Quando as Catedrais eram Brancas, notas breves sobre arquitectura e outras banalidades, por Pedro Machado Costa

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A queda de um império

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Fai Chi Kei, Macau, Manuel Vicente

O Manuel Vicente de quem julgo saber rir-se-ia - julgo - de tudo isto. Piscaria os olhos, encolheria os ombros, para logo a seguir assumir aquele esgar que lhe é tão próprio - um misto de raiva, fina ironia e algum cinismo- e chamar-nos-ia, em voz alta, estúpidos. Estúpidos por nos preocuparmos com questões de somenos importância. Como se o fim das coisas não fizesse parte da ordem natural do mundo; diria. Logo a seguir explicaria que sim: que as coisas acabam, e que não há mal nenhum nisso; até porque tudo aquilo que interessa não existe propriamente à nossa volta, e ainda assim somos capazes de as convocar, às coisas que nos interessam, sempre que precisamos. Concluído-se, portanto, que o significado das coisas não passa pela sua existência, nem mesmo pela sua manutenção.
A nossa obrigação - diria Vicente - enquanto arquitectos seria preocuparmo-nos com as coisas que estão por fazer, e nunca com aquelas que estão feitas. Acusar-nos-ia, não sem alguma violência, de atentar revivalismos ocos. De sermos românticos; daqueles: decadentes, incapazes do desprendimento. E por fim falava das coisas que lhe eram significativas. Entre elas aquela frase do filme do Visconti onde se diz que tudo tem de mudar para as coisas ficarem mais ou menos na mesma. Da importância da história apenas de lhe ouviria um murmúrio longínquo, marcado pelo desprezo.

Teria, em tudo, razão, esse Manuel Vicente de quem julgo saber. Afinal todos os dias as coisas mudam. Destroem-se. E nada de basilar nos acontece.
E no entanto há coisas que nos serram ai meio. Podem ser apenas fruto do apego à nossa própria memória. Mas esses desassossegos são, ainda assim, aquilo que nos vincula ao outro. Que é o mesmo que dizer: a nós próprios.

Pode ser, por isso, que demolir o Fai Chi Kei seja pouco mais que uma irrelevância. No entanto aprendi, julgo que com esse Manuel Vicente de quem julgo saber, que não é por serem irrelevantes que os factos dispensam a nossa maior atenção.

3 comentários:

alma disse...

Mesmo relativizando não é irrelevante ! apesar de nunca ter ido a Macau fico triste.

"Entre gente remota edificaram"
...
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades."
...
LVCamões

Helena Cabeçadas disse...

Em 1987, em Macau, tive ocasião de fazer um pequeno estudo sociológico sobre o bairro do Fai-chi-Kei, tendo em vista a implementação de um centro de saúde. Constatei, na altura, quanto era interessante o projecto do Manuel Vicente. E acho lamentável que o bairro não seja preservado.
Helena Cabeçadas

Pedro Machado Costa disse...

Verdade Helena. Se quer que lhe diga, oito nos depois ainda me passou esse centro de saúde pelas mãos. Mas nunca foi feito. Acho.
Obrigado

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