o resto, haverá porventura uma definição, trivial, com que facilmente concordamos então: a que coloca a arquitectura como elemento participante em todos esses lugares onde nos sentimos bem.

No entanto a concordância acaba exactamente aqui: sentirmo-nos bem não é, entenda-se, comparável a ess'outro fenómeno, recorrente, extensível ao nosso quotidiano comum, que designamos por conforto. Simplesmente porque no conforto nada nos é exigido. Nele não somos postos em causa. Nem somos sequer obrigados a reflectir. O conforto é para estar; não é para ser.

Por essa razão torna-se aparentemente impossivel habitarmos arquitectura: no preciso momento em que ela se torna parte do nosso quotidiano, começamos a ocupá-la com o proveitoso desprezo com que costumamos tratar o que nos é banal, anulando-se aquilo que é a maior das suas capacidades: a de nos relembrar, constantemente, da nossa banalidade. Ora: dispensando-se a natureza questionável da arquitectura em prol dessa ideia de conforto, dispensa-se a sua própria génese; o que evidente a torna débil, dependente que fica (apenas) da sua desenhada elegância (essa elegância que, sabemos, muda ao sabor dos tempos).

Sendo a conforto um instrumento da matéria da utilidade, poder-se-ia portanto concluir não estarmos já em presença de um problema das qualidades do útil, nem mesmo de facilidades ou funcionalidades - até porque a nossa capacidade de invenção e de adaptação a um espaço, ou a um meio, ou a um objecto é tudo menos ínfima -, mas antes da forma de melhor propôr o desconforto. Se quisermos: de destruir o próprio conforto.

Não havendo qualquer tipo de desprezo pelo exercício prático da tese que lhe é oposta, deveremos no entanto abstermo-nos de tentar explicar a arquitectura pela suposta ética social que lhe é implicita. Ideia essa que evidentemente não se apoia em qualquer proposta que pugne pela ausência de ética na arquitectura, mas antes por se partir do pressuposto que essa ética está implicita a qualquer acto disciplinar, incorporando no entanto uma estrutura única, cujo sentido maior busca aspectos como a tentação e o desejo, o temor, a consciência da nossa grandeza ou da nossa pequenez; que nos fará, na melhor das hipóteses, sentirmo-nos acanhados.















da série Louboutin Shoes, 2007, David Lynch

Tenho por garantida a nossa concordância: quase sempre nos sentimos acanhados perante as obras que nos toldam os sentidos.
E esta é um das razões que explica a impossibilidade de a usarmos, à arquitectura, sem sapatos. A não ser que hajam brasas espalhadas pelo chão.

6 comentários:

IKAZ disse...

E o "hino" à vertente inutil da arquitectura continua e a caça aos arquitectos "sociais" (cheios de ética) também...

Força Pedro.

SF disse...

deve haver para aí alguma confusão entre arte e arquitectura

FR disse...

Andas a escrever cada vez pior...

karl Pax disse...

Ikaz talvez seja pouco útil o teu comentário!
Não dão aulas de historia da arquitectura na Luisada no Porto?

(o) arquitecto disse...

normalmente é assim, aparece um programa, depois arranja-se maneira de compor uma solução ao programa e ao desejo, depois temos os colegas da Câmara que não têm nada de desejo e apenas "funcionam", depois detalha-se, acompanha-se, fotografa-se e fala-se, nos meios institucionais e noutros como em alguns blogs. À parte deste processo e em alguns casos parte do processo há as variações ao tema.

IKAZ disse...

Caro Karl Pax... Não faço ideia se na Lusíada do Porto dão ou não aulas de história, suponho que sim...

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